A esperada conclusão da Ferrovia Transnordestina, cujas obras foram iniciadas em 2006, vai demorar ainda mais. O motivo agora é a desistência da mineradora Bemisa, do Grupo Opportunity, anunciada esta semana, de construir e explorar uma estrada de ferro sob o regime de autorização ferroviária, cujo trajeto correria paralelo ao trecho pernambucano inacabado da Transnordestina.
A decisão da Bemisa inviabilizou uma solução logística para o trecho entre Salgueiro e Suape da Transnordestina, que tem apenas 190 dos seus 544 quilômetros construídos. Incluído no novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o trecho vai receber R$ 450 milhões para ter suas obras iniciadas.
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O governo pernambucano, no entanto, ainda vai definir o modelo de contrato, concessão ou autorização, o que levará um bom tempo. Além disso, para concluir o trecho, serão necessários pelo menos mais R$ 5 bilhões. Até agora, a Transnordestina já custou R$ 7 bilhões.
O impasse no trecho pernambucano se soma a uma série de problemas contratuais, de execução e de projeto da Transnordestina, além de uma disputa entre grandes grupos econômicos tendo por trás apoio político dos governos cearense e pernambucano.
Considerada a maior obra linear em execução no Brasil, a ferrovia foi projetada para ter 1.800 quilômetros, passando por 53 municípios no Piauí, Ceará e Pernambuco. Idealizada inicialmente por D. Pedro II em 1847, que imaginava uma ferrovia que ligasse o sertão até ao litoral pernambucano, a Transnordestina começou a sair do papel no primeiro governo Lula, em 2006.
O projeto foi concebido já com o trajeto na forma de um “T invertido”, iniciando em Eliseu Martins (PI), em linha reta, até o Porto de Suape. Na altura de Salgueiro, o projeto abriu um ramal rumo norte, no Ceará, até o Porto do Pecém.
Com vários problemas de verbas e atrasos, as obras chegaram ser parcialmente interrompidas em 2016 no trecho pernambucano, mas seguiu avançando no cearense.
A TSLA, concessionária da Transnordestina controlada pela CSN, da família do empresário Benjamin Steinbruch, conseguiu no final do governo Bolsonaro, com aval do Tribunal de Contas da União (TCU), um aditivo ao contrato junto à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) que excluiu o ramal Salgueiro-Suape da concessão.
Na época, a Bemisa já havia anunciado seu projeto de R$ 5,7 bilhões, que incluía a construção de uma linha férrea de 710 quilômetros, pelo modelo de autorização ferroviária, para escoar a produção de sua mina de minério de ferro no Piauí para Suape.
Com o aditivo, o grupo CSN concentrou suas operações no mercado cearense, onde atua na tecelagem e pretende investir R$ 2,35 bilhões em quatro terminais (minérios, grãos, fertilizantes e contêineres) no Porto do Pecém. O projeto portuário será tocado por uma subsidiária do grupo, a Nordeste Logística.
A desistência da Bemisa foi oficializada dias depois de a Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), que pelo contrato atual financia a Transnordestina, ter liberado R$ 811 milhões para as obras do trecho cearense tocados pela TSLA.
De acordo com a concessionária, já estão totalmente concluídos 860 km de ferrovia, dos quais 190 km em Pernambuco (incluído trecho em processo de devolução à União). Com isso, o trecho pernambucano, por enquanto, terá apenas a verba do PAC para ser tocada.
Problemas conceituais
Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral, afirma que a Transnordestina tem dois problemas conceituais graves. O primeiro diz respeito ao planejamento apressado. Segundo ele, desde o início dos anos 2000 já se falava na chegada da nova fronteira agrícola ao Piauí.
“Foi quando teve início a famosa cultura de “esticar” o traçado - no caso, até o Piauí – para só depois descobrir que não há carga suficiente para utilizá-la”, diz. "A Transnordestina é o maior exemplo ferroviário brasileiro de um projeto que vai na frente da demanda.”
Outro problema conceitual explica o atraso para a conclusão da obra: apesar de percorrer uma vasta área de três estados nordestinos, a Transnordestina foi concebida sem uma interconexão com ferrovias do Centro-Oeste e do Sudeste.
“Essa falta de conexão com grandes troncos ferroviários prejudica os centros do Nordeste que apresentam níveis de desenvolvimento interessantes e transforma a Transnordestina numa ferrovia com eterna expectativa de integração”, diz.
Por essa razão, de acordo com o especialista, ao longo dos anos, a ferrovia começou a perder importância estratégica no sistema ferroviário brasileiro. “Nos governos Temer e Bolsonaro, a Transnordestina não foi vista como prioritária para obras de infraestrutura no Brasil”, observa.
Para Resende, a inclusão do novo trecho Salgueiro-Suape pelo novo PAC no lote de obras do Nordeste “é uma tentativa do novo governo de revitalizar a ferrovia”.
Investimentos na malha
O fato de os portos de Suape e do Pecém estarem ganhando relevância no Nordeste é usado por empreendedores e políticos locais como justificativa para o investimento na Transnordestina.
“O Nordeste está se transformando na nova fronteira do hidrogênio verde e temos uma série de projetos importantes nos portos do Pecém e em Suape, que devem se aproveitar do traçado da Transnordestina”, diz Vicente Abate, presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer),
Abate afirma que o avanço do número de autorizações ferroviárias e de renovações antecipadas de concessões para a construção de novos trechos pela iniciativa privada pode ajudar a acelerar as obras e criar novos trechos para conectar a ferrovia a outras de grande porte.
“Demanda existe, pois dos 30 mil quilômetros da malha ferroviária brasileira, apenas um terço está densamente utilizado, temos ainda 10 mil quilômetros subutilizados e 10 mil ociosos, que podem ser devolvidos para novas concessões ou autorizações”, diz.
No caso das autorizações, modelo menos burocrático e sem a outorga das concessões criado em 2021, já são 90 pedidos, sendo 40 aprovados. Abate estima que entre renovações antecipadas, concessões e autorizações, deverão ser investidos até R$ 300 bilhões no modal ferroviário a médio prazo, sendo 80% desse valor em dez anos.
“Calculamos que a matriz ferroviária de cargas, hoje correspondente a 20% do total em relação aos outros modais, deverá dobrar até 2035”, diz.
A dúvida é quanto dessa ampliação da malha ferroviária vai se conectar à Transnordestina. Resende, da Fundação Dom Cabral, observa que várias modelagens de transporte de cargas – grãos, insumos, produtos industrializados, etc –já foram feitas e nenhuma apresenta uma demanda suficiente que justifique o custo da Transnordestina.
“O que falta à Transnordestina é um projeto ferroviário nacional, não de interesse regional, seja na planejamento de longo prazo, de modelagem, no estudo de demanda", diz. “Pensar só em nível regional é impossível ter geração própria de carga que justifique.”