A escalada recente do dólar e da aversão ao risco no Brasil recomendam ao presidente Lula “virar o disco". A torcida é grande para que as críticas ao presidente do Banco Central, à autonomia da instituição e à taxa de juro sejam efetivamente rebaixadas à segunda divisão. E a abertura do semestre favorece a guinada. Mas Lula vai aproveitar a oportunidade?
Ele demonstrou que é possível. Após quinze dias atirando contra o BC, ao custo da alta frenética do dólar e dos juros, na quarta-feira, 3 de julho, dia em que se encontrou com o ministro Fernando Haddad pela manhã e ministros que compõem a Junta Orçamentária no início da noite, o presidente segurou o verbo. Saldo da sessão: dólar e juros em forte queda.
A disposição de Lula de preservar o arcabouço fiscal “a todo custo”, transmitida por Haddad à imprensa, e o anúncio de corte de R$ 25,9 bilhões em despesas com benefícios sociais em 2025 desinflaram ainda mais moeda na quinta-feira, 4 de julho.
Comportamento favorecido pelo Dia da Independência nos EUA e o fechamento de mercados que influenciam as operações por aqui.
Nos próximos dias, Lula cumpre agenda fora do Brasil e, nas semanas seguintes, deverá estar ainda mais engajado no processo das eleições municipais de outubro – antessala das eleições para as presidências da Câmara e do Senado no início de 2025 e da sucessão presidencial em 2026.
Na segunda, 8 de julho, Lula comparece à Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul. Em Porto de Assunção, ele se encontrará com os presidentes do Paraguai e do Uruguai. A Argentina, país membro do bloco, será representada pela chanceler Diana Mondino.
Javier Milei não irá à Cúpula. Deverá participar de evento em Santa Catarina, Brasil. E, segundo a imprensa portenha, poderá se encontrar com o ex-presidente Jair Bolsonaro. Na terça, Lula estará na Bolívia, e deverá se reunir com o presidente Luis Arce e empresários. Pretende “fortalecer a democracia” recém-testada no país vizinho e firmar acordos bilaterais.
Portanto, não faltarão temas de relevância regional para considerações de Lula de forma a ampliar a trégua ao BC e à taxa de juros. Mas é improvável que essa trégua altere a opinião do presidente sobre a política monetária.
Lula afirma e reafirma que os juros não deveriam estar no nível em que estão. E “onde não estarão” quando ele indicar o sucessor à presidência do BC. Uma sinalização que, a priori, dificultará a futura gestão a ser liderada, provavelmente, por Gabriel Galípolo.
O período de férias de Roberto Campos Neto – por duas semanas e que replica o período de descanso do ano passado – será um teste para Galípolo que acumulará a diretoria de Política Monetária com a presidência da autarquia. Dias de tranquilidade estão a caminho. Mas, sobretudo, pela expectativa de que haverá um contingenciamento de gastos neste ano. “O necessário para o alcance da meta fiscal”, como afiança Haddad.
Modo “pagar para ver”
A determinação do ministro e de seu prestígio junto ao chefe estarão sob escrutínio dos agentes econômicos em 22 de julho, quando o Planejamento divulgará o 3º Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas.
Até lá, o mercado estará no modo já acionado de “pagar para ver”, inclusive, porque outro ponto de tensão se avizinha. Uma semana após a divulgação do Relatório de Receitas e Despesas, o Copom se reúne. Em 30 e 31 de julho, o colegiado tem o primeiro encontro após a decisão unânime de manter a Selic em 10,50% e que fortaleceu as críticas de Lula.
Além do Mercosul, o recesso parlamentar de 18 a 31 de julho e o início das convenções partidárias para as eleições municipais em 20 de julho abrem outra janela de oportunidade para que o presidente mude o discurso. Não é certo, porém, que ele tomará essa iniciativa, avalia o cientista político e professor do Insper, Leandro Consentino, em conversa com o NeoFeed.
“Ainda que tenha mudado o tom e o foco de suas declarações na quarta-feira em eventos do Plano Safra, provavelmente o presidente retomará o discurso contra a taxa de juro porque é uma estratégia”, avalia o professor.
“A questão econômica bate à porta. O aumento de preços dos combustíveis, que deve vir ao do tempo, da energia elétrica e alimentos fala ao cidadão. E nesse cenário é improvável que o presidente redirecione consistentemente o discurso”, afirma Consentino que duvida também que o presidente tenha “vontade de mudar de assunto”, afastando-se das críticas sobretudo ao BC.
O professor do Insper entende que Lula está utilizando o discurso contra o BC como um “ativo”. “Ele escolheu um ‘inimigo’ a quem pode culpar pelo desempenho não tão positivo de alguns setores econômicos indicando, assim, que a culpa por resultados não tão favoráveis, quanto ele mesmo deseja, não é dele. E que o juro deveria estar baixo, ajudando no crescimento da atividade.”
E por saber que a economia não vai decolar de uma hora para outra, o presidente deverá insistir nas críticas à política monetária até por uma narrativa que chancelará sua atuação nas eleições municipais, afirma Consentino. “A importância do pleito é enorme. Um dos maiores processos eleitorais do mundo e num momento em que a democracia, lamentavelmente, não está em alta.”
O professor observa que em política tudo é um cálculo. Experiente, Lula sabe disso. “E se repetiu críticas ao BC diariamente está claro que não cometeu um ato falho. É uma estratégia política que carrega, inclusive, uma mensagem ao sucessor de Campos Neto. Hoje, Gabriel Galípolo, pela bolsa de apostas”.
Mantendo essa postura, acrescenta o cientista político, o presidente está dizendo que não vai tolerar no comando do BC alguém que escreva fora de sua cartilha. “E, dessa forma, está criando um problema para o futuro presidente do BC, para o país e, portanto, para si próprio.”