No mercado financeiro não há cheque em branco. Na incerteza quanto ao balanço de riscos, a prática rotineira para conter ou evitar prejuízos é adicionar prêmios na precificação dos ativos.
Foi exatamente isso o que aconteceu em reação à artilharia disparada pelo presidente Lula que atingiu em cheio a política fiscal do governo e escancarou divergências entre as alas política e econômica no entorno do Palácio do Planalto.
Ao rifar o déficit zero programado para 2024 e expor – em café da manhã com jornalistas na sexta, 27 de outubro – a intenção de não contingenciar gastos e avaliar que déficit de 0,25% ou 0,50% do PIB é “nada”, o presidente acionou uma correção de preços e desgastou o ministro da Fazenda.
A correção foi sustada. O desgaste de Fernando Haddad será mensurado na terça-feira, 7 de novembro, quando a Comissão Mista de Orçamento (CMO) pretende se reunir para votar o parecer preliminar da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que prevê déficit zero em 2024 e a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado colocar em votação a Reforma Tributária.
Na esteira das declarações de Lula, dólar e juros subiram forte. O Ibovespa caiu e ganhou volatilidade. A tensão cresceu. Entretanto, não houve estrago capaz de desorientar investidores que confirmaram, na quarta-feira, 1º de novembro, expectativas que, se frustradas, poderiam efetivamente interferir nos negócios: o corte da Selic e a manutenção do juro básico pelo Federal Reserve.
O mercado relativizou aos poucos as declarações do presidente e monitora a marcação do governo sobre o Congresso para apressar votações de medidas que garantam expansão de receitas.
Resultado: na quarta-feira, véspera de feriado, os preços dos ativos retornaram a níveis muito próximos aos observados antes da fala de Lula que expôs com clareza inequívoca sua contrariedade com os objetivos da equipe econômica.
A acomodação dos ativos é saldo positivo para a semana curta e conturbada, mas insuficiente para anular o “modo sobreaviso” em que o mercado foi instalado pelo risco de o presidente transferir para Haddad críticas semelhantes às desferidas a Roberto Campos Neto, desde o início do governo, pelo juro alto. E fragilizando ainda mais o ministro.
Nesses 10 meses, Fazenda e Planejamento foram poupados. Contou a favor da equipe, a entusiasmada acolhida do discurso de Haddad junto à Faria Lima. Mas esse apoio contribuiu para ofuscar a discrepância entre as metas fiscais e projeções do mercado compiladas semanalmente pelo BC.
A equipe econômica cravou para as contas públicas déficit primário de 0,50% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023; equilíbrio ou déficit zero em 2024; superávit de 0,50% do PIB em 2025; e superávit de 1% do PIB em 2026.
Mercado aceitou, mas não “comprou”
O mercado aceitou as metas programadas, fortaleceu o ministro, aplacou o discurso duro do PT, mas não “comprou” as projeções. Tanto que, desde o início do ano, os prognósticos para os resultados fiscais de 2023 a 2026 sequer se aproximaram do oficialmente pretendido.
Na compilação mês a mês da pesquisa Focus, o déficit primário esperado para 2023 ficou abaixo de 1% do PIB apenas uma vez.
Para 2024, o déficit projetado recuou de 1% na pesquisa de janeiro para 0,80% do PIB durante meses, até declinar a 0,77% do PIB em 27 de outubro – última edição. O déficit para 2025 é estimado em 0,55% e para 2026 em 0,45% do PIB. Não há, por ora, superávit primário projetado para o terceiro mandato de Lula.
É fato que a perspectiva de não atingimento da meta não agrada, mas tampouco surpreende. Entretanto, as declarações de Lula tiveram outro efeito. Levantaram preocupações e riscos de mais atraso em votações por disputas políticas, enfraquecimento do poder de negociação de Haddad junto ao Congresso e inquietação quanto à condução da política econômica em 2024 que bate à porta.
O episódio da “inviável” meta zero na versão presidencial incentiva o mercado a desarquivar a percepção de que o governo poderá recorrer a medidas populistas para driblar o arrefecimento da atividade, dado como certo em 2024, e preservar sua popularidade.
A reunião de Lula com os presidentes do BNDES, Banco do Brasil, Caixa, Banco do Nordeste, Banco da Amazônia e os ministros da Indústria, Comércio e Serviços, Fazenda e Casa Civil, na quarta-feira, 1º de novembro, disparou o sinal amarelo porque é conhecido o potente impulso que as instituições oficiais podem dar à atividade – algo visto nos primeiros mandatos de Lula.
Mobilização de bancos públicos e expansão fiscal – combinação que pode minar esforços do BC para levar a inflação à meta – podem alterar expectativas quanto ao crescimento em 2024 que coleciona precedentes duvidosos, como sugere o desempenho negativo de indicadores de confiança compilados pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Todos os índices caíram em outubro. Adentraram fragilizadas no quarto trimestre a confiança do consumidor, a confiança empresarial, a confiança na indústria, no comércio, na construção e em serviços. Aguardar consistente reversão neste momento sem um empurrão do governo é contar com a sorte.