Em trecho do seu livro recém-lançado "Focado em Pessoas", Pedro Janot fala que “existe aquela máxima de que é sábio aprender com o erro dos outros. Mas pouca gente fala sobre aprender com os acertos”.

Executivo com passagem em cargos de liderança nas varejistas Mesbla, Lojas Americanas, Pão de Açúcar, Zara e Richards, além da Azul Linhas Aéreas, considerado seu grande legado na gestão de pessoas, Janot sempre buscou ser um curioso.

Essa curiosidade o levava a conversar com funcionários de todas as posições da companhia, a se colocar à disposição para ajudar na resolução de problemas e a entender que na engrenagem de uma empresa o principal executivo não pode ficar isolado.

Liderar pelo exemplo é uma das marcas de Pedro Janot e a base deste seu terceiro livro, que se junta aos dois anteriores: "Maestro de voo" e "A vida é tudo o que você faz com ela".

Foi essa característica que o levou a aceitar o desafio de tirar a Azul do papel, mesmo sem conhecer absolutamente nada do setor aéreo. David Neeleman, fundador da companhia, confirma:

“O presidente fica quase sempre muito afastado de tudo o que está acontecendo. A pessoa não pode tomar decisões que afetam as vidas das pessoas sem saber como as vidas são”, explica Neeleman, em um trecho do livro.

E complementa: “Perguntei como foi a história dele quando trabalhou para a Zara. Ele foi para a Espanha e ficou lá nas lojas, conversando com as pessoas, com os funcionários de frente, ajudando as pessoas a servir melhor. Fiquei impressionado com isto, de um presidente fazer isto”.

Nesta entrevista para o NeoFeed, Janot mostra como essa sua característica ajudou a Azul a economizar muito dinheiro. Ao conversar com um funcionário, ele descobriu o valor do querosene de aviação pago pela concorrente, o que permitiu a ele negociar com os fornecedores com uma importante base de conhecimento.

“Uma hora depois de ter chegado à companhia, já sabia onde é que estavam os pepinos, o que estava rolando. E eu podia acionar a resposta aos desafios que eu capturei no momento zero”, conta ele.

Janot começou na Azul em julho de 2008 e ficou na companhia até setembro de 2012 quando já estava de cadeira de rodas após o acidente em que caiu do cavalo. Atualmente, ele presta mentoria. E está feliz com a chegada do primeiro neto.

“O colinho do vovô já está garantido”, diz ele com um sorriso no rosto após a entrevista que você lê a seguir:

O seu livro fala sobre a gestão pelo exemplo. É possível liderar dessa maneira num cenário de home office?
Vou as desvantagens de se trabalhar em home office. Você está envolvido com a sua vida em um apartamento 70 m², com problema com seu vizinho, que fica andando de salto alto em cima de você o dia inteiro, a diarista querendo trabalhar, o acerto de horários com a sua mulher para ver quem pega as crianças no colégio ou não pega. Tudo isso são funções dispersivas. É preciso ter uma grande disciplina. Se tivessem dois escritórios, onde ninguém pudesse ouvir a voz do outro e o mundo correndo lá fora, tudo bem. Mas são poucas as pessoas que têm essa exclusividade de ter dois escritórios separados. O home office é uma grande desvantagem porque dispersa.

E o trabalho híbrido?
Há um lado bom desse movimento, pois ele equilibra um pouco a relação entre sair todo dia versus ficar em casa. Quando você faz um trabalho híbrido, você tem uma chance, você ganha, digamos, segunda e sexta, que são os dias preferidos de home office. As pessoas trabalham terça, quarta e quinta no escritório. Esse é o momento de aplicar a liderança pelo exemplo. É nesse momento que o líder ou os líderes da companhia se juntam e tiram a diferença.

Qual é essa diferença que você se refere?
Principalmente na comunicação. A informal é um tipo de comunicação muito mais poderosa do que a formal. Uma empresa pode azedar pela comunicação informal, assim como pode subir com ela. É a chamada “rádio peão”. O líder estuda esses momentos. Como? Em uma reunião, você fala para uma pessoa do seu time que vai resolver o problema junto com ele. Aquilo já bate na rádio peão e você tem dois ganhos.

