Calvário para o ministro Fernando Haddad, inspiração para memes nas redes sociais e alvo preferencial de críticas no mercado financeiro, a política fiscal será “atropelada” por dois eventos na retomada dos negócios após o feriadão de 4 de julho, sexta-feira, pelo Dia da Independência dos EUA que trava operações no mundo inteiro: a Cúpula do BRICS e o fim da trégua de 90 dias das tarifas recíprocas de Trump.

A “novela” do IOF será retomada nos próximos dias com possível entendimento entre Executivo e Congresso com anuência do Supremo Tribunal Federal (STF). Entretanto, a agenda abrangente, de fato, estará inclinada desde o fim de semana a questões internacionais de viés político-diplomático e econômico – oportunidade para baixar a fervura em Brasília.

Ponto alto na presidência do BRICS delegada ao Brasil em 2025 sob o lema “Fortalecimento da Cooperação Global do Sul para uma Governança Mais Inclusiva e Sustentável”, a Cúpula do BRICS ocorre no domingo e na segunda, 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro. A ausência presencial de Vladimir Putin e Xi Jinping encolhe o encontro, mas sem ofuscar declarações, sobretudo, se focadas no financiamento do regime de mudanças climáticas e governança da IA.

As declarações devem encerrar a cúpula do grupo que se agiganta em número de participantes em defesa de ambiciosos objetivos: uma ordem mundial mais inclusiva, o desenvolvimento sustentável de seus membros, reforma das instituições de governança global, utilização de moedas locais para transações comerciais entre os participantes e um novo sistema de pagamentos.

Concebido em 2001 com Brasil, Rússia, Índia, China, o BRIC agregou a África do Sul em 2011. Virou BRICS. Em 2024 e 2025 ingressaram Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Indonésia, Irã e Etiópia. E, como “parceiros”, Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão.

A ver, se posicionamentos de um elenco tão diverso em origem e interesses vão repercutir para além da diplomacia em contraponto, especialmente, ao G7 que inclui os EUA de Trump e sua política protecionista que poderá (até) ser reforçada após 9 de julho. Fim da trégua sobre a imposição de tarifas comerciais recíprocas.

O day after das tarifas – anunciadas por Trump em 2 de abril, depois suspensas e substituídas pela alíquota universal de 10% – está envolto em expectativa e especulação com desfecho que poderá ser anunciado a conta-gotas.

Trump poderia estender o prazo para as alíquotas iniciais e mais elevadas, mas afirmou que o prazo não será ampliado – a ver se cumpre o dito; poderá ser condescendente com países em negociação; ou optar pela alíquota de 10% para a maioria dos parceiros, exceto China, com quem firmou acordo sobre exportações de terras raras. A dupla tem acerto de contas em agosto.

Brasil “positivo” por juro menor e eleição

As tarifas de Trump “carimbam” o comércio e têm implicações para investimentos, aponta o J.P. Morgan no relatório Emerging Markets Equity Strategy, em que se mostra positivo com emergentes num contexto mais amplo de ações globais.

O J.P. elevou sua projeção para o índice MSCI EM e vê retorno potencial de 16% no ano num cenário de desaceleração da economia americana sem recessão e dólar menos valorizado. Fortalece a visão positiva, a perspectiva de menor incerteza comercial, com os EUA reduzindo tarifas propostas sobre a China de 145% para 41%, manutenção de tarifa mínima de pelo menos 10% aos demais países e imposição de novos aumentos tarifários, porém, setoriais.

Enquanto os EUA devem crescer 1,8% neste ano, os mercados emergentes selecionados pelo J.P. na América Latina, Europa e Ásia devem avançar 3,7% sob impulso da redução das taxas básicas. De 21 mercados monitorados pelo banco, 19 devem cortar juros. As exceções são Índia e República Tcheca.

Caso o capítulo de tarifas fique circunscrito ao primeiro semestre, a incerteza política diminuirá, diz o banco, o que irá colaborar para a recuperação do comércio global e aumento da confiança das empresas e, portanto, dos investimentos.

O relatório aponta as eleições nos mercados emergentes, nos próximos 12 a 18 meses, como fator de mudanças políticas que poderão ser favoráveis aos mercados. Serão emblemáticos os pleitos na América Latina: Congresso na Argentina e eleições presidenciais no Brasil, Chile, Colômbia e Peru.

Entre fatores baixistas para os emergentes em geral estão eventual rigidez da inflação nos EUA com expectativa de alta do juro terminal pelo FED; retorno do Treasury de 10 anos acima de 5%; recrudescimento da política tarifária de Trump e escassez de mão de obra – variáveis que podem levar os EUA à beira de uma recessão.

Para o J.P., a América Latina, exceto o México, segue mais isolada das discussões tarifárias, com atraente precificação de ações e investidores com posicionamento “leve” num cenário macroeconômico, em geral, razoavelmente robusto. E inflação recuando pela valorização das moedas e atividade lenta.

Quanto ao Brasil, observa o banco, apesar da deterioração fiscal, o mercado ignora as preocupações latentes devido à aproximação do ciclo de flexibilização da Selic e das eleições presidenciais.

Entre fatores altistas para os mercados latinos estão o ingresso de investidores estrangeiros, sobretudo, no Brasil e no México; alta das commodities; investimentos em infraestrutura; definição (mais cedo do que o esperado) de candidatos à eleição presidencial no Brasil; e corte de juro ainda neste ano.

Entre fatores baixistas também para latinos estão o excepcionalismo dos EUA com impulso ao dólar; China enfraquecida por desacordo sobre as tarifas; deterioração da política fiscal na América Latina por desaceleração da atividade com depreciação das moedas e saídas de capital; elevação de juros; inflação mais alta; e as eleições seguirem o caminho populista. Recado dado.