A indústria da moda é a indústria do exagero. Todos os anos, no mundo todo, são produzidas cerca de 80 bilhões de roupas –um absurdo equivalente a 10 peças novas para cada habitante do planeta. E pior. Cerca de 30% delas jamais serão vendidas.

À superprodução soma-se o superconsumo. Não só compramos 60% mais do que há vinte anos como também nos livramos de nossas calças, camisas, saias e vestidos muito mais rapidamente. Em geral, 60% de nosso guarda-roupa é descartado com menos de um ano de uso. E nem 1% das roupas são recicladas. O resto tem os aterros sanitários como destino.

E vão junto para o lixo toda a energia, recursos naturais e horas de trabalho usados para fabricá-las. Um desperdício anual de US$ 500 bilhões e um impacto ambiental equivalente à soma das emissões de gases de efeito estufa da França, Alemanha e Reino Unido.

Caracterizado pela produção sob medida, conforme as necessidades e desejos do consumidor, o modelo on demand clothing é uma das grandes apostas do ecossistema de inovação fashion, rumo a uma moda mais sustentável, ética e transparente. Até as grifes mais requintadas estão entrando na onda.

Mas nenhuma levou para tão alto a a régua do "ESG com sofisticação"  quanto a marca de menswear de luxo NB44. Fundada em 2022, em Beverly Hills, Califórnia, pelo estilista americano Nicolas Bijan Pakzad, a empresa criou um clube cujos integrantes têm acesso  a quatro coleções exclusivas de prêt-à-porter, por ano. E eles só podem adquirir, no máximo, até três peças a cada temporada, confeccionadas sob medida.

Entrar para o grupo, porém, tem um preço. E alto. O cliente deve ser convidado e pagar US$ 12 mil anuais. Atenção, esse valor dá direito apenas ao título de sócio. As roupas e acessórios devem ser pagos à parte.

Uma jaqueta de cashmere, feita com o pelo das cabras brancas do Tibet, está em torno de US$ 5 mil. Um suéter de lã, mais simplesinho, sai por US$ 2 mil. É possível ainda customizar as peças. Outro dia um milionário do Texas pediu uma calça cargo de couro. Foi prontamente atendido. O preço? Ah, isso é segredo.

“Obrigado por sua paciência”

Os sócios da NB44 podem comprar até 12 peças por ano da marca (Foto: NB44)

As peças são enviadas para casa do comprador, em um baú tão personalizado quanto a sua carga. Se a camisa ou calça não servir, ou se o casaco não cair bem, trocas e devoluções são providenciadas. Ninguém é obrigado a comprar nada, informa a marca.

O serviço estreou com 44 integrantes, escolhidos a dedo por Nicolas. Segundo ele, cerca de 3 mil pessoas já solicitaram o título do clube.

“De forma a garantir um serviço incomparável, a NB44 irá admitir novos integrantes por convite, em uma base sazonal. Obrigado por sua paciência e torcemos para ter a honra de recebê-lo no futuro”, informa o site da empresa. Em suma, preencha o pedido de adesão (não leva mais do que quatro minutos) e espere.

O jogador Pasha Goodarzi é um dos embaixadores da NB44 (Foto: NB44)

O programa inclui ainda eventos e experiências ultradistintos. O cliente gosta de automóveis e aviação? Arte e cultura? Ou quem sabe vinhos? Viagens talvez? Nada disso? Ele não precisa se preocupar, se o dinheiro pode comprar, a empresa pode providenciar.

A NB44 se pretende uma grife jovem. Metade de seus clientes é composta por homens com menos de 40 anos. Diferente das maisons tradicionais de luxo, sempre em busca de garotos propaganda já consagrados, Nicolas escolheu para embaixadores da marca dois atletas ainda em ascensão –Pasha Goodarzi, jogador de basquete da San Jose State University, e cavaleiro mexicano Carlos Hank Guerreiro.

