A indústria cinematográfica brasileira vive um momento de retomada. Ao longo dos anos, tem aumentado o número de amantes da sétima arte que vêm gastando mais com pipoca para passar algumas horas nas salas de cinema do País.

Dados do Painel Indicadores do Mercado de Exibição, da Agência Nacional do Cinema (Ancine), mostram que, em 2024, as salas arrecadaram R$ 2,5 bilhões em bilheteria, para um público de 125,2 milhões de espectadores. O volume arrecadado é 10% acima do que entrou nas bilheterias em 2023 (R$ 2,2 bilhões).

O clima de Copa do Mundo provocado pelas três indicações do filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, ao Oscar 2025, (melhor filme, melhor filme internacional e melhor atriz para Fernanda Torres), representa a cereja desse bolo, que tem potencial, na avaliação de especialistas, para crescer ainda mais. A cerimônia de premiação será em 2 de março.

É bem verdade que, do volume total arrecadado nos cinemas no ano passado, a ampla maioria ainda foi direcionada aos grandes filmes produzidos em Hollywood. As obras nacionais renderam R$ 251,9 milhões, o que corresponde a 10,11% da bilheteria dos cinemas brasileiros. Pode parecer pouco, mas esse índice vem subindo. Em 2023, esse percentual foi de apenas 3%.

Em público, o crescimento de um ano para outro foi de 9 milhões de espectadores. No ano passado, 12,6 milhões de pessoas foram às salas assistir às obras brasileiras, contra 3,7 milhões em 2023.

Nos primeiros 15 dias de 2025, ainda segundo o painel da Ancine, 2,3 milhões de pessoas foram assistir a filmes nacionais (alta de 75% sobre o mesmo período de 2024). A procura resultou em uma bilheteria de R$ 49,9 milhões, valor 89,6% acima do que havia sido arrecadado nas duas primeiras semanas de 2023.

A exemplo do que ocorreu com o filme protagonizado por Fernanda Torres logo após sua vitória no Globo de Ouro, no início de janeiro, quando ganhou o troféu de melhor atriz de drama, prêmio inédito para o Brasil, a tendência é de que agora também haja um aumento significativo na procura por filmes em cartaz, em especial para Ainda Estou Aqui.

“Quando há um fato como Oscar ou Globo de Ouro, o filme ganha um grande fôlego extra. A expectativa é de que passe a ser novamente um dos mais vistos do Brasil, como se estivesse em uma segunda semana de exibição”, diz ao NeoFeed Luiz Angi, da Cinépolis Brasil. A rede hoje conta com 410 salas no País. Ao todo o Brasil tem 3.481 salas de cinema.

Desde que estreou no País, em novembro, Ainda Estou Aqui já foi visto por 3,6 milhões de pessoas e arrecadou R$ 73,6 milhões. Atualmente, ocupa a sexta posição entre os filmes mais vistos no Brasil.

Entre os 10 primeiros, três são nacionais: além do filme que trata da história de Eunice Paiva, mulher de Rubens Paiva, morto pela ditadura militar, estão também bem posicionados O Auto da Compadecida 2 (que tem no elenco Selton Mello, que interpretou Paiva) e o infantil Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa.

Nos Estados Unidos, o filme de Walter Salles também é um sucesso. Segundo o portal Screen Daily, a obra arrecadou mais de US$ 125 mil no fim de semana de estreia (que foi na sexta-feira, 17 de janeiro) em Nova York e Los Angeles.

Antes do sucesso de Ainda Estou Aqui, os grandes campeões de audiência no Brasil eram de filmes ligados à comédia, principalmente com a trilogia de Minha Mãe é Uma Peça, de Paulo Gustavo (que morreu de Covid-19 em 2021).

“Havia uma força muito grande nesse estilo. Agora, avançamos no drama, o que coloca o filme nacional em outro patamar. O Oscar pode indicar um marco importante na história do cinema”, afirma Angi, da Cinépolis Brasil.

A questão é saber se não se trata de mais um voo de galinha puxado pelo interesse do filme de Walter Salles. Nas últimas décadas, o cinema brasileiro viveu uma montanha russa, com retrocessos nas políticas de incentivo.

Um dos grandes impactos nas últimas décadas foi a extinção da Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme), em 1990, o que tirou fôlego dos investimentos públicos e privados. Mas a Lei do Audiovisual, implementada três anos depois, contribuiu para incentivar as produções cinematográficas, com políticas de fomento para produção.