Quais são?
O primeiro é fazer o trabalho com uma pessoa, para ajudá-la. E o segundo é tocar a companhia em diferentes estratos, aqueles que você deveria tocar sempre e nunca toca. O líder chega lá embaixo, onde a operação acontece. E todos vão falar que o líder está apoiando as pessoas que têm dificuldade ou resolvendo casos muito cabeludos.

"Uma empresa pode azedar pela comunicação informal, assim como pode subir com ela"

Você ainda é adepto de poucas e rápidas reuniões?
Na Azul, comecei a fazer um programa de não ter comunicação formal. As únicas comunicações seriam as de resultado. E não poderiam demorar mais do que uma hora. No momento que você saía da sala estava tudo cruzado, porque você estava com todas as áreas e tudo estava cruzado entre as áreas. Cada uma com a sua responsabilidade para ajudar o revenue da companhia. No final, claro, segurava três ou quatro executivos para resolver um pepino que surgiu na mesa. Você precisa de alguma ajuda para fazer essa entrega?

Na sua opinião, existe o perfil ideal de liderança?
O líder ideal de uma companhia é uma pessoa com carisma, para transformar tudo em uma coisa agradável, positiva e que, se possível, faça as pessoas trabalharem pelo menos três dias presenciais com alegria e com vontade de fazer. Porque a comunicação informal ocorre nas reuniões digitais, em grupos paralelos. Você não fica espionando os grupos paralelos, mas consegue capturar numa reunião presencial um olhar, um movimento de sobrancelha, uma balançada de cabeça ou uma frase dizendo que ‘tava tudo uma merda’. Não está tudo uma merda! Mas como é que você vai descobrir dentro da comunicação informal o cara que falou que está tudo uma merda? Não vai.

Nesse sentido, como fica a cobrança por desempenho?
Quando você chega para um cara e pergunta se ele tem todos os recursos, você está dizendo para ele: me pede ajuda caso não tenha ou segura a bronca que virá de qualquer maneira. Mas, se essa bronca não for resolvida e se repetir outras vezes, o líder tem de tomar uma decisão. E essa decisão passa por diversos resultados variáveis.

Como quais?
Aí vale uma conversa mais profunda, no seguinte sentido: você tem essa meta aqui para esta semana e esta para aquela, para tirar o atraso. Você vê a atitude da pessoa, como é a forma postural que ele está andando entre outros movimentos. Isso não é possível pegar em um grupo de WhatsApp. Só se alguém vier dizer para você. Mas é preciso que esse alguém traga o problema filtradinho para poder atuar. Vão acabar sendo os espiões ou X9 da cultura da empresa.

Qual é o exemplo prático?
Entre os grandes problemas que eu tive na Azul, todos foram revertidos, exceto casos de conduta. Desalinhamento à cultura da empresa não era tolerado. Mas fui capaz de pegar detratores e transformá-los em promotores da empresa. Tinha um menino que era atendente de bordo e sempre me falavam dele, com fatos concretos. Vamos ter de mandar embora? Mandar embora é ruim. É fácil, mas é ruim.

E o que você fez?
Chamei o garoto para conversar. Ele tinha um poder crítico fenomenal, mas eu fui direto ao final da nossa conversa: ‘preciso que você me diga se quer ficar ou quer sair porque gostaria que você ficasse. Esse teu espírito é muito legal para a companhia, desde que fique positivo’. Ele ficou, casou com uma comissária de bordo e está fazendo curso para ser piloto. A vida de um CEO é o tempo inteiro a busca desse equilíbrio, porque se contrata pela técnica e se demite pela cultura.

"Desalinhamento à cultura da empresa não era tolerado. Mas fui capaz de pegar detratores e transformá-los em promotores da empresa"

É possível medir a importância dos pilares valor e cultura no começo de uma empresa?
Não adianta ter descoberto um algoritmo que é capaz de dar uma posição preditiva de alguma coisa se as pessoas que estão na sua companhia, que fazem os algoritmos andarem, que analisam, que fazem a inclusão e a extração de dados, não são relevantes. Essas pessoas não podem estar ao léu na companhia, como corpos sem alma. Vale para um startupeiro de tecnologia ou se você vai montar uma lojinha. Pratique a cultura que vai fazer a diferença. Quer dizer, a cultura é a consequência. Pratique sonhos, valores e ritos, aí sim você terá a cultura que quer criar.

