San Sebastián (Espanha) - Pesquisa, inovação e simplicidade definem o sucesso do peruano Virgilio Martínez. Ele está à frente do Central, o segundo melhor restaurante do mundo e o primeiro da América Latina, segundo o ranking de 2022 do The World’s 50 Best Restaurants, uma espécie de Oscar do cenário gastronômico da revista inglesa Restaurant.

Ao valorizar o que a comida peruana tem de melhor, com equilíbrio entre os produtos da terra e do mar, o restaurante perde apenas para o dinamarquês Geranium, situado em Copenhague.

E o que há de tão especial na cozinha de Martínez? “A inovação na simplicidade, entendendo que estamos em um país mega diverso, onde há diversidade cultural, de tradições, de gastronomia e de geografias, além de muita riqueza histórica e antropológica”, responde o chef de 45 anos ao NeoFeed.

Para o chef, que é tema do documentário “Virgilio”, não dá para cozinhar os alimentos sem entendê-los profundamente. Daí nasceu o projeto de pesquisa e exploração batizado de Iniciativa Mater, que estuda os ingredientes (alguns pouco conhecidos até pelos peruanos) e as técnicas culinárias, incluindo as mais antigas no país.

“Após conectar diferentes disciplinas, tudo é destilado com muita simplicidade, com bondade e bom gosto, o que transcende a gastronomia, nos ligando também à agricultura”, afirma o chef, um dos convidados da recente 70ª edição do Festival Internacional de Cinema de San Sebastián.

“Virgilio” foi uma das atrações no evento do norte da Espanha que anualmente inclui em sua programação a mostra Culinary Zinema, com as sessões de filmes sobre comida seguidas por jantares temáticos. Provavelmente por San Sebastián ser também um destino gastronômico, com alta concentração de restaurantes estrelados pelo guia Michelin.

Ainda sem data para estrear no Brasil, o documentário dirigido pelo argentino Alfred Oliveri destaca as inspirações, a pesquisa e a filosofia de Martínez, o que vai muito além de criar iguarias para o Central. Ele comanda a casa ao lado da mulher, a chef Pía León.

Virgílio estuda os ingredientes (alguns pouco conhecidos até pelos peruanos) e as técnicas culinárias, incluindo as mais antigas no país

Proporcionar uma viagem gastronômica pelo Peru, envolvendo desde a origem dos ingredientes até a história da cerâmica do prato onde suas criações são servidas, é o que faz Central bater os concorrentes latino-americanos.

O segundo restaurante da região a aparecer na lista do The World’s 50 Best Restaurants é o mexicano Pujol, em quinto lugar no ranking mundial. E o terceiro é paulistano A Casa do Porco, na sétima posição global.

Para atingir a chamada “cozinha de expedição” de Martínez, uma equipe de colaboradores viaja pelo Peru coletando todo tipo de ingredientes e de informações sobre técnicas. O material selecionado serve de base para o famoso menu degustação Alturas Mater, organizado por altitudes.

Diferentes ecossistemas do Peru estão representados nessa experiência gastronômica sugerida por Martínez, desde 25 metros abaixo do nível do mar até mais de 4 mil metros de altura.

“O Peru tem uma agricultura milenar e culinárias ancestrais. E quanto mais olhamos para o nosso passado, para detectar o que funciona historicamente, mais encontramos essa culinária que tem na natureza a sua maior inspiração”, conta Martínez.

Dos ingredientes peruanos que mais representam a cultura gastronômica do país, o chef destaca o milho. “É um exemplo de como um produto do cotidiano pode ser visto de forma diferente. Dele é possível obter texturas, espessantes, cores naturais e fermentos, além de muitos alimentos e bebidas alcoólicas ou não.”

Um dos pratos de Martínez, chamado Diversidade do milho, presta uma homenagem ao cereal, explorando justamente as possíveis texturas, as cores e os sabores, usando diferentes grãos.

“É um insumo que nos conecta com as comunidades andinas, com o trabalho dos camponeses da Cordilheira dos Andes e com toda a vida natural”, conta o chef, que adota um modelo de restaurante sustentável para minimizar o impacto ambiental.

Curiosamente, Martinez, que estudou no Le Cordon Bleu de Ottawa e de Londres, rejeita a palavra “chef”, preferindo ser chamado de “cozinheiro”, algo que segue na contramão da alta gastronomia.

“As palavras importam. Chef está ligada à ideia de chefia, enquanto cozinheiro diz respeito ao ofício. Não devemos esquecer que, apesar da aura de glamour, no final, nosso trabalho é cozinhar.”

O uso excessivo da palavra chef pode levar à superficialidade e à banalidade do trabalho, na visão de Martínez, que passou por cozinhas de importantes restaurantes de Singapura, da Tailândia, dos EUA e da Espanha antes de inaugurar Central.

“Ser cozinheiro está intimamente ligado ao artesanato, à compreensão da comida e à responsabilidade de tratar bem os insumos para alimentar o mundo”, diz ele. “O resto só serve para confundir o que é a profissão, seja nas escolas de culinária, na mídia ou nas redes sociais.”