Os oito dias de montanha-russa do mercado de ações dos Estados Unidos, reflexo das idas e vindas desde o anúncio da política tarifária do presidente Donald Trump, parecem ter chegado a um limite no grau de exaustão dos investidores na quinta-feira, 10 de abril.

Por trás desse cansaço – refletido em mais um dia de queda no mercado de ações nos EUA, em contraposição às altas verificadas em bolsas asiáticas e da Europa – há um sinal de insatisfação dos operadores detectado desde a véspera, com a queda do dólar e a liquidação de títulos do Tesouro americano, dois portos seguros em momentos de crise.

A leitura, em especial de investidores estrangeiros, é a de que Trump, com sua política errática de tarifas, está tornando os EUA menos previsíveis e mais inseguros. Se o dólar e os títulos seguirem essa trajetória de queda, o temor é que, no pior cenário, a guerra comercial global se transforme numa crise financeira nos EUA.

As ações começaram a cair nos EUA nesta quinta já no pré-mercado e mergulharam no vermelho ainda mais no final da manhã, depois que a Casa Branca anunciou que as tarifas impostas à China por Trump somam 145%, e não os 125% indicados anteriormente.

No final do dia, o Nasdaq Composite caiu 4,3%. O Dow Jones Industrial Average recuou 1.200 pontos, ou cerca de 3%, e o S&P 500 fechou em queda de 3,5%. Ações de bancos e empresas de tecnologia também foram duramente atingidas.

O Índice de Volatilidade CBOE, espécie de “indicador do medo” de Wall Street, voltou a subir, embora muito abaixo dos níveis do início desta semana.

Nos mercados de câmbio, o dólar caiu 1,7% em relação a meia dúzia de moedas. O ouro avançou, cerca de 3%, um sinal de crescente ansiedade e a caminho de um novo recorde na base de futuros mais ativos.

Nem mesmo o anúncio no meio da manhã do recuo da inflação americana em março, cujo índice de preços ao consumidor baixou 0,1% no mês – o que não ocorria há cinco anos – tranquilizou os mercados.

A queda foi inesperada: a inflação anual desacelerou acentuadamente, atingindo um aumento de 2,4% no IPC, abaixo da alta de 2,6% estimada pelos economistas. Mas não chegou a animar os especialistas.

“Os dados da inflação são de março, o que é retrospectivo e não diz muito ao mercado sobre como as tarifas recentes, embora muitas delas estejam suspensas, estão afetando os preços ao consumidor”, disse Skyler Weinand, diretor de investimentos da Regan Capital.

Quarta insana

Uma série de fatores decorrentes do tarifaço sustenta esse clima de insegurança. Entre eles, a ameaça de recessão detectada esta semana por bancos e gestoras, algo impensável antes do tarifaço numa economia que vinha num ritmo de crescimento robusto – com avanço do PIB nos EUA de 2,8% em 2023 e 2,7% em 2024.

O fato de o pré-mercado de ações dos EUA iniciar o dia em baixa após a breve e espetacular recuperação na véspera – reflexo de um dos dias mais insanos da história recente das bolsas americanas -, reforça esse sentimento de insegurança.

A quarta-feira, 9, marcou a entrada em vigor das novas tarifas abrangentes dos EUA contra a China, então em 104%. Os mercados abriram em baixa e a tensão aumentou em Wall Street no meio do dia, quando o governo chinês anunciou uma retaliação, elevando as taxas sobre as importações dos EUA de 34% para 84%, com entrada em vigor para o dia seguinte.

Trump, porém, reagiu imediatamente com outra bomba: suspensão, por 90 dias, das sobretaxas impostas a todos os países, para um piso de 10%, com exceção da China – que teve sua taxação aumentada para 127%.

Os mercados reagiram imediatamente, saindo do inferno ao paraíso. O Dow Jones subiu quase 3.000 pontos, e o Nasdaq Composite avançou 12%, registrando seu melhor dia desde 2001 e a segunda maior alta de todos os tempos. O S&P 500 não ficou atrás, comemorando seu melhor desempenho diário desde 2008.

O sobe e desce recorde num mesmo dia, porém, contribuiu para que os investidores do mercado de ações dos EUA, recém-saído do seu terceiro melhor dia na história moderna, acordassem de ressaca e com várias dúvidas na quinta-feira, 10.

