As principais montadoras globais – Volkswagen, GM, Ford, Stellantis, Toyota, Honda, Hyundai e Kia – ainda estão lambendo as feridas causadas pela rápida expansão dos veículos elétricos chineses, cuja penetração no mercado local reverteu anos de domínio de vendas das montadoras estrangeiras no país, impondo a elas prejuízos gigantescos e criando uma dúvida de como reagir.

As opções em estudo para essas marcas tradicionais não são simples: tentar reverter a perda de mercado na China apostando em joint ventures com marcas chinesas e, por tabela, aumentando investimentos; concentrar na China a maior parte de produção de carros globais, por causa dos custos; e, no sentido inverso, abandonar de vez a produção no país.

De todas as alternativas, as duas primeiras têm dados bons resultados e podem ser a solução para amenizar os prejuízos registrados. Simplesmente deixar de produzir na China seria um tiro no pé, pois todas as montadoras estrangeiras dependem da produção feita no país para sobreviver.

Mais de 30% das vendas da VW no primeiro semestre deste ano vieram da China. Isso é apenas um pouco mais do que os 29% da GM. A Toyota produziu no país asiático no ano passado 18,5% de seus modelos vendidos globalmente.

"Os fabricantes de automóveis globais criaram joint ventures e construíram enormes fábricas na China para vender aos consumidores chineses, mas com as vendas de marcas não chinesas caindo agora rapidamente, os americanos e os europeus sentem que devem converter essas fábricas para enviar produtos para mercados em todo o mundo", postou no X o americano Michael Dunne, um dos maiores especialistas da indústria automobilística chinesa.

Dunne fez um levantamento dos prejuízos causados pelo avanço das marcas chinesas – em especial dos modelos elétrico e de plug-in, que já respondem por 50% do mercado nacional de carros novos, com 18 entre 20 modelos mais vendidos (os outros dois são da Tesla).

O caso mais emblemático é o da Volkswagen. Líder de vendas na China por 38 anos, até perder o posto para a BYD em 2023, as vendas da marca alemã no país caíram 6% no primeiro semestre deste ano. A previsão é de fechar 2024 com US$ 500 milhões de prejuízo.

As montadoras americanas também estão sentindo o peso do novo normal na China. A Ford perdeu US$ 5 bilhões no país asiático nos últimos cinco anos. A GM passou de um lucro de US$ 75 milhões no segundo trimestre de 2023 para um prejuízo de US$ 100 milhões no primeiro trimestre de 2024, quando sua participação de mercado na China caiu ao nível mais baixo desde 2003.

O drama continua para a GM, que teve novo prejuízo, de US$ 104 milhões, no segundo trimestre de 2024 - o que levou a CEO da GM, Mary Barra, a admitir na semana passada que a situação na China é "insustentável" e que a empresa está reestruturando seus negócios no país.

Líder exportador

A ideia das montadoras estrangeiras de usar as fábricas no país para vitaminar a produção de carros globais está em linha com a tendência em curso. Este ano, a China exportará 6 milhões de veículos para mais de 140 países em todo o mundo, ultrapassando o Japão na liderança global.

Na prática, seria a consolidação da estratégia feita pelas montadoras estrangeiras, por causa dos benefícios que as levaram, décadas atrás, a se instalar no país asiático. Nenhum outro lugar pode competir em termos de escala, custo e subsídios dos governos locais.

A Tesla enviou 344 mil carros elétricos fabricados na China para o Canadá, Austrália, Europa e outros mercados em todo o mundo no ano passado. A GM faz o mesmo com os Chevys fabricados na China e exportados para o México.

A Ford exportou mais de 100 mil caminhões e SUVs da China para o Sudeste Asiático, África e Oriente Médio. A mesma estratégia é adotada por Volkswagen, Renault e BMW visando ao mercado europeu.

Até as montadoras asiáticas estão revendo planos. As japonesas Honda e a Nissan e as coreanas Hyundai e Kia também começarão em breve a entregar produtos fabricados na China no exterior,  inclusive para seu mercado doméstico.

Por outro lado, não resta dúvida de que a China daria conta de produzir tantos veículos. De acordo com a Global Data, a China tem hoje capacidade suficiente para fabricar metade dos 80 milhões de veículos do mundo. Até 2030, a capacidade da China poderá subir para 75% do volume mundial.

As montadoras estrangeiras perceberam isso e, numa guinada, estão planejando trocar os prejuízos com a concorrência chinesa no mercado local por uma estratégia de cooptação de sócios chineses.

A Stellantis investiu US$ 1,7 bilhão para assumir uma posição minoritária na Leapmotor, uma promissora startup de veículos elétricos (VEs). O CEO Carlos Tavares entende que a China ainda é o lugar mais eficiente do planeta para construir carros.

Sua visão é fazer com que a Leapmotor construa EVs para exportação. Esses veículos levariam uma das placas de identificação da Stellantis – Fiat, Citroën ou Jeep. A VW fez um investimento semelhante na XPENG, outra jovem empresa chinesa de veículos elétricos.

Um efeito visível dessa estratégia das montadoras estrangeiras, de transferência em peso da cadeia de suprimentos do setor automobilístico para o país asiático, causa calafrios aos governos ocidentais. Há o temor de verem empregos, receitas fiscais, expertise e exportações simplesmente evaporarem.

Na prática, aconteceria com os automóveis, em nível global, o que já ocorre com os painéis solares, onde a China fornece mais de 90% da procura global, ou com a construção naval, onde a produção da China representa mais de metade do que é feito fora do país, entre outros produtos.

Para os Estados Unidos e União Europeia, sobretaxar também os carros de marcas nacionais fabricados na China – como fazem com os veículos chineses – seria uma última tentativa de barrar o que parece ser uma tendência sem volta.