O presidente da Argentina, Javier Milei, continua dando mostras de que não pretende fazer concessões à oposição no Congresso Nacional em relação aos dois pacotes de lei que anunciou nas primeiras semanas de governo, que, na prática, concentram o poder no Executivo.

Às vésperas de iniciar discussões no Congresso sobre o Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), que visa desregulamentar a economia, alterando 366 leis, e o projeto de lei conhecido como Lei Ônibus, um pacotaço com 664 artigos distribuídos em 183 páginas, Milei voltou a jogar duro, como tem feito desde a posse, em 10 de dezembro.

“Não negociamos nada, só aceitamos sugestões para melhorar”, disse Milei no domingo, 7 de janeiro, a uma radio argentina, ao se referir ao DNU (que, por ser um decreto presidencial, só pode ser aprovado ou derrubado em sua totalidade, sem alterações) e à Lei Ônibus, que pode sofrer emendas.

Além do recado duro, Milei foi pouco diplomático ao se referir à eventual resistência da oposição em aprovar o DNU, segundo ele, “um decreto de libertação” que “torna os mercados mais competitivos”.

Quando questionado se o país corre risco de cair na hiperinflação caso o DNU seja rejeitado, ele respondeu que sim. “Por mais que estejamos fazendo um trabalho fenomenal, quando o Congresso começa a fazer coisas estúpidas, isso prejudica você”, lamentou Milei.

Para reforçar a pressão, ele jogou a responsabilidade para a oposição no Congresso. “Que fique claro que eles são responsáveis, fiz o que tinha que fazer: enviei o programa de ajustamento, um programa de choque muito ortodoxo", disse.

"Imperador Milei"

A oposição moderada no Congresso, que está disposta a dialogar com o governo, reagiu com irritação, mesmo porque o partido de Milei, o Liberdade Avança, dispõe de apenas 38 das 257 cadeiras da Câmara dos Deputados.

Políticos e analistas já vinham advertindo que Milei precisa descer do palanque para começar a governar, o que inclui diálogo com o Legislativo e os governadores estaduais, que têm grande influência nas bancadas regionais no Congresso.

Deputados reclamam da extensão dos dois pacotes e dos superpoderes que concedem a Milei, como a Lei Ônibus, um projeto de lei denominado Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos, que prevê a decretação de emergência pública até dezembro de 2025.

“O bullying faz parte do governo, mas há coisas que não fazem sentido”, advertiu ao jornal Clarín um deputado do Proposta Republicana, partido moderado ligado ao ex-prefeito de Buenos Aires Horacio Rodríguez Larreta. “Não vamos declarar Milei imperador nos próximos quatro anos”, acrescentou.

A deputada Margarita Stolbizer, líder de um pequeno partido de oposição, o GERE, também se mostrou decepcionada com a estratégia do governo. “Um governo que enfrenta uma crise econômica e social não pode enviar um projeto de mais de 600 artigos, sem priorização”, disse.

Como tem ocorrido desde a posse, coube ao presidente da Câmara dos Deputados, Martín Menem, do mesmo partido de Milei, amenizar as declarações agressivas do presidente argentino.

“O ‘não há nada a negociar’ é que o norte das propostas não se negocia, não se negociam ideias, mas aceitam-se sugestões para melhorá-las”, disse Menem nesta segunda-feira, 8 de janeiro, acrescentando ter recebido “sugestões muito valiosas" da oposição.

A discussão sobre os dois pacotes na Câmara dos Deputados terá início na terça-feira, nas comissões de Legislação Geral, Orçamento e Assuntos Constitucionais. O objetivo do governo é levar as duas propostas a votação até dia 24, quando haverá uma greve convocada por vários sindicatos contra os pacotes.

Novas medidas

Em outra frente, o governo Milei segue anunciando medidas para reverter a crise econômica gravíssima enfrentada pelo país.

Na sexta-feira, 5 de janeiro, o ministro da Economia, Luis Caputo, e o secretário das Finanças, Pablo Quirno, apresentaram uma proposta aos representantes de bancos locais e estrangeiros que operam na Argentina sugerindo a conversão da dívida interna em pesos, no valor de mais de US$ 71 bilhões.

A intenção é emitir novos títulos em pesos a partir de fevereiro para trocar pelos vencimentos de 2024, o que poderia resultar na maior rolagem da dívida interna da história do país.

A troca de dívida seria voluntária, com os títulos adaptados às necessidades dos bancos. Como alternativa possível ao swap, a proposta inclui a emissão de obrigações indexadas à inflação com vencimento em 2025, 2026 e 2027, a preços de mercado.

Apesar da proatividade do novo governo, a economia segue em trajetória de queda. A expectativa é que a inflação de dezembro, a ser anunciada na quinta-feira, se aproxime da taxa de 30% ao mês.

O governo vem liberando os preços de vários produtos. Gás de cozinha, produtos farmacêuticos e café moído tiveram preços reajustados em 100% na semana passada

Desde a posse, o governo desvalorizou o peso em 50% e cortou subsídios de tarifas de transportes e da gasolina (que já  acumula 90% de reajuste no mês).

No front externo, Milei enfrenta um teste crítico: cumprir o prazo para saldar os US$ 16 bilhões que o governo argentino deve a ex-acionistas privados da estatal de energia YPF, reestatizada pelo governo peronista em 2012.

Enquanto o governo argentino aguarda recurso no Tribunal de Apelações do 2º Circuito de Nova York, a juíza Loretta Preska ordenou o depósito de ativos no valor de cerca de US$ 5 bilhões como garantia até 10 de janeiro.

Apesar de Milei ter repetidamente enfatizado a “disposição para pagar” do país em relação a seus compromissos externos, o governo argentino não deve cumprir o pagamento no prazo por falta de fundos.