Inspirados por pesquisas realizadas pela Nasa, na década de 1960, alguns empreendedores começaram a investigar a possibilidade de se produzir alimentos a partir do ar. E, graças às tecnologias emergentes, eles foram (muito, muito) mais longe do que os cientistas do programa espacial americano.
O grupo ainda é pequeno, mas, nos últimos anos, vem ganhando força. Seis empresas dominam 62,8% do setor –as americanas Kiverdi, Calysta, Novonutrients e Air Protein; a inglesa Deepbranch e a finlandesa Solar Foods. Os avanços recentes da foodtech escandinava ilustram à perfeição o potencial do ar como alternativa aos métodos tradicionais de produção de alimentos.
Fundada em 2017, em Helsinque, a Solar Foods acaba de anunciar o investimento de US$ 43 milhões em uma fábrica maior, a Factory 01, na cidade de Vantaa, a 20 minutos da capital. Prevista para ficar pronta no primeiro trimestre de 2024, a instalação está projetada para produzir, anualmente, 120 toneladas da proteína Solein.
Sob a forma de um pó amarelo, o produto é obtido por meio da fermentação de precisão. Usando as ferramentas da biotecnologia, a equipe de P&D da startup conseguiu transformar uma cepa da bactéria Xanthobacter em usina microscópica do nutriente.
Os micróbios são alimentados como se alimenta uma planta. Em vez de regá-lo e fertilizá-lo, no entanto, a Solar usa apenas eletricidade (de fontes renováveis, frise-se) e hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e carbono, capturados da atmosfera.
“A Solein pode não ser tradicional, mas é natural. E a melhor parte? Não vai acabar”, lê-se em comunicado da empresa. Com a degradação das terras agrícolas, a escassez hídrica e a superexploração dos estoques pesqueiros, é uma ótima notícia.
Frente ao crescimento exponencial da população, é preciso mudar radicalmente a forma como produzimos comida. A pegada ecológica da Solein equivale a um décimo e um centésimo das proteínas de origem vegetal e animal, respectivamente, lê-se em no relatório de sustentabilidade da startup.
Com uma composição de macronutrientes muito semelhante à da soja seca ou da alga, a inovação contém entre 65% a 70% de proteína, 5% a 8% de gorduras (a maioria, insaturada) e 3% a 5% de minerais, além dos nove aminoácidos essências ao bom funcionamento do organismo.
A princípio, a Solein é para ser usada no preparo de salgados e doces. No início do ano, Singapura foi o primeiro país do mundo a aprovar um produto à base de ar. E, em julho, o moderninho Fico, restaurante italiano do chef Mirkko Febbrile, no centro da cidade, incorporou ao cardápio o sorvete Solein Chocolate Gelato, “a sobremesa do nada”. A Solar está no aguardo do O.K. das autoridades regulatórias para levar sua proteína de ar para os Estados Unidos e a Europa.
Para Pasi Vainikka, confundador e CEO da Solar, a revolução alimentar deflagrada pelos alimentos feitos de ar no século 21 terá o mesmo impacto na alimentação humana quanto a popularização da batata a partir do século 16.
Com uma diferença, porém. O tubérculo foi adotado em larga escala por três motivos: apresentava baixa taxa de deterioração, promovia a saciedade com porções pequenas e era barato. No caso das proteínas de ar, os inovadores têm de vencer ainda alguns obstáculos. Além da aceitação dos consumidores, os custos de produção ainda são altos, se comparados aos gastos com produção das proteínas tradicionais.
Se depender dos capitalistas de risco, porém, o futuro já é. A Solar acumula US$ 42 milhões em financiamentos. Mais antiga no mercado, desde 2011, a Calysta levantou US$ 221,4 milhões. A Air Protein, US$ 107 milhões, nos últimos quatro anos; e a Kiverdi, US$ 32 milhões, conforme dados da plataforma Crunchbase.
Grandes companhias também já demonstraram interesse na novidade. A Archer Daniels Midland (ADM), por exemplo, uma das maiores tradings agrícolas do mundo, se uniu à Kiverdi, para o desenvolvimento de novos produtos.
É fácil entender o entusiasmo de empreendedores, investidores e players antigos do setor. Confirmadas as expectativas, as proteínas baseadas em ar podem alimentar tanto as pessoas aqui na Terra quanto fora dela.
Não à toa, em março do ano passado, a Solar contratou o físico e “quase astronauta” Arttu Lukanen como vice-presidente sênior de Espaço e Resiliência. Com vasta experiência na indústria aeroespacial, o executivo está responsável pela construção da primeira versão de um biorreator capaz de ser adaptado ao interior de um foguete. Quase 70 anos depois, com a força dos inovadores 4.0, o projeto da Nasa pode finalmente decolar.