Um estudo inédito do Itaú sobre as importações de origem chinesa no Brasil entre o período pré e pós-pandemia revela um grande aumento de volume de importação de produtos chineses acompanhado de queda de preços na maioria dos casos, por causa da mudança da situação econômica na China nos últimos anos.
O relatório “Importações de origem chinesa em alta: aspectos relevantes para a economia brasileira”, assinado por Igor Barreto Rose e Fernando M. Gonçalves, economistas do banco, aponta que a relação aumento de importação e queda de preços é mais acentuada nos setores de produtos químicos, metais semi-acabados, plásticos e borrachas, têxtil e automotivo.
Outra constatação é que nos setores da indústria brasileira em que houve aumento das importações chinesas há sinais de queda de preços de insumos e desinflação de bens industriais. Por outro lado, dependendo do setor, grandes volumes de importação vêm sendo acompanhados de redução da utilização da capacidade industrial.
“O estudo ressalta a necessidade de o Brasil ter uma economia preparada para a competição externa”, afirma Rose, ao NeoFeed, lembrando que o aumento das exportações chinesas vem gerando reações em diversos países, como aumento de tarifas e barreiras não-alfandegárias.
De acordo com ele, adotar essa estratégia pode não ser interessante ao País. “No Brasil, medidas similares tendem a ser ainda mais custosas do que em outras regiões, dada a relevância da China em nossa pauta de exportações”, acrescenta o economista.
O relatório mostra que o aumento de exportações de produtos chineses mundo afora foi uma resposta do país asiático ao cenário pós-pandemia, marcado pela crise interna no setor imobiliário, demografia desfavorável e disputas geopolíticas que continuam impactando as perspectivas de crescimento do país.
Esse excesso de capacidade na indústria chinesa que vem sendo exportado coincide com a contração pós-pandemia da economia global, marcada pelo ciclo de juros altos e inflação. A queda de preços das exportações chinesas, portanto, é um efeito desse processo.
No caso do Brasil, o aumento de volume de importações com queda de preços medidos nos períodos pré e pós-pandemia (média 2023-2022 vs. média 2017-2019) se deu na maior parte dos 230 itens selecionados pelo estudo, que representam cerca de 75% das importações da China. Mas essa relação não é linear.
Roupas e malhas, por exemplo, tiveram cerca de 60% de redução de preços nos períodos pré e pós-pandemia. Por outro lado, automóveis (500%), aeronaves (410%) e aços laminados (250%) registraram grande aumento de volume de importação. Mas esses produtos, porém, tiveram aumento de preços, entre 30% (automóveis) e 60% (aços laminados).
Por essa razão, alguns setores reclamam da concorrência com produtos chineses. Um deles é o setor metalúrgico. O CEO da Gerdau, Gustavo Werneck, falou ao programa É Negócios, parceria do NeoFeed com a CNN Brasil, que a competição desleal com o aço importado da China tem afetado a empresa e a indústria brasileira.
Na área têxtil, varejistas locais e a indústria também se mobilizaram contra a Shein e conseguiram uma vitória com a taxa de 20% sobre compras internacionais de até US$ 50, no que ficou conhecido como a taxa das blusinhas. Sem falar na invasão de carros elétricos chineses no mercado brasileiro.
Desaceleração de preços
O estudo alerta que a entrada de manufaturados chineses com preços menores no Brasil pode contribuir para uma menor inflação de bens industriais, uma vez que muitos desses produtos são bens intermediários.
Essa relação, no entanto, não é direta, dependendo também da evolução dos preços das commodities e do câmbio. A desaceleração recente de preços industriais fica particularmente evidente nas indústrias química e metalúrgica.
Ao analisar a dinâmica recente de setores industriais brasileiros, no entanto, o estudo não permite constatar uma relação clara entre a magnitude do aumento de importações chinesas e a produção local. Isso fica claro ao se comparar a produção industrial e o volume de importações entre os diversos setores no período entre 2019 e 2023.
O setor metalúrgico, por exemplo, aumentou em 98% o volume de importações, com queda de 1% de produção industrial no período. Já o setor de vestuário aumentou em 19% o volume de importações, recuando a produção industrial em 23%. O setor de automóveis também teve aumento de importações no período, 18%, mas variação próxima de zero na produção industrial.
De acordo com o estudo, a queda de preços de importados tende a diminuir custos de produção, além de tornar mais acessíveis itens que não tenham produção nacional. No entanto, a tarefa de identificar quais produtos importados não têm produção nacional é complexa, dada a capilaridade de produtos da indústria brasileira.
Por fim, o estudo observa que, diante da reação que o aumento das importações de produtos chineses vem gerando em diversos países, como elevação de tarifas e barreiras não-alfandegárias, a adoção de barreiras comerciais tende a ser mais custosa para a relação Brasil-China do que para outras economias.
Isso porque a China é a nossa principal parceira comercial e, além disso, o Brasil parte de um ponto inicial de baixo grau de abertura comercial, que já impõe custos relevantes para a economia local.
“A China não vai alterar no curto prazo essa estratégia de exportação em massa de produtos”, adverte o economista Rose. “Isso vai obrigar o Brasil a promover reformas estruturantes para competir externamente, como simplificação tributária, redução da burocracia, melhoria da infraestrutura, além de garantir uma estabilidade macroeconômica duradoura.”