Filme dirigido por Walter Salles já levou 3,6 milhões de espectadores aos cinemas

Filme vai concorrer como melhor filme, melhor filme internacional e melhor atriz

Fernanda Torres venceu o prêmio de melhor atriz de drama no Globo de Ouro, no início de janeiro

Para Sabrina Wagon, CEO da Elo Studios, que atua na produção e distribuição de filmes nacionais, o Brasil vive, de fato, um momento muito positivo, como uma espécie de ‘nova retomada’. “Vivemos um início de ano maravilhoso, que é o resultado de uma política pública de alguns anos, a partir da Lei do Audiovisual. Mas a indústria sofreu também por causa da pandemia e da falta de ações do governo anterior”, diz.

Nesse sentido, ela é pragmática e direta ao explicar parte do sucesso de obras nacionais: não se faz bom filme sem dinheiro. Os orçamentos dos filmes que hoje têm boa performance são acima de R$ 15 milhões. “Hoje não há mais filme médio no Brasil. Ou você faz menos de 100 mil espectadores ou figura entre esses que fazem muito.”

Na visão da executiva do audiovisual, é importante descentralizar um pouco mais as políticas de incentivo, para garantir que mais filmes possam romper a bolha dos grandes públicos. “Hoje há menos recursos para filmes que o público também quer ver. Uma pessoa no Norte, no Nordeste, quer assistir um filmão. E por isso é importante garantir acesso.”

Mais horários para filmes nacionais

Um dos caminhos apontados por Sabrina está na nova Lei de Cota de Tela, que entrou em vigor no início deste ano e que garante mais espaço para exibição de filmes nacionais nos cinemas a partir das 17 horas, justamente no período de maior procura do público.

“Seria importante discutir um benefício para o exibidor que põe no ar o filme nacional”, diz a CEO da Elo. “Não dá para cobrar o mesmo ingresso de quem vai ver Moana 2, que custou US$ 150 milhões, versus um que custou R$ 5 milhões.”

A Elo Studios foi a responsável pela distribuição de O Menino e o Mundo, animação brasileira indicada ao Oscar em 2016 (naquele ano, o vencedor foi o blockbuster Divertida Mente, da Pixar). Medida Provisória, filme de Lázaro Ramos e também distribuído pela empresa de Sabrina, foi um dos filmes brasileiros mais vistos em 2022, com mais de 500 mil espectadores. Naquele projeto, houve uma ação para garantir a venda de 20 mil ingressos para empresas, que levaram pessoas de comunidades periféricas para o cinema.

Outro caminho para que o cinema do Brasil cresça está também na rota da internacionalização, vendendo produções para outros países, a exemplo das jornadas como a de Ainda Estou Aqui. “É importante garantir dinheiro de fora entrando no Brasil e levar a imagem do País para o mundo”, analisa Sabrina.

O crítico de cinema Marcio Sallem, votante do Critic Choice Awards, que será em 7 de fevereiro (Ainda Estou Aqui concorre a melhor filme estrangeiro e Senna, da Netflix, a melhor série de língua estrangeira), demonstra um pouco mais de ceticismo quanto ao impacto na indústria a partir do sucesso do filme do momento no Brasil.

“Nosso cinema é bastante aclamado nos principais festivais, e isso é muito bom. Mas não imagino que haja um impacto imediato. De qualquer forma, deve aumentar a percepção pela importância das políticas de fomento da cultura”, diz Sallem. “Ainda Estou Aqui já vive um grande impacto mesmo antes das indicações. É um grande sucesso e um grande filme.”

Para Angi, da rede Cinépolis, a concorrência do streaming nos últimos anos, que também contribuiu para tirar parte do público dos cinemas, agora é um ponto a favor das exibidoras. “Hoje há muitas ações de incentivo para que as pessoas saiam um pouco das redes sociais e se conectem de novo ao mundo real. E o cinema faz as pessoas ficarem algumas horas concentradas, com o telefone desligado.”

Nesse ponto, em sua visão, Ainda Estou Aqui vai ser um propulsor do cinema nacional daqui em diante, inclusive para outras produções. “O cinema é um hábito e as pessoas gostam. Acredito em mais investimentos na indústria do cinema a partir de agora.”