O trem original Orient Express, que ligava Paris à Istambul, voltará a viajar ao que tudo indica graças a um vídeo postado despretensiosamente no YouTube. Quase 140 anos depois que o primeiro Orient Express mudou as viagens ferroviárias de longa distância para sempre, seus vagões - agora restaurados e repaginados para atender às necessidades do viajante de luxo contemporâneo - devem retomar os trilhos a tempo de serem apresentados nas Olimpíadas de Paris.
Com um plot twist quase cinematográfico: o trem de luxo voltará a operar alguns anos após ser descoberto, quase acidentalmente, abandonado na fronteira da Polônia com a Belarus. O grande retorno é parte dos planos do grupo Accor (que detém parte da companhia) em trazer de volta o nome "Orient Express" como referência no turismo de ultra luxo.
"O projeto validado pela Accor apoia nossa ambição de reviver e relançar a marca Orient Express globalmente", conta Guillaume de Saint Lager, vice-presidente da Orient Express ao NeoFeed. "Acreditamos que o novo trem atrairá viajantes abastados, com mais de 35 anos, com afinidade com viagens de trem e em busca de experiências únicas na vida", define.
Os vagões originais do Nostalgie-Istanbul-Orient-Express foram redescobertos quase acidentalmente em 2015. "A descoberta de um tesouro perdido", como a companhia costuma dizer em suas redes sociais, aconteceu quando o historiador francês Arthur Mettetal, documentando os vagões originais para o serviço nacional de trens da França (SNCF), deparou-se com um vídeo anônimo no YouTube que imediatamente chamou sua atenção.
Como num filme de Hollywood, o conteúdo do vídeo sobre trens foi o pontapé inicial para longas pesquisas e análises, que acabaram concluindo que dezessete dos vagões dos anos 1920 e 1930 encontrados eram, de fato, vagões originais do trem Nostalgie-Istanbul-Orient-Express.
Resolvidas as longas burocracias para a aquisição do trem, os vagões foram levados à França para um minucioso processo de restauração sob comando do premiado arquiteto Maxime d'Angeac. "O renascimento do Orient Express é um desafio tecnológico. Atendendo a critérios científicos, artísticos e técnicos, todo o projeto foi concebido como uma obra de arte. Das porcas e parafusos ao conceito inovador das suítes”, conta o arquiteto.
O mais mítico dos trens ganhou notoriedade internacional quando virou cenário de uma das mais famosas obras literárias de Ágatha Christie, O assassinato no Expresso Oriente, adaptada distintas vezes para o cinema e a televisão. Quando a mais recente adaptação para Hollywood estreou, em 2017, o processo de compra dos vagões já estava em andamento.
Curiosamente, o clássico conjunto de vagões chegou a transportar Michael Jackson durante sua turnê europeia de "Dangerous", em 1992. Em 1988, sob a alcunha de "Extrême Orient Express", os vagões fizeram uma das mais longas viagens em trem da história, ligando Paris, na França, a Tóquio, no Japão - e simplesmente desapareceram anos depois.
Os carros originais recuperados na Polônia incluem 12 vagões-cama, um vagão-restaurante, três vagões-lounge e um vagão-van. Segundo a Orient Express, todos estavam em bom estado, com os trabalhos icônicos de marchetaria de Morrison e Nelson e os painéis de vidro Lalique bem conservados. A promessa é que o glamour da belle époque dos vagões case perfeitamente com as comodidades das viagens contemporâneas quando o trem voltar a viajar por aí.
Uma nova golden age
O projeto de renascimento do Expresso do Oriente tem sido encarado pela Orient Express a despeito de todos os desafios tecnológicos, como uma grande obra de arte. O investimento no projeto não foi divulgado.
Segundo a companhia, pouco mais da metade dos vagões será concluída e terá seus interiores divulgados à imprensa internacional até o final do ano. A estratégia de marketing adotada, ao menos por enquanto, é que o mistério sobre os vagões remanescentes seja revelado pouco a pouco e o trem só seja exibido por completo em 2024.