Aos 32 anos, Nicolas entende de sofisticação. Ele é o único homem dos três filhos do estilista iraniano Bijan Pakzad, o lendário Bijan. De uma família de industriais, na década de 1970, o designer trocou Teerã por Los Angeles e construiu um império da moda masculina de ultraluxo.

"Somente com hora marcada"

Inaugurada em outubro de 1976, a The House of Bijan (ou simplesmente Bijan) foi uma das primeiras lojas da hoje badalada Rodeo Drive, em Berverly Hills. Frequentemente descrita como a “boutique mais cara do mundo”, sua fachada amarela é tão famosa quanto placa pendurada na porta: “Somente com hora marcada”.

Na loja, além do amarelo, o destaque fica para o lustre feito com mil frascos de perfume (Foto: The House of Bijan)

Entre os clientes da marca, estão alguns dos homens mais poderosos do mundo. Cinco presidentes americanos (Ronald Reagan, os Bush, Bill Clinton e Barack Obama); vários chefes de estado e políticos, como o rei Juan Carlos, Tony Blair e Vladimir Putin; um sem-número de artistas, como Anthony Hopkins e Tom Cruise; muitos atletas (o jogador de basquete Michael Jordan foi embaixador da marca em 1997), e um tanto de representantes das altas finanças e negócios globais.

O terno Bijan não sai por menos de US$ 12 mil. A gravata mais barata custa US 1 mil, enquanto um par de meias sociais, US$ 160.

Rolls Royce e Bugatti

Foi esse mundo de superlativos que Nicolas assumiu em 2011, aos 19 anos, depois da morte do pai, vítima de um derrame. Desde então, ele vem reinventado a grife, de modo a adaptá-la aos novos tempos.

O Rolls Royce amarelo foi lançado em 2010 (Foto: The House of Bijan)

E, conforme os analistas de mercado, vem dando conta do recado. Alguns relatórios indicam: em 13 anos, as receitas da Bijan duplicaram e hoje o valor da marca gira em tono de US$ 1 bilhão.

Ainda sob gestão do designer iraniano, a empresa avançou para o setor de perfumes, joias e estabeleceu parcerias com montadoras como a Rolls Royce e a Bugatti, para o lançamento de coleções limitadas de carros com a estética Bijan. Mais adiante, em 2019, o filho repetiria os passos do pai, agora com a Aston Martin.

Nicolas faz tudo isso sem se afastar um milímetro da filosofia do pai: peças ultraexclusivas para clientes ultraexclusivos.

O mesmo conceito que ele levou para a NB44. Aliás, o “44” é uma homenagem à data de nascimento de Bijan –4 do 4 de 40.

O futuro é auspicioso para a moda masculina de luxo. Em ascensão por causa de uma abordagem fluida de gênero, da volta da alfaiataria e da crescente popularidade de categorias como a joalheria, globalmente, o mercado deve atingir cerca de US$ 548 bilhões, até 2026, avaliam os analistas da Euromonitor.

Novo endereço, mas com o mesmo Botero

Em um lance audacioso, em 2016, Nicolas vendeu a emblemática loja de dois andares da Rodeo Drive para o grupo de luxo LVMH, por US$ 122 milhões.

É até o hoje o maior valor já pago por metro quadrado nessa que é uma das ruas mais caras do planeta –US$ 19,405 mil.

Em 1991, a família Bijan Pakzad estrelou um anúncio da grife. Nicolas está no colo da mãe (Foto: The House of Bijan)

No processo de expansão da marca, a The House of Bijan foi para o número 443 N da mesma Rodeo Drive. Para o novo espaço, com 3 mil metros a mais do que o antigo endereço, Nicolas levou o amarelo da fachada, a placa, e o lustre feito com mil frascos, em forma de rosquinha, marca registrada dos perfumes Bijan. E, claro, a tela original do pintor colombiano Fernando Botero, intitulada The Rich.