Uma delas é como absorver a exportação de produtos com tarifas remotamente próximas a 125% - depois ampliadas para 147% - contra um dos principais parceiros comerciais dos EUA.

Os kits de modelagem econômica padrão dos investidores não foram feitos para um mundo de sobretaxas dessa magnitude ou de tarifas globais que permanecem em vigor por apenas 13 horas antes de serem suspensas.

Isso torna as previsões econômicas ainda menos previsíveis do que normalmente são, o que explica o pessimismo reinante. Nos sete dias que separaram o anúncio do tarifaço até a recuperação da quarta à tarde, o S&P 500 caiu 19% e o Índice Dólar do The Wall Street Journal, 4,5%.

O bilionário Mark Cubano foi um dos que não comemoraram a suspensão das tarifas recíprocas de Trump por 90 dias.

"O que algumas pessoas não estão levando em conta em suas análises é a realidade de que as empresas estavam comprando toneladas de estoque para evitar as tarifas”, afirmou Cubano “Isso significa que perderam dinheiro para investir ou contratar e, como resultado, pode haver cortes de empregos.”

É fato que a liquidação dos títulos do Tesouro na manhã de quarta - antes do anúncio de Trump de suspender as tarifas recíprocas por 90 dias - também atendia a motivos pontuais: o leilões governamentais dos títulos de 10 anos até o final do dia, e de títulos de 30 anos, agendados para esta quinta-feira. Mas a ocasião ajudou a afundar o ativo.

O rendimento dos Tresuries de 10 anos, uma referência global para custos de empréstimos, subiu na quarta-feira para 4,47% - um salto em relação ao rendimento de menos de 3,9% na segunda-feira, 7 de abril. Os rendimentos dos títulos se movem inversamente aos preços.

Voto de confiança

Embora o rendimento do título de 10 anos tenha recuado para de 4,3% na manhã de quinta-feira, isso não significa exatamente um voto de confiança.

“Os títulos estão sinalizando que a pausa das tarifas recíprocas é significativa, mas não houve muitas mudanças fundamentais”, disseram analistas do ING em nota aos investidores na quinta-feira. “Os mercados não esquecerão facilmente esses episódios com grandes oscilações.”

Desde 19 de fevereiro, os rendimentos dos títulos do Tesouro americano caíram um pouco, mas desde 2 de abril subiram cerca de 0,25 ponto percentual. Esse comportamento, de acordo com analistas, é incomum. Nos sete episódios anteriores, quando o S&P 500 caiu tanto ou mais, o dólar subiu.

Também é discutido entre os investidores que as políticas de Trump adicionaram um fator a mais para a queda do dólar e essa liquidação de títulos do Tesouro. Elas sugerem que os EUA desempenharão um papel menos central no comércio global, tornando o dólar menos importante para o faturamento de exportações e importações.

Com isso, a comunidade financeira global e os gestores de reservas dos bancos centrais estão um pouco mais hesitantes em aumentar a exposição ao Tesouro - se o déficit comercial cair, os EUA não precisarão vender tantos ativos para estrangeiros para financiar esse déficit.

Por outro lado, a China vem acumulando títulos do Tesouro dos EUA nas últimas décadas. Em dezembro de 2024, o país asiático possuía US$ 759 bilhões em Treasures (títulos emitidos pelo governo federal), que é a principal forma de dívida dos EUA.

Embora não exista evidências, nada impede que a China possa retaliar contra as tarifas de Trump vendendo parte de seus títulos. Essa possibilidade expõe os riscos de que uma guerra comercial se transforme numa crise financeira para os EUA.

Mas, no curto prazo, outro efeito é o mais provável. O dano econômico causado pelo tarifaço de Trump já foi feito e muitos afirmam que ainda há um risco elevado de recessão nos EUA e no mundo.

O fato de as ações ainda estarem bem abaixo de onde estavam antes de Trump anunciar suas tarifas do "Dia da Libertação" na semana passada, e o alto grau de incerteza sobre a política comercial americana já são suficientes para afundar a economia.

“Minha percepção é que a economia dos EUA ainda corre o risco de entrar em recessão, dado o nível de choques simultâneos que absorve”, disse Joe Brusuelas, economista-chefe da consultoria RSM.