MADRI -- Numa rua arborizada de um bairro residencial da capital espanhola fica o XO, centro das operações de Dabiz Muñoz, de 43 anos, o madrilenho eleito pelo terceiro ano consecutivo o melhor do mundo pelo The Best Chef Awards. Lá, em uma sala de reuniões, cuja parede de vidro trazia escritos à mão como “No pain no gain” e “No limits. Think out of the box”, ele recebeu o NeoFeed para uma entrevista.
Seu restaurante mais famoso, o DiverXO, tem sete anos, e é o único de Madri com três estrelas Michelin. Por € 395 (R$ 2,2 mil, aproximadamente), o menu degustação, com harmonização de bebidas, é uma experiência que se prolonga por horas a fio, seja no almoço ou no jantar.
Sua outra casa mais conhecida é o RavioXO, onde faz dumplings ou pequenos raviólis numa mistura de sotaques gastronômicos, que vai do México à China, com uma extensa pesquisa do período pré-colombiano à cultura asiática. O menu degustação custa € 150 euros (R$ 800), mas há opções à la carte.
Ao contrário do DiverXO, de clima surrealista, o RavioXO fica na ala Gourmet Experience dentro da maior loja de departamentos da Espanha, o Corte Inglês.
A arquitetura do lugar, com toques de art déco, lembra uma passarela de moda, com luzes de teatro e música eletrônica. Os garçons e garçonetes vestem roupas pretas e deslizam pelo salão com cabelos azuis e topetes loiros dando detalhadas explicações sobre os pratos.
Além dessas duas casas, Muñoz tem o delivery GoXO e food trucks. O outro restaurante do grupo é o StreetXO, especializado em gastronomia de fusão. Também em Madri, no ano passado, a casa abriu uma filial em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Seja onde for, a cozinha de Muñoz é uma "maluquice", com muitos frutos do mar, e recriações de pratos tradicionais, como a lasanha com orelha de porco. Há toques frescos, defumados, legumes crocantes e é para ser degustada com pinças, colheres, hashis e facas.
Esteticamente, suas criações são pequenas obras de arte. Algumas dramáticas como o caranguejo azul, em salmoura de açúcar de palma e vinagre de arroz. Outras lembram o cenário de uma peça de teatro, como o "umidades das florestas de Aragão", churrasco de cordeiro ibérico, com nhoques de alho preto, alcaçuz e ervas dos Pirineus.
Apesar de todos os prêmios, Muñoz diz que não se sente o melhor cozinheiro do mundo. Essas condecorações, no fundo, valorizam as pessoas que estão fazendo as coisas muito bem.
“São prêmios plurais, que não têm apenas foco em uma pessoa”, disse ele, logo no início da conversa, reforçando a importância do trabalho em equipe.
E, sobre o "XO", em todos os seus empreendimentos, foi a forma encontrada pelo chef para tornar o conceito de diversidade, digamos, ainda mais diverso. Para ele, XO é uma filosofia de vida, uma cultura de trabalho em que tudo tem a ver com experiências únicas, criatividade, fantasia e surpresa.
Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista:
Você se considera um discípulo da Nueva Cocina Espanhola?
Sou discípulo de muita gente. Aprendi com muitos cozinheiros tanto da Espanha como fora dela. Quando eu tinha entre 12 e 15 anos era a época de Juan Mari Arzak, Pedro Subijana, Martín Berasategui, Andoni Luis Aduriz, Quique da Costa, dos irmãos do El Celler de Can Roca, de Ferran Adrià. Sou fruto de um país que tem cozinheiros incríveis, que me fizeram ser o cozinheiro que sou. Para que exista um cozinheiro como eu e os restaurantes que criei é preciso que antes tenha havido profissionais como todos eles.
Há 20 anos, na Espanha, todos copiavam Adrià e agora te copiam. Como você encara isso?
Não sei. Sinto que abrimos muitos caminhos, muitas portas e seguimos sendo inspiração para muitos cozinheiros. Por esses caminhos, outros agora transitam. Não vejo tanto como cópia, mas como inspiração. Para mim, é um motivo de orgulho.
Seus pratos parecem revelar um tipo de cozinha que busca o sabor através da desconstrução. É isso mesmo? O que você busca?
