O cenário é descrito à exaustão. Em tempos de crise climática, mantido o modo como produzimos e consumimos comida, em 2050, quando formos 10 bilhões de pessoas no mundo, o sistema agroalimentar global não aguentará a pressão e colapsará. O britânico Tony Hunter, porém, não se deixa abater pelo pessimismo.
Um dos mais respeitados futuristas da alimentação da contemporaneidade, ele tem esperança. “Acredito que todos os problemas do planeta podem ser resolvidos com o uso adequado da tecnologia. Atualmente, é impossível falar em comida sem falar em tecnologia”, diz ele, em conversa com o NeoFeed. “Comida é tecnologia.”
Formando em microbiologia e tecnologia dos alimentos, pela University of New South Wales, em Sidney, na Austrália, em 1982, Hunter é o criador do conceito TECHXponential, o conjunto de ferramentas que já está acelerando e moldando o futuro da alimentação.
Para ele, a indústria alimentícia vive o momento mais emocionante das últimas três décadas. “Em 2033, haverá alimentos nas prateleiras dos supermercados, que serão tão nutritivos e saborosos quanto qualquer alimento que temos agora”, prevê o futurista.
Ex-executivo do setor, atualmente, Hunter viaja o mundo ministrando palestras e consultorias. Já assessorou empresas do porte de KFC, PepsiCo e Accenture, entre outras.
Quando tem tempo, o futurista vai para a cozinha de sua casa, no subúrbio à beira mar de Margate, na cidade australiana de Brisbane. E, como bom flexitariano, prepara pratos à base de carne e vegetais, de culturas de todo o mundo. Quanto mais picantes, melhor.
Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista para o NeoFeed:
Como conciliar o aumento na produção de alimentos com a regeneração e preservação do meio ambiente?
Se tentarmos simplesmente expandir o atual sistema alimentar global para produzir de 50% a 70% mais comida, precisaremos desmatar a maior parte do planeta - o que, obviamente, não vai acabar bem. Temos de produzir mais alimentos, usando menos recursos, se quisermos ser sustentáveis, saudáveis e alimentar equitativamente para 10 bilhões de pessoas. Acredito que todos os problemas do planeta possam ser resolvidos com a aplicação adequada da tecnologia. Atualmente, é impossível falar em comida sem falar em tecnologia. Comida é tecnologia.
A quais tecnologias especificamente você se refere?
Durante muito tempo, o setor alimentício viveu o que chamo de “sonolência tecnológica”, um atraso em relação a outras indústrias, como a eletrônica. Nos últimos anos, no entanto, a tecnologia de alimentos vem avançando exponencialmente. O futuro é TECHXponential. Impulsionadas pela inteligência artificial, a computação quântica e os sensores, eu destacaria entre as principais áreas as proteínas alternativas, agricultura celular, genômica, microbioma e biologia sintética.
Quão distante estamos desse futuro?
Em 2033, haverá alimentos nas prateleiras dos supermercados que não existem hoje, que serão tão nutritivos e saborosos quanto qualquer alimento que temos agora. As novas tecnologias que estão surgindo nos permitirão ter uma alimentação sustentável, saudável e igualitária. É o momento mais emocionante para a indústria alimentícia em mais de 30 anos. Comida e bebida são os únicos itens verdadeiramente indispensáveis às necessidades humanas diárias. Todo o resto é discricionário. Você pode, por exemplo, viver bem, se comprar roupa de ano em ano. Comida e bebida, não. Precisamos nos alimentar todos os dias.
"Em 2033, haverá alimentos nas prateleiras dos supermercados que não existem hoje, que serão tão nutritivos e saborosos quanto qualquer alimento que temos agora. As novas tecnologias que estão surgindo nos permitirão ter uma alimentação sustentável, saudável e igualitária"
Como, na prática, essas ferramentas podem ajudar o planeta?
Essas tecnologias permitem a produção de comida com o uso de pouca, ou às vezes, nenhuma terra e água doce. Exigem quantidades menores de recursos, como nitrogênio e fósforo sintéticos. A dissociação dos alimentos da tirania da terra arável e água doce permitiria a muitos países evitar problemas de abastecimento e atingir um alto nível de autossuficiência e segurança alimentar. Até pouco tempo atrás, isso seria impensável. A esperança é que possamos isolar cada vez mais nosso suprimento de alimentos dos impactos fronteiriços das pandemias e reimaginar os sistemas agroalimentares para usar terras não aráveis e até água salgada na produção de alimentos e ingredientes.
Em relação ao comportamento dos consumidores, quais foram as principais mudanças?
Como futurista, estou olhando para daqui a cinco, dez, vinte anos. Todo mundo fala sobre os millenials e a geração Z, mas precisamos olhar para a geração que vem depois, a Alpha. Em 2024, haverá 2 bilhões de Alpha, a maior geração da história a viver no planeta. Eles representarão cerca de 25% da população global. E todos nós sabemos a enorme influência que os pré-adolescentes e os adolescentes têm na dieta da família! As gerações Z e, em especial, a Alpha, não são apenas nativos digitais. São nativos de tecnologia. Cresceram com empresas privadas lançando foguetes para o espaço, vacinas de mRNA, drones, smartphones, serviços de streaming, robôs dançantes da Boston Dynamics e, provavelmente, conhecerão as primeiras colônias em Marte! As pesquisas sobre a geração Z mostram que eles aceitam um nível de tecnologia muito mais alto na fabricação de seus alimentos do que as gerações anteriores.
Você poderia dar mais detalhes?
Um estudo, por exemplo, mostrou que 77% dos representantes da gen Z experimentariam alimentos produzidos a partir da tecnologia. Entre os millenials, 67%; e entre os da geração X e os baby boomers, 58%. Imagine então a geração Alpha.... Seus valores conduzirão o futuro dos alimentos.
E a indústria está preparada para esses novos consumidores?
Não, não estão dando a devida atenção à geração Alpha. Em sua maioria, as empresas ainda estão presas à geração Z. As companhias precisam saber quais são as expectativas dos Alpha, sua influência hoje nos gastos com alimentação. Entender essas questões é fundamental para dar vantagem competitiva a uma empresa. Quem esperar muito vai perder a oportunidade de se envolver com a geração mais importante. Nós exploramos o futuro para que possamos tomar as melhores decisões hoje.
"As empresas ainda estão presas à geração Z. As companhias precisam saber quais são as expectativas dos Alpha, sua influência hoje nos gastos com alimentação. Entender essas questões é fundamental para dar vantagem competitiva a uma empresa"
Qual é a importância do Brasil na transição para sistemas mais sustentáveis, produtivos e inclusivos?
Como o quinto maior país do mundo em área e o sétimo mais populoso, o Brasil tem um grande impacto sobre a oferta e o consumo global de alimentos. É também o quinto maior consumidor per capita de carne. Pesquisa do Good Food Institute mostra que o mercado brasileiro de produtos vegetais é o quinto maior do mundo e cresce 20% ao ano – a taxa média global é 8%. Além disso, uma pesquisa da Dupont mostrou que 62% dos brasileiros estão interessados em alimentos à base de plantas e que 14% estão consumindo mais proteínas alternativas. O Brasil pode causar um grande impacto no futuro da alimentação, mas será que o país vai agarrar essa oportunidade?