A esperada consolidação do Centrão no comando do Congresso; o Orçamento de 2025 como prioridade; o destaque ao compromisso fiscal e à meta de inflação dado pelo presidente Lula em mensagem na abertura dos trabalhos legislativos; e o desmonte de posições defensivas no mercado financeiro no exterior e no Brasil amansaram investidores, desidrataram o câmbio e ampliaram a atenção às decisões de Donald Trump.
A aplicação de tarifas comerciais pelo governo norte-americano ao México, Canadá e China, seguida de suspensão dos atos contra os dois primeiros por trinta dias e retaliação da China – que deu o troco e sobretaxou os importados dos EUA em até 15% – dominaram a primeira semana de fevereiro com o dólar forte, porém estável no exterior, mas enfraquecido no Brasil.
Após uma sequência histórica de baixa, por aqui o dólar distanciou-se de R$ 6,00. Porém, Trump não autoriza cochilo. Ao contrário, recomenda estado de alerta, dada a relevância do câmbio para a formação de preços globais e locais de ativos, mercadorias e expectativas como destacou a ata do Copom, divulgada na terça, 4 de fevereiro – a primeira assinada por Gabriel Galípolo.
Na semana de fechamento da segunda quinzena, além de dados locais de serviços e varejo em dezembro e 2024, o resultado do IPCA de janeiro, que sai na terça-feira, 11, é ponto de atenção, assim como o Índice de Preços ao Consumidor nos EUA na quarta-feira, 12.
A inflação oficial no Brasil deverá reprisar a trajetória do IPCA-15 que desacelerou na abertura do ano. Em 12 meses, o índice cravou 4,50%. Teto da margem de tolerância no regime de metas que será rompido até junho como já atestaram analistas e (acertadamente) o Copom na ata em que apontou (acertadamente, de novo) a relevância da sustentabilidade da dívida para os agentes financeiros.
O especialista em preços e cadeias produtivas Fabio Silveira, sócio-diretor da MacroSector Consultores, estima inflação média de 0,45% ao mês no primeiro trimestre.
“O IPCA-15 não teve variação negativa como esperado, mas teve um avanço menor graças ao bônus de Itaipu que barateou a energia elétrica. Houve, portanto, uma ‘interferência institucional’. Mas o dólar subiu muito em 2024 e segue contaminando os preços”, afirma ao NeoFeed o economista que vê o câmbio como a principal variável a pressionar a inflação.
“Fechamos 2024 com dólar a R$ 6,19, em alta superior a 27%. A taxa caiu abaixo de R$ 5,80 nos últimos dias, mas estamos vivendo um período turbulento pelo caráter volátil de decisões econômicas que envolvem os EUA, grandes economias e o Brasil. Não sabemos quais tarifas serão adotadas. Mas o cenário será mais protecionista. E, em breve, teremos mais inflação.”
Safra histórica já precificada
Para o especialista da MacroSector, que prevê IPCA de 5% em 2025 e dólar médio de R$ 6,10, o câmbio terá impacto menor no segundo semestre, em função de um cenário externo mais claro quanto às tarifas comerciais e resultados fiscais estáveis no Brasil.
Silveira entende que é a boa notícia do lado fiscal que irá ajudar a inflação a convergir para a meta. “Estará mais próxima do teto de 4,50%, mas distante do centro, de 3%”, observa o economista para quem é a política fiscal a variável que diminuirá a pressão do câmbio, possivelmente, na passagem do segundo para o terceiro trimestre. “Mas o dólar não deverá cair muito, devido à guerra comercial que deverá avançar entre grandes economias e respingar nas emergentes”, diz.
Quanto à urgência na redução dos preços dos alimentos, que se transformaram em pedra no sapato do presidente Lula afetando sua popularidade e a do governo – cenário que ele tenta reverter com visitas e entrega de obras em diversos estados –, Silveira afirma ser um equívoco considerar que a safra histórica de grãos esperada para este ano – 322,4 milhões de toneladas – reduzirá os preços dos alimentos ao consumidor.
Ele alerta que a supersafra brasileira já está precificada no mercado internacional – nos grandes centros de negociação de commodities em Chicago e Nova York. “Esses mercados já sabem quanto o Brasil vai produzir e exportar. Portanto, os preços já estão embutidos nos mercados futuros. Eles podem mudar, claro, se ocorrerem eventos inesperados, por exemplo, em função de anomalias climáticas. Mas, anomalias não são cenário-base.”
Quanto ao câmbio, Silveira observa que a taxa bate primeiro em cadeias curtas de produção de alimentos (que chegam à mesa dos brasileiros) e também ao sabor da elevação de preços de produtos negociados internacionalmente. Ele lembra que foram esses preços os que mais pesaram recentemente.
“De todo modo, os índices ao consumidor continuarão sofrendo pressão altista no primeiro quadrimestre de 2025 e não apenas por produtos agrícolas. Outros itens seguirão a tendência: carnes, em boa medida, pela força do dólar; transportes, principalmente, pela defasagem entre preços de combustíveis nas refinarias brasileiras e preços internacionais; vestuário também exposto à forte pressão cambial do último trimestre; planos de saúde, pela indexação de contratos; e serviços pessoais.”
Silveira acrescenta que a alta persistente do dólar atingiu insumos que foram importados entre R$ 6,00 e R$ 6,20 e serão utilizados na produção neste início de ano. “O Índice de Preços ao Produtor (IPP) subiu 9,42% em 2024 sob forte influência de produtos dolarizados. E alguém vai pagar essa conta, seja a indústria ou o comércio, uma vez que não dá para passar tudo ao consumidor.”
Questionado sobre um dólar ideal para conter a pressão inflacionária, o economista lembra que “câmbio de equilíbrio” é um conceito teórico, de difícil mensuração. “Além disso”, questiona, “como estimar a taxa ideal num cenário de tamanha incerteza global?”
E mais: “Se já é difícil falar da relação entre dólar e euro ou entre dólar e moedas estáveis, quanto mais em equilíbrio entre dólar e real – uma moeda fraca que, para ficar em equilíbrio, precisa de uma taxa de juro estratosférica. Caso contrário, cai. E com imensa repercussão.”