Fruto de um projeto de inovação da Embraer, a Eve criou asas no fim de 2020. Na época, a operação ganhou status de spin-off e mais autonomia de voo para decolar no mercado nascente das aeronaves elétricas de pouso e decolagem vertical (eVTOL), também chamadas de “carros voadores”.

Em maio deste ano, em outra escala desse plano, a startup desembarcou na Bolsa de Nova York, a partir da fusão com a Zanite, uma Special Purpose Acquisition Company (SPAC). Na trilha dessas manobras, a Eve já fechou acordos de compra de 2.770 aeronaves, com 26 clientes, em mais de dez países, que somam pouco mais de US$ 8 bilhões.

Agora, a empresa está reforçando a presença do Brasil como um dos destinos da sua operação. Nesta quinta-feira, 8 de dezembro, a Eve anuncia um acordo com a FlyBIS, de Caxias do Sul (RS), que envolve, entre outros termos, uma carta de intenção de compra de 40 aeronaves.

“O Brasil tem todas as condições de ser um dos pioneiros na adoção desse modelo de mobilidade aérea urbana”, afirma Andre Stein, co-CEO da Eve, ao NeoFeed. “E essa parceria mostra que esse potencial não está restrito ao eixo Rio-São Paulo.”

Com a FlyBIS, a Eve chega a um backlog de 215 aeronaves no Brasil, em uma carteira que inclui ainda a Helisul e a Avantto. Fundada em 2022, a FlyBIS foi criada por cofundadores da Brave, empresa gaúcha de compartilhamento de aeronaves e que já é cliente da Embraer no segmento de aviação executiva.

Assim como nas demais parcerias da Eve, o acordo com a startup gaúcha não se limita à venda das aeronaves, cujas primeiras entregas, como em todos os casos, estão previstas para 2026. Ele também pode incluir sistemas de controle de tráfego aéreo, além de serviços como treinamento de pilotos e manutenção.

Dentro dessa abordagem, a Eve não irá responder diretamente pelas operações dos chamados “vertiportos”, mas ajudará a desenvolver todos os elos que compõem e viabilizam esse ecossistema. E, nessa direção, o novo acordo ampliar os horizontes de sua atuação.

“A ideia inicial da FlyBIS é ter operações na região Sul, que tem um grande tráfego de turismo, em função dos vinhos e dos balneários, o que mostra que o modelo não está restrito aos grandes centros”, diz Stein. “E, em um segundo momento, o plano é expandir para países vizinhos, como Argentina e Uruguai.”

O Brasil abriga outra escala importante no projeto da Eve. Em fevereiro desse ano, a empresa deu entrada no processo para obter a certificação de suas aeronaves junto à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). A expectativa é de que esse trâmite seja concluído pouco antes das primeiras entregas, em 2026.

Como a Anac tem acordos bilaterais com agências como a FAA, dos Estados Unidos, e a europeia EASA, esse processo é considerado um atalho para obter a certificação também nesses mercados.

Andre Stein, Co-CEO da Eve

Levando-se em conta apenas o Brasil, alguns números de um estudo da Eve em parceria com a KPMG dão a medida do potencial do segmento. A projeção aponta para um mercado de cerca de 1,5 mil aeronaves no País até 2035, com um volume anual de 27,2 milhões de passageiros.

Globalmente, a projeção é de que o setor movimente US$ 750 bilhões até 2040, com uma base de 100 mil aeronaves. “É um oceano azul. O mercado ainda não existe, mas a demanda reprimida está lá” diz. “As pessoas não usam essa opção porque ainda não existe uma solução disponível.”

Ele explica que os eVTOLs carregam a promessa de uma opção mais acessível no transporte aéreo urbano. Os motores elétricos, por exemplo, permitem reduzir o custo com combustíveis – o maior da aviação, com um ganho estimado de eficiência entre seis e sete vezes comparado a um helicóptero.

Concorrência e combustível

Outras empresas estão de olho nesse mercado bilionário. O interesse inclui gigantes como a Airbus, que já está desenvolvendo os protótipos do CityAirbus, sua geração para tentar consolidar a presença nesse novo espaço.

Há startups que também aterrissaram no mercado de capitais por meio de SPACs, casos das americanas Joby e Archer, avaliadas, respectivamente, em US$ 2,1 bilhões e US$ 554 milhões. Outro exemplo é a britânica Vertical Aerospace, que tem um protocolo assinado com a Gol para a compra de 250 aeronaves.

“Na maioria das vezes, o papo de que a competição é boa é uma balela. Mas, nesse caso, como a indústria precisa se desenvolver, essa afirmação é válida”, diz Stein. “Mas vai haver uma consolidação. Hoje, se fala em 200 projetos, mas a maioria é conceitual. Os projetos reais são, no máximo, meia dúzia.”

Ao incluir, claro, a Eve nessa conta, ele ressalta que o IPO trouxe uma situação de caixa confortável à operação, avaliada em US$ 2,02 bilhões, um pouco acima do valuation de US$ 1,9 bilhão da Embraer.

A Eve está avaliada em US$ 2,02 bilhões, um pouco acima do valuation de US$ 1,9 bilhão da Embraer

Ao lado de nomes como a Azorra Aviation, SkyWest e Rolls-Royce, a Embraer participou do aporte de US$ 305 milhões que ancorou o IPO da Eve. Em setembro, essa lista ganhou o reforço da United Airlines, que investiu US$ 15 milhões na operação e assinou um acordo para a compra de até 400 aeronaves.

“Temos um bom fôlego de caixa para a operação até 2024, 2025”, afirma Stein. “Isso nos dá um bom prazo para desenvolver o projeto sem ter que, necessariamente, levantar capital de novo.”

Ele aponta outro fator que julga ser positivo para uma operação que ainda é deficitária. No primeiro semestre de 2022, a Eve reportou um prejuízo de US$ 21,3 milhões, contra US$ 4,6 milhões, em igual período, um ano antes.

A startup tem acesso aos times e às estruturas da Embraer. Em softwares, isso inclui projetos a quatro mãos com a Atech, outra empresa do grupo. Já no que diz respeito à produção, ainda em fase de definição, uma das opções prováveis é concentrar parte da fabricação nas instalações da Embraer no Brasil.

“Nós conseguimos otimizar muito da operação, inclusive, com o acesso a toda propriedade intelectual da Embraer, sem ter que pagar por isso”, diz Stein, que brinca. “Temos o melhor dos dois mundos. Alguns amigos até implicam comigo dizendo que é como montar uma startup no apartamento da mãe no Leblon.”