Você já parou para pensar de onde vem o peixe de seu sashimi ou o camarão de sua moqueca? Muito provavelmente, não. Pois é, um em cada cinco animais marinhos comercializados no mundo foi obtido por meio da pesca ilegal. São 26 milhões de toneladas por ano, o equivalente a quase 20% da produção global e US$ 23,5 bilhões, em prejuízos.
A atividade é uma ameaça não apenas aos ecossistemas e à segurança alimentar como ao pleno desenvolvimento da economia azul. O combate ao problema, porém, é difícil. Os entraves resultam da combinação de uma série de fatores --da falta de políticas de fiscalização mais rigorosas à dificuldade de policiamento dos oceanos, especialmente em mar aberto.
Fundada em 2015 pelo Google, Skytruth e Oceana, a Global Fishing Watch (GFW) foi a primeira organização sem fins lucrativos a criar um mapa (quase) em tempo real da atividade pesqueira. Atualmente, a entidade faz o rastreamento de 20% da frota de pesca industrial.
A partir de agora, a GFW está pronta para ampliar sua atuação como “Big Brother dos oceanos”. Graças a um investimento de US$ 60 milhões, feito pelo The Audacious Project, passa a monitorar também centenas de milhares de barcos de pesca de pequena escala, cargueiros e toda infraestrutura fixa no mar, como fazendas de aquicultura, parques eólicos e poços de petróleo.
Com o dinheiro, a organização pretende alavancar sua plataforma, combinando dados de GPS com imagens de satélite, inteligência artificial, aprendizado de máquina e computação em nuvem para dar transparência e sustentabilidade à atividade pesqueira, “tornando o invisível visível”, como defendem os pesquisadores da GFW.
É o maior projeto de monitoramento da atividade humana nos oceanos. A partir da coleta e análise de dados, os analistas da organização querem construir um “oceano digital”, que indique o que está sendo feito no mar, onde e por quem.
Ajuda aos governos
Lançado em 2018, o The Audacious Project é uma iniciativa de financiamento colaborativo entre o TED e ONGs, em busca de “soluções ousadas para os desafios mais prementes do planeta”. Entre os colaboradores estão a Bill & Melinda Gates Foundation, do cofundador da Microsoft, e a Virgin Unite, de Richard Branson, dono do Virgin Group.
“Para proteger os oceanos, precisamos ver e entender tudo o que acontece no mar. E precisamos capacitar instituições e pessoas para agir com base nesse conhecimento”, diz Paolo Domondon, diretor de programas da Global Fishing Watch, em comunicado.
E ele conclui: “Permitiremos que os governos melhorem a gestão de suas águas para melhor proteger o ambiente marinho e as pessoas que dependem dele –tanto usando nossa plataforma tecnológica quanto cocriando ferramentas que atendam às suas necessidades específicas”.
Risco de colapso
Com a crise climática e a escassez de terras agrícolas, a economia azul surge como uma nova fronteira na busca por sistemas agroalimentares mais sustentáveis, produtivos e inclusivos. Ricos em proteínas, minerais e gorduras poliinsaturadas, os alimentos aquáticos são peças-chave para atender às necessidades de uma população em franca expansão.
Para tanto, a produção global deve aumentar entre 35% e 40% até 2030, indicam os analistas da FAO, a agência para alimentação e agricultura da Organização das Nações Unidas (ONU). Mas é urgente mudar o modo como nos apropriamos dos recursos do mar.
Em parte por causa da pesca ilegal, cerca de um terço dos estoques pesqueiros são superexplorados, 60% estão no limite da extração sustentável e apenas 10% se mantêm resilientes –ou seja, são capazes de se recuperar, informa a ONU. Mantido o ritmo atual de exploração, alertam os especialistas, em breve, o sistema colapsará.
“O Velho Oeste”
A pesca ocorre em um área quatro vezes maior do que toda a terra usada atualmente pela agricultura, conforme o The Audacious Project. E a maior parte do oceano não é monitorada.
“O alto mar de hoje é um pouco como o Velho Oeste: um deserto vasto demais para policiar, oferecendo riquezas para aqueles com tolerância ao perigo e, às vezes, um compromisso duvidoso com a lei”, define o escritor americano Harry Stevens, especializado em clima, no artigo A boat went dark. Finding it could help save the world’s fish, de 24 de maio passado, no jornal The Washington Post.
Tubarões ilegais
Nesse vazio de dados, é fácil driblar a lei, destruir o meio ambiente –e sair impune. E, como não podemos controlar o que não conhecemos, iniciativas como as da GFW tornam-se urgentes.
Um caso ocorrido em agosto, de 2017, na reserva marinha de Galápagos, é exemplar da importância e força do monitoramento dos oceanos. Na ocasião, as autoridades equatorianas interceptaram um cargueiro chinês. Os freezers do porão do navio levavam quase 8 mil tubarões e 540 sacos com barbatanas.
Pelas leis do Equador, é proibido navegar pelas águas de Galápagos transportando tubarões mortos. Só de entrar na reserva, o navio já estava violando as leis do país. Mas, graças aos dados da GFW, a Marinha conseguiu recuperar a movimentação do navio, na semana anterior, a cerca de 2,8 mil quilômetros dali, e constatar: a carga era ilegal.
O dono do cargueiro foi multado em US$ 5,9 milhões e o comandante foi condenado a quatro anos de prisão.