As encostas do vulcão Etna, na Sicília, formam o novo eldorado dos vinhedos italianos. Dois dos mais poderosos nomes do vinho italiano, Angelo Gaja (Piemonte) e Oscar Farinetti (proprietário e fundador do Eataly), desembarcaram recentemente na região. E, em abril, de 2022, a gigante do Vêneto, Tommasi Family Estates comprou 15 hectares de vinhedos ali.

A combinação de variedades autóctones desta parte nordeste da ilha da Sicília, onde brilham a tinta Nerello Mascalese (com Nerello Capuccio no segundo plano) e a branca Carricante, cujas expressões coincidem com o gosto dos conhecedores da atualidade (vinhos elegantes e frescos), aliada a um patrimônio de videiras antigas, algumas pré-filoxéricas, e, claro, o preço “acessível" dos vinhedos, que estavam abandonados, explica a corrida dos figurões do mundo do vinho pelos vinhedos do Etna.

Segundo o site italiano WineNews, um hectare de vinhedo em Barolo supera tranquilamente a cifra de um milhão de euros e bons vinhedos em Montalcino e Prosecco beiram o mesmo valor. No Etna, quando se encontra um vinhedo antigo em uma boa zona, a negociação pode ser fechada na faixa dos 100 mil euros o hectare.

De acordo com Pierangelo Tommasi, diretor-executivo da vinícola que carrega seu sobrenome, “o Etna é hoje a região mais interessante e excitante do ponto de vista qualitativo e de negócios do vinho italiano”. Além da origem veneta e a aquisição siciliana, Tommasi possui vinícolas na Lombardia, Toscana, Basilicata, Puglia e Úmbria, totalizando 780 hectares das suas propriedades.

Angelo Gaja, apelidado de Rei de Barbaresco e uma referência no Piemonte, fez sociedade com o produtor local Graci e os dois compraram 21 hectares na encosta sudoeste do Etna. O acordo selado em 2017 produziu efeito no fim de 2020, quando foram lançados os primeiros vinhos do projeto chamado Idda.

Oscar Farinetti, fundador da rede Eataly, é considerado um dos personagens mais influentes no mundo da enogastronomia. Sua visão de vender o “Made in Italy” através do “cibo” (a cultura da mesa italiana) o fez dominar a cadeia de boa parte dos produtos que vende em sua rede de varejo.

Com o vinho não foi diferente e hoje a família Farinetti possui uma dezena de vinícolas em diferentes regiões italianas, com destaque para as conhecidas Fontanafredda e Borgogno, ambas do Piemonte.

Em 2018, oficializou a compra da Villa dei Baroni, propriedade com 20 hectares de vinhedo e olivais na parte norte do vulcão que foi rebatizada como Tenuta Carranco, também em sociedade com um produtor local, Tornatore. Informalmente, comenta-se que a aliança com um produtor local facilita a interlocução com a "máfia local".

A história para explicar a redescoberta dos vinhos do Etna não é nova. As condições climáticas pré-câmbio climático eram desafiadoras associadas à personalidade temperamental da Nerello Mascalese (longo ciclo de amadurecimento e não gosta de receber muito calor), com baixos rendimentos nas vinhas velhas e boa parte dos vinhedos não mecanizáveis, pelo solo arenoso e conduções irregulares das plantas.

Além disso, o gosto do consumidor até os anos 2000 era dominado por vinhos concentrados e intensos, dificultando ainda mais a viabilidade comercial dos vinhos até então. Mudaram o gosto, o clima e as técnicas de vinificação se aprimoraram, fatores que tornaram o Etna novamente interessante e viável.

Os precursores do ressurgimento dos vinhos do Etna e a propagação de suas qualidades pelo mundo está nas mãos de Marc de Grazia, da Tenuta delle Terre Nere, do belga Frank Cornelissen e Andrea Franchetti (falecido em 2021), de Passopisciaro - todos começaram no início dos anos 2000.

Grazia é negociante de vinhos e representava muitos produtores italianos para importadores, principalmente norte-americanos. Franchetti já tinha uma reputação muito bem estabelecida no mundo do vinho por ter trabalhado como destruidor de vinhos italianos na década de 1980 em Nova Iorque e pelos vinhos que produz desde 1997 na Tenuta del Trinoro (Toscana).

Cornelissen entrou no vinhedo pela taça. Além do pai ser conhecedor e colecionador de vinhos, ele tem apreço pela vinificação natural. Isto é, nada de químicos no vinhedo e na adega.

Além da época em comum, todos os três começavam a definir a linha de seus vinhos pelos nomes das vilas onde estavam os vinhedos, as chamadas “contrade”. No Etna existem 133 contrade, unidades de terroir que representam um conceito semelhante ao “climat" na Borgonha ou “sorì" no Piemonte. Desde 2011 é permitido aos produtores mencionarem no rótulo a contrada que originou o vinho.

As comparações com as duas regiões não se faz ao acaso, pois a própria expressão da Nerello Mascalese costuma ser colocada entre a Pinot Noir e a Nebbiolo, pela cor clara e expressão elegante (flores e frutas frescas) de seus vinhos, mas com taninos e acidez comparáveis à Nebbiolo. Claro, que também conta à favor a capacidade da casta trazer nuances diferentes conforme o local onde está cultivada.

Apesar do clima quente siciliano, as elevadas altitudes das encostas do Etna arrefecem a temperatura e ajudam na expressão delicada da Nerello

Apesar do clima quente siciliano, as elevadas altitudes das encostas do Etna arrefecem a temperatura e ajudam na expressão delicada da Nerello. No caso de Passopisciaro, seu vinhedo mais elevado, à 1.000 metros de altitude (Contrada Rampante) a temperatura máxima durante o dia chega a ser 15 graus mais baixo que um vinhedo na costa siciliana.

As zonas de cultivo dos vinhedos no Etna formam uma ferradura em volta do vulcão, deixando apenas a face oeste do vulcão sem vinhedos (por ter mais corredores de lava, lembrando que se trata de um vulcão ativo).

A parte norte é a mais buscada para a expressão mais fresca e delicada da Nerello, à leste, com escarpas íngremes e menor irradiação solar, estão maior parte das uvas brancas (com predomínio da Carricante) e ao sul sob influência de ventos quentes, a Nerello ganha feição mais redonda, com taninos mais polidos e aromas de frutas maduras.

Curiosamente, pela DOC Etna ser estabelecida em 1968 muitos dos vinhedos mais cultuados não recebem o status de denominação de origem nos vinhos. No regulamento produtivo, apenas vinhedos até 800 metros de altitude podem receber o selo da DOC Etna, abrindo brecha para um fenômeno parecido com os Supertoscanos, que não estavam dentro de nenhuma DOC italiana, mas a qualidade falou mais alto para fazer seu sucesso comercial.

Vinhos do Etna no Brasil: Alta Mora Etna Rosso 2018 (R$ 261, World Wine);Passopisciaro Passorosso 2017 (R$ 530, Italy Import); Idda (R$771,06 Mistral); Salvo Foti Vinupetra Etna Rosso 2018 (R$ 675, Cellar);Tenuta delle Terre Nere Etna Rosso Prephylloxera 2018 (R$ 1.243,65, na Mistral)

Desde meados da década de 2000 uma série de produtores sicilianos, que atuavam em outras zonas, também passaram a produzir seus vinhos no Etna. Nomes de peso como Tasca d’Almerita (Tenuta Tascante), Donnafugata, Planeta, Graci (sócio de Gaja em Idda) e Cusumano (Alta Mora) hoje têm linha de vinhos feitos por lá.