Nunca aposte contra a América é uma frase bastante conhecida de Warren Buffett. Historicamente, ela é verdadeira. Em 47 anos de 58 anos de história o S&P 500 teve performance positiva. Mas neste início de ano a dinâmica tem sido completamente oposta à que os investidores se acostumaram nos últimos anos.

Os principais índices de ações dos Estados Unidos, que vinham superando com folga as bolsas globais desde a pandemia, estão entre as maiores quedas do mundo, enquanto o dólar perde força frente às moedas desenvolvidas e emergentes, como o real.

O movimento contraria a tese consensual do fim do ano passado, quando a maior parte do mercado apostava que o retorno de Donald Trump à Casa Branca fortaleceria as ações americanas e impulsionaria o dólar.

Desde o começo do ano, o índice Nasdaq acumula queda de 8,33% e o S&P 500 recua 3,83%, enquanto bolsas que ficaram para trás nos últimos anos apresentam ganhos expressivos. Os destaques são Hong Kong, com alta de 20% — impulsionada pela entrada das empresas chinesas na corrida da inteligência artificial — e a Alemanha, que subiu 15% com um robusto pacote fiscal de € 500 bilhões.

O Ibovespa, que fechou 2024 com baixa de 10,4%, já recuperou quase toda a perda, com a entrada líquida de R$ 14,3 bilhões de estrangeiros ante a saída de R$ 24,2 bilhões registrada no ano passado.

“O movimento decorreu de uma reavaliação do excepcionalismo da economia americana, com os investidores reduzindo sua exposição à bolsa dos Estados Unidos, diante da possibilidade de uma desaceleração maior do que a esperada. Vários países estão se beneficiando dessa rotação”, escreveu Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro e economista-chefe do BTG Pactual, em relatório.

Daniel Cunha, estrategista-chefe da BGC Liquidez, atribui a quebra de expectativa à condução “errática” e “imprevisível” da política tarifária pelo governo Trump.

“É a primeira vez que essa tendência está sendo questionada, com o mercado realmente precificando com robustez o dólar e questionando os valuations esticados dessas empresas americanas”, diz ele.

Segundo o estrategista-chefe da BCG, já começam a surgir sinais de desaceleração econômica nos EUA, enquanto a inflação segue cerca de 1 ponto percentual acima da meta de 2% do Federal Reserve (Fed).

Um relatório do Goldman Sachs divulgado nesta semana reforça a virada de sentimento. Segundo pesquisa feita com 150 gestores americanos, as projeções de crescimento para os Estados Unidos caíram 0,6 ponto percentual desde o início do governo Trump, enquanto a expectativa para o núcleo do PCE subiu 0,2 ponto percentual. Para 60% dos entrevistados, a política tarifária é o maior risco do ano.

A revisão de expectativas foi seguida nesta semana pelo próprio Fed, que revisou para baixo suas projeções de crescimento e para cima as de inflação. No relatório trimestral, os diretores do banco central americano passaram a prever alta de 1,7% para o PIB em 2025 (ante 2%) e de 1,8% em 2026 (ante 2%). A estimativa para o núcleo do PCE (Personal Consumer Expenditures), referência da meta de inflação, subiu de 2,5% para 2,8% neste ano.

Na última decisão de juros, na quarta-feira, 20 de março, o Fed manteve a taxa de referência entre 4,25% e 4,5%, assim como a projeção de apenas dois cortes de 0,25 ponto percentual em 2025.

“Será muito difícil avaliar precisamente o quanto da inflação vem das tarifas. A inflação de bens aumentou significativamente nos dois primeiros meses do ano. Tentar rastrear isso é um grande desafio. Mas claramente uma boa parte vem das tarifas”, disse Jerome Powell, presidente do Fed, em coletiva de imprensa.

Apesar de os juros americanos continuarem em patamar elevado, a piora na percepção sobre a economia dos EUA também tem pressionado o dólar para baixo. O índice DXY, que mede o desempenho da moeda americana frente a uma cesta de divisas fortes, acumula queda de 4,3%. Frente ao iene e ao euro, a moeda caiu 5,33% e 4,6%, respectivamente — e cerca de 9% frente ao real.

“A percepção de que o crescimento econômico dos Estados Unidos continuará superior ao das demais economias, o chamado excepcionalismo americano, arrefeceu. Essa mudança de cenário levou a um enfraquecimento do dólar”, afirma relatório recente de Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú. O banco, embora siga cauteloso com o fiscal brasileiro, revisou sua projeção para o dólar em 2025 e 2026 de R$ 5,90 para R$ 5,75.

Vitor Cavalieri, head de mercados internacionais da InvestSmart, destaca que a melhora na percepção do mercado em relação a outras regiões, como Europa e Ásia, tem influenciado a piora nos preços de ativos americanos. Para ele, as incertezas adicionais provocadas pelo governo Trump estão no centro dessa mudança.

“O tarifaço não ficou claro, o que aumentou muito a imprevisibilidade. Isso está motivando esse movimento de rotação nos mercados para lugares mais previsíveis. Na Europa, por exemplo, parece claro o controle inflacionário e a volta da taxa de juros para 2%”, afirma o especialista.

Um trimestre ou um ano?

A dúvida que fica para o restante do ano é se o movimento do primeiro trimestre foi apenas uma correção técnica, após anos de forte valorização do dólar e das bolsas americanas, ou o início de uma tendência.

“Podemos estar só iniciando um período um pouco mais turbulento para a bolsa americana e de recuperação no valor das divisas globais em relação ao dólar. Acredito que este seja o cenário”, diz Cunha, da BCG.

Leonardo Otero, sócio-fundador da Arbor Capital, tem visão oposta. Para ele, o movimento atual é apenas uma correção natural. A base do excepcionalismo americano é que o país atrai os melhores talentos, tem a melhor tecnologia, as melhores universidades e as melhores empresas. Seria impossível isso mudar em dois meses. E uma correção de 10% não coloca em xeque o excepcionalismo americano.

Na visão de Otero, a tese de que o excepcionalismo americano chegou ao fim está sendo guiada apenas pelo preço dos ativos e pelo ruído da política tarifária. “Se olharmos o horizonte de décadas, que é mais ou menos o que fazemos aqui, o horizonte para ações americanas é muito bullish.”

Um dos pontos que ele vê como favoráveis às bolsas dos EUA no longo prazo é o programa de corte de gastos do governo, voltado ao controle do déficit público. Até fevereiro, 2% dos funcionários federais já haviam aderido ao programa de demissão voluntária, e a meta é reduzir entre 5% e 10% do quadro.

“Imagina se entra um governo brasileiro falando que vai reduzir o tamanho do Estado. Seria um sonho para todo investidor no Brasil. Mas estão olhando pela ótica da queda de crescimento, que deve acontecer neste ano, mas para um bem maior no futuro”, diz o sócio da Arbor.