"Forneceremos uma prévia exclusiva dos trens durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris 2024. Mas os vagões não farão sua 'viagem inaugural' oficial durante este evento e sim no começo de 2025", explica Saint Lager. A abertura das reservas para viagens no novo trem está programada para junho do ano que vem.
Por enquanto, é sabido que o novo trem terá três tipos de suítes diferentes, todas com banheiro privativo, e que a suíte presidencial deve ocupar sozinha um dos dezessete vagões inteirinho. Um dos vagões de maior destaque na composição será o carro-salão, projetado para lembrar um jardim de inverno, e que receberá performances e eventos especiais durante as viagens.
"Istambul certamente fará parte dos roteiros para homenagear a história e o mito do nome 'Expresso do Oriente'", garante Saint Lager. "Mas os itinerários completos só serão anunciados em algum momento do próximo ano". Durante a viagem, estarão incluídos na tarifa o café da manhã servido na cabine, almoço, chá da tarde, happy hour e jantar de alta gastronomia - além de room service disponível 24 horas por dia.
Uma marca, muitos usos
A marca Orient Express é um símbolo atemporal da arte das viagens de luxo, impregnada de cultura, esplendor desde o século XIX. O Orient Express original foi um serviço de trem de luxo criado pela Compagnie Internationale des Wagons-Lits em 1883 (data da primeira viagem do trem entre Paris e Istambul (então Constantinopla), cujas diferentes rotas ligavam várias capitais europeias.
Mais de 130 anos depois, no final de 2017, o grupo Accor e a francesa SNCF, então detentora do nome "Orient Express", firmaram uma joint venture da marca Orient Express (a Accor adquiriu 50% do capital social da marca), desenvolvendo uma coleção de hotéis e viagens com a mesma herança e excelência em serviço do trem original - e fortalecendo a liderança da Accor no segmento de hospitalidade de luxo.
Como AccorHotels e o Grupo SNCF se comprometeram a preservar e promover o legado do trem e sua marca, novas jornadas sobre os trilhos surgiram pelo caminho. Nem todos os produtos com a marca "Orient Express", contudo, estão sob o guarda-chuva da Accor.
A marca Belmond, que assumiu a administração dos hotéis emblemáticos que anteriormente tinham a bandeira Orient Express (como o próprio Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, o Hotel das Cataratas, em Foz do Iguaçu, ou o Cipriani, em Veneza), possui um acordo de licença do nome celebrado com a SNCF.
E administra, por exemplo, o Venice Simplon Orient Express (VSOE), luxuoso trem que opera regular e semanalmente entre Londres e Veneza/Verona via Paris (e ocasionalmente viaja também para Berlim, Viena, Praga, Budapeste e Istambul).
O VSOE, aliás, acaba de anunciar oito novas luxuosas suítes, todas com banheiro privativo, que serão incorporadas à composição nas viagens pela Europa a partir de junho do ano que vem. A Gran Suite terá ainda serviço ilimitado de champagne incluído durante toda a viagem. Dois vagões originais dos anos 20 foram restaurados e serão incorporados ao trem, que ganhou também um novo chef executivo a bordo, Jean Imbert.
Viagens curtas de uma noite a bordo entre Roma e Paris no VSOE custam desde dois mil euros por pessoa. Seu "Grand Tour" combinando as viagens no trem com hospedagem em alguns hotéis Belmond - como o Villa San Michele, em Florença, ou o Castello di Casole, na Toscana.
O trem Orient Express La Dolce Vita também será relançado no ano que vem, retornando à Itália 46 anos depois de sua última jornada - agora com seis itinerários diferentes (chegando até a Croácia) e décor completamente renovado, inspirado no design italiano dos anos 60 e 70. O trem será operado em parceria da Accor com o Arsenale
Na parte do grupo Accor, os novos negócios da marca Orient Express prosperam também fora dos trilhos. Seus primeiros hotéis ao redor do mundo serão lançados em breve com a inauguração do Orient Express La Minerva, em Roma. Em 2024, será a vez do Orient Express Palazzo Donà Giovannelli, em Veneza, abrir as portas. A primeira cidade do Oriente Médio a receber um hotel Orient Express, por sua vez, será Riad, na Arábia Saudita.