O ano de 2024 começou com uma boa notícia para a indústria automobilística nacional. Por meio de uma Medida Provisória assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 30 de dezembro, o governo federal criou o programa nacional de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que substitui o extinto Rota 2030, que perdeu a validade ao final de 2023.
O programa prevê mais de R$ 19 bilhões em incentivos fiscais para as montadoras até 2028 para a produção de veículos menos poluentes, como elétricos e híbridos, e estabelece novos limites mínimos de reciclagem na fabricação desses veículos. O objetivo é reduzir em 50% as emissões de carbono até 2030.
O vice-presidente Geraldo Alckmin, que é ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e fez o anúncio no sábado, 30 de dezembro, disse que o programa será custeado com o aumento do imposto de importação de veículos elétricos (para 10%) e de painéis solares (10,8%).
A MP 1.205/2023, com as regras do Mover, já está em vigor, mas terá de ser aprovada pelo Congresso Nacional em até 120 dias.
“Num momento de grandes mudanças para a indústria automotiva como um todo, o programa Mover traz uma visão de longo prazo importante, que vai direcionar os investimentos para o mercado de veículos eletrificados”, afirma Milad Kalume, analista da consultoria Jato Dynamics, especializada na indústria automotiva.
Os R$ 19 bilhões de renúncias fiscais foram distribuídos em cotas anuais com valores entre R$ 3,5 bilhões e R$ 4,1 bilhões – mais que o dobro do incentivo médio anual do Rota 2030 até 2022, que foi de R$ 1,7 bilhão.
Na prática, o Mover amplia as exigências de sustentabilidade da frota automotiva em relação ao Rota 2030, mas representa um corte de R$ 3 milhões em impostos para o setor automotivo – o que já havia sido definido em novembro.
Uma das novidades do novo programa é a forma da medição das emissões de carbono. Ela passa a ser feita "do poço à roda", ou seja, considerando todo o ciclo da fonte de energia usada.
“O Brasil passa a ser pioneiro na medição de emissão, não só no que sai do escapamento, como a maioria dos países faz, mas considerando todo o ciclo de energia utilizado”, destaca Kalume.
No caso do etanol, por exemplo, as emissões serão medidas desde a plantação da cana até a queima do combustível no motor, passando pela colheita, pelo processamento e pelo transporte, entre outras etapas.
Essa medição favorece os motores flex nacionais, que usam etanol, mas não ajuda os elétricos, que emitem mais carbono durante a fabricação, especialmente das baterias.
O Mover também obrigará as montadoras a usarem material reciclado na fabricação dos veículos. O índice mínimo, a ser definido, deverá ficar acima de 50%.
IPI Verde
O programa Mover inclui outras novidades em relação ao Rota 2030. Uma delas é a criação de um “IPI Verde” – uma variação do Imposto sobre Produtos Industrializados.
Ele prevê a implementação de um sistema de recompensa ou penalização na cobrança do IPI, tendo por base indicadores “verdes”, entre eles, a fonte de energia para propulsão, o consumo energético, a potência do motor e a reciclabilidade.
O “IPI Verde” não envolve renúncia fiscal, mas impõe diferentes alíquotas que ainda serão definidas por meio de decreto presidencial.
“A mudança de cálculo do IPI faz parte de uma lógica aceitável, pois penaliza quem polui mais”, observa o consultor da Jato Dynamics.
Houve também mudanças referentes aos incentivos fiscais que eram dados aos investimentos das empresas do setor automotivo em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).
Pelo novo programa, as empresas precisam investir de 0,3% a 0,6% da receita em P&D. Mas, para cada real investido, o valor com direito a créditos financeiros foi ampliado para a faixa entre R$ 0,50 e R$ 3,20, contra os R$ 0,12 abatidos pelo programa Rota 2030.
A MP também determina a criação do FNDIT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico). Gerenciado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o FNDT deverá alavancar investimentos entre R$ 300 milhões e R$ 500 milhões por ano.
“Considero a criação desse fundo salutar, pois vai produzir uma reserva maior que o Inovar para ser aplicada no mercado brasileiro”, diz Kalume.
Taxação e contrassenso
A taxação para a importação dos paneis solares foi incluída na MP sob a justificativa que já existe produção similar no Brasil, tanto para os módulos montados quanto para os aerogeradores.
Módulos fotovoltaicos montados e as turbinas eólicas de até 7,5 MW passaram a pagar tarifa de importação de 10,8% a partir de segunda-feira, 1º de janeiro.
Por outro lado, pelo menos R$ 600 milhões da primeira cota anual de R$ 3,5 bilhões em incentivos fiscais serão bancados pelo aumento do imposto de importação de carros elétricos, que terão alíquotas reajustadas de forma gradual até 2026.
As novas alíquotas serão divididas entre veículos híbridos, que mesclam a tecnologia dos elétricos com a dos motores a combustão; os híbridos plug-in (que podem ser recarregados, mas mantêm características de motores a gasolina); e os 100% elétricos, que rodam a partir de uma carga externa, armazenada em bateria.
Kalume, porém, faz críticas a esse imposto. “Sob a justificativa de desenvolvimento de nossa indústria, aumentar os impostos dos veículos elétricos e eletrificados importados em meio a tantos incentivos à indústria nacional não deixa de ser um contrassenso”, diz.
Segundo ele, é pouco provável que a indústria nacional vá desenvolver motores elétricos e híbridos em grande escala no mercado brasileiro no curto prazo.
“Os veículos elétricos puros ainda estão muito restritos a nichos do mercado automotivo, já os híbridos podem até ampliar sua participação, mas também com restrição e apenas a partir de 2027”, conclui Kalume.