Para mim, a emoção máxima é quando algo é muito original, muito único. Quando você vê um prato e te explicam do que se trata, tudo isso só funciona na hora em que você põe a comida na boca e diz: “Uau!!!!”. A maior emoção é um conjunto de coisas que tem o sabor no centro. Quando você vai a um restaurante vanguardista e tem um lado intelectual que te satisfaz, ele só é memorável se trouxer algo mais. A parte intelectual não pode existir sem a parte fisiológica. Sem o sabor.
Mas nessas “vanguardices” há muita coisa sem sabor.
Para mim, é impossível tirar o sabor de uma experiência gastronômica que seja memorável. Muitas vezes, em restaurantes criativos, me explicam conceitos, que me pareceram muito originais, muito únicos, mas tudo só se completa com o sabor. Eu sou obcecado pelo sabor e tento sempre que nossos conceitos, nossos enfoques, nossas técnicas sejam únicos. Desde o primeiro dia, tento fazer pratos que não se parecem com nada. Por isso, nunca falo se é melhor ou pior. Tento fazer nos meus restaurantes o que só pode ser feito ali.
O que você gosta de comer?
[Risos] Tudo o que é bom. Gosto de conhecer restaurantes e cozinhas no Sudeste Asiático, na China.... Gosto de ir à América Latina, ao México, Peru, Argentina....
E o Brasil?
Nunca estive, mas tenho muita vontade de ir. Há muitos anos Alex Atala [do restaurante D.O.M] me convidou, mas jamais encontrei um jeito. Fui convidado para ir agora, em janeiro, pelo pessoal da Casa do Porco [de Janaína Torres Rueda e Jefferson Rueda], mas não tenho tempo.
"Este ano abriremos um novo DiverXO, em um bosque, a 20 minutos de Madri. Nossa intenção é que seja o melhor restaurante da história -- o mais criativo, o mais único, o mais disruptivo"
O que você conhece da cozinha brasileira?
Conheço o que se exportou e que não é muito bom. Tenho a impressão de que com a brasileira acontece o mesmo que com outras cozinhas, inclusive a espanhola. O que se exporta da cozinha espanhola, que você vê nos Estados Unidos e em algumas partes da Europa, não é cozinha espanhola de verdade.
O que é excelência na cozinha para você?
Muitas coisas. Tem a ver com o produto, com a técnica, com a sustentabilidade. Sustentabilidade virou uma tendência, mas, na maioria dos casos, há pouca verdade por trás do modo como vem sendo praticada. A excelência também tem a ver com uma cozinha mais saudável. Quando digo isso, não falo de dieta, mas de saúde. Uma cozinha que não tenha muito sal, nem muita gordura. No DiverXO, nos últimos quatro anos, tiramos uma porcentagem significativa do sal e da gordura. A excelência sobretudo tem a ver com as coisas bem-feitas. Seja na cozinha ou no salão. Muitas vezes um bom prato mal servido e mal explicado pode parecer um prato normal. Já um prato normal, bem servido e bem explicado, pode parecer um prato muito bom.
Por que a escolha do Corte Inglês como parceiro?
Há uns anos o diretor de comidas e bebidas me procurou para dizer que estavam criando o Gourmet Experience na loja de departamentos e me chamou para abrir um restaurante lá. Fiquei na dúvida, porque na época, o Corte Inglês era um centro comercial para pessoas mais velhas. Não atraía gente jovem. Ele me convenceu e nós fomos o primeiro restaurante de lá. Foi um sucesso. Tínhamos um corner com a música a todo o volume e os clientes antigos se queixavam. Mas tínhamos liberdade. Hoje, estamos em dois endereços. É uma marca potente da Espanha, que tem se modernizado muito e acho que faremos mais coisas juntos.
Qual será a próxima revolução culinária?
Não sei. Ultimamente tenho ouvido falar que não há mais nada para descobrir.... Não é verdade, há muito ainda a ser descoberto. De qualquer forma, não podemos dizer que existem oito vanguardas culinárias por vez. Porque vanguarda pode existir uma, duas ou três. Este ano abriremos um novo DiverXO, em um bosque, a 20 minutos de Madri. Nossa intenção é que seja o melhor restaurante da história -- o mais criativo, o mais único, o mais disruptivo. Colocaremos todas as nossas energias para redefinir o DiverXO e deflagar uma nova revolução.