O que é o sonho de uma companhia?
As pessoas têm de saber quais são os sonhos da companhia. Nós começamos a Azul com o sonho de ser a melhor companhia do Brasil em qualidade para o cliente. Em dois meses, tínhamos escovado o pessoal da Gol e da TAM, com escova de Aço. O NPS da Gol era menos 4, o da TAM era 7 e o nosso NPS era 62. Muita diferença. Teve aí uma palavra-chave no momento da elaboração dos valores da companhia. Surgiram seis valores nas equipes que que estavam montando. E nós dizíamos que eram 10. Os primeiros cinco eram sobre segurança, mas a partir do sexto já não era mais segurança.

Era sobre o que?
Tinha um desses cinco que se chamava paixão pela aviação. Fui para casa, olhei para aqueles valores e travei: o que é paixão pela aviação? Paixão pelas turbinas, pela tecnologia, pela navegação, pelo cilindro de alumínio com 40 mil quilos de combustível a 10 mil metros de altura? Naquela época, transformamos a paixão pela aviação por paixão pelas pessoas. E essas pessoas se chamam clientes, o externo e o interno. É a visão de sonho da empresa que está amarrada na cultura, nos valores e nos ritos. Todos claramente definidos.

Você chegou na aviação sem entender nada do setor. Um CEO pode assumir uma empresa sem domínio absoluto do negócio?
Eu não tinha qualquer viés para a aviação e todos sabiam mais do que eu na Azul. A minha postura foi exercitar a conversa com todos na operação. Sempre tive como rotina nas companhias que passei de rodar a companhia inteira antes de sentar lá no meu bunker. Quando eu sentava no quartel general, uma hora depois de ter chegado, já sabia onde é que estavam uns pepinos, o que estava rolando. E eu podia acionar a resposta aos desafios que eu capturei no momento zero.

Um processo instantâneo, então.
Não tem comunicação que você fala na segunda-feira, espera terça para a reunião de quarta. Não tem. É instantâneo, resolve o problema. Ao ficar sentado no seu escritório à espera de informação, o CEO vira o rei traído. As coisas demoram três dias, uma semana para chegar até você. E as empresas não têm mais três dias de atraso para solucionar problemas. Tem de reagir proativamente.

"As empresas não têm mais três dias de atraso para solucionar problemas. Tem de reagir proativamente" 

Dentro desse seu ritual, você conseguia que tipo de informação?
Tem uma passagem curiosa, dentre várias. Ao rodar cedo a companhia, começava primeiro pela área de aviação e falava com o COO porque era mais estratégico. Depois passava pelo corredor e conversava com outras áreas. Certa vez sentei com um funcionário muito tímido. Pedi para ele me falar dele. Ele respondeu que tinha vindo da Embraer, Learjet, Gol. Eu parei e perguntei: ‘você faz ideia de como eu posso saber o preço do combustível pago pela Gol?’ Estávamos no final do período pré-operacional, quando eu ia começar a negociar o combustível para a Azul.

E o que você conseguiu?
Ele respondeu "era eu que fazia isso na Gol". Ele imprimiu um papel e me entregou os preços do combustível no Brasil inteiro. Começamos a discutir com BR Distribuidora, Shell e British Petroleum dentro de uma realidade de mercado. Éramos uma companhia nanica, com três aviões, mas pedimos o mesmo preço de mercado. Esse é o tipo de informação que vale milhares de dinheiros para qualquer companhia.

Você enxerga a inteligência artificial para os negócios como aliada de companhias e de gestores?
Acredito que a inteligência artificial é uma parceira de primeira linha. Ela vai levar as companhias para o lado preditivo, ou seja, enxergar as possibilidades de ganhos de antecipadamente. Essa é, na minha opinião, a grande beleza da IA. Mas quando nós chegarmos nesse ponto de excelência, o que vai acontecer com os empregos? Outras atividades, outras funções vão aparecer. As pessoas vão encontrar os seus caminhos. Não é um contra o outro. Só será quando a IA pensar igual ao ser humano. Se olhar sob esse aspecto, que ela se transformará em um ser humano, com capacidade de predição e de gestão do dia a dia, virou um robô igual ao ser humano. Os homens vão encontrar soluções enquanto a IA vai se desenvolvendo.

Focado em Pessoas pedro janot
Capa do livro

Serviço:
"Focado em Pessoas - meu legado Azul em gestão e liderança agora"
Pedro Janot, com Edvaldo Pereira Lima
Editora Casa Flutuante
232 Páginas
Livro impresso: R$ 44,90