A América sombria de 1971 – leia-se, Estados Unidos – vivia o primeiro ano de uma década que poderia ser descrita depois como da ressaca dos sonhos da anterior. Ou do fim das utopias libertárias e do prazer. Uma frase de John Lennon sobre o anúncio do fim dos Beatles um ano antes resumia bem o que viria a seguir: “O sonho acabou”.

O cinema dava sinais de derrocada havia alguns anos, com a massificação da TV e os estúdios continuavam a buscar saídas para sobreviver em meio a dívidas milionárias com produções de filmes e séries para a telinha. O negócio chegou, então, a um passo da falência.

Tudo isso, porém, permitiu surgir um movimento que seria chamado de Nova Hollywood, Hollywood pós-clássica ou American New Wave, que renovou a produção técnica e estética da indústria naquele país. Na prática, com bastante atraso em relação à Europa, ganhava espaço o cinema autoral, inspirado na vanguarda de italianos, franceses e ingleses dos últimos 20 anos.

Sua contribuição, além da estética, estava no empenho em estabelecer um diálogo com os movimentos políticos, sociais e culturais. Nesses filmes, fazia-se a defesa da contracultura, da igualdade racial, da liberalização de costumes e do pacifismo contra intervenções armadas americanas pela maioria dos continentes.

Desse conceito nasceu uma geração de cineastas razoavelmente livres do controle dos grandes estúdios e com um olhar mais crítico e incisivo sobre a sociedade americana, como escreveu Filipe Furtado, no catálogo da exposição “Easy Riders – O Cinema da Nova Hollywood", realizada no Centro Cultural Banco do Brasil, em 2015.

Faziam parte dessa turma de talentos nomes experientes como John Cassavetes, Robert Mulligan, Arthur Penn, Robert Aldrich, Sam Peckinpah e Don Siegel. Da nova geração surgiram talentos que brilham até hoje, como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Peter Bogdanovich, Michael Cimino, Paul Schrader, George Lucas, Steven Spielberg e Brian De Palma, entre outros.

Couberam a eles renovar e liderar o retorno do cinema americano ao protagonismo de décadas passadas e influenciar os tipos de filmes realizados, a sua produção e distribuição e seu relacionamento com os grandes estúdios. E fizeram isso a partir de 1971, ano em que foram lançados alguns dos melhores filmes de todos os tempos.

Aquele foi o ano de estreia de diretores de Steven Spielberg (Encurralado), George Lucas (THX 1138) e Woody Allen (Bananas). Realizou-se tantas produções importantes que o site brasileiro Melhoresfilmes.com listou, a partir de opinião do público, nada menos que 272 com qualidade acima da média.

Sem esquecer que o poderoso chefão, de Coppola, foi realizado em 1971, em meio a essa efervescência, mas só foi lançado no ano seguinte. Confira uma lista de 10 filmes que marcaram aquele ano especial do cinema mundial.

1 – Laranja Mecânica (A Clockwork Orange)
O longa de Stanley Kubrick se passa no futuro e foca em uma gangue de adolescentes drogados que vive de invadir mansões em Londres, e de assaltar, espancar os proprietários e estuprar suas mulheres. Até que o líder da gangue é submetido a um programa de recondicionamento moral pelo Estado. Ao sair regenerado da prisão, ele passa a sofrer retaliações daqueles que antes eram suas vítimas, sem poder reagir. Ao som de clássicos de Beethoven, é uma das mais fascinantes experiências visuais e estéticas que o cinema já produziu.

2 – A última sessão de cinema (The Last Picture Show)
Filmado em preto e branco, é um dos mais atordoantes filmes sobre a decadência do modelo de vida americano. A riqueza de simbologias da história e a força de interpretação do elenco deixam o espectador atordoado. O jovem diretor Peter Bogdanovich narrou a história de uma pequena e desolada cidade do interior dos EUA, cujo único cinema está prestes a fechar e, desse modo, sepultar um tempo de glória que se seguiu à Segunda Guerra Mundial.

Em meio a personagens que parecem definhar com o lugar, dois amigos discutem seu futuro: ficar ali, ou ganhar o mundo e aproveitar, de fato, a vida. Na edição em DVD, vem o lendário strip-tease da atriz Cybil Shepard, censurado na época.

3 – Operação França (The French Connection)
A década de 1970 seria marcada por grandes filmes e séries policiais no cinema e na TV. E começou muito bem com essa trama hiper-realista do diretor William Friedkin, que faria dois anos depois O Exorcista, que consagrou o ator Gene Hackman. Na trama, dois policiais exemplares de Nova York tentam interceptar um carregamento de heroína vindo da França.

No primeiro momento, o que impressiona é que o longa traz uma das maiores cenas de perseguição entre automóveis do cinema, até hoje insuperável. Mas é possível assistir, com enorme impacto, o modo como explora o submundo das drogas nos Estados Unidos, sem pasteurizar a trama entre mocinhos e bandidos. Ao mesmo tempo, escancara as dimensões de um negócio com leis próprias e de extrema violência.

4 – A última esperança da Terra (The Omega Man)
Nesse drama de ficção científica, o diretor Boris Sagal intriga quem assiste do primeiro ao último minuto. Pense que a humanidade foi dizimada e resta apenas um humano na Terra. Até que este sente estranhas presenças e descobre que um ex-jornalista de televisão comanda mutantes sensíveis à luz que passam a circular para prendê-lo.

A história é protagonizada por Charlton Heston, astro do Planeta dos Macacos, lançado três anos antes. Essa mesma história tinha sido filmada oito anos antes, com Vincent Price. Mas, nas mãos de Sagal, não há como não se impressionar que tudo se passa em uma Nova York de ruas completamente vazias, quando não havia tecnologia para apagar imagens e objetos dos cenários.

5 – Morte em Veneza (Morte a Venezia)
Além do cinema de vanguarda americano, o italiano continuava a render grandes filmes. Como essa obra-prima dramática de Luchino Visconti, adaptada do livro homônimo de Thomas Mann, sobre a vida de um compositor de meia idade de férias no exterior que começa a ser destruída por uma grande e secreta paixão homossexual.

Veterano, o diretor está no mais completo domínio narrativo da linguagem cinematográfica, inclusive do ponto de vista estético, quando ele se propõe a enfocar a impiedosa ação do tempo, que nada poupa e contrapõe maturidade com juventude, e inviabiliza os sentimentos. Seria reconhecido como um dos filmes mais pessoais e intrigantes do mestre italiano.

6 – A fantástica fábrica de chocolate (Willy Wonka & the Chocolate Factory)
Clássico absoluto de gerações de crianças e adultos brasileiros que cresceram vendo incontáveis reprises na Sessão da Tarde, da Rede Globo, o filme de Mel Stuart explora de um modo um tanto maniqueísta os conflitos de classe e critica a educação burguesa londrina nessa história juvenil de pura magia e encantamento.

O protagonista é o pobre garoto Charlie, que vive com a mãe e os avós, e se torna um dos vencedores de um concurso mundial e junto com outras quatro crianças – cujas famílias abastadas não mediram esforços para conseguir colocá-las dentro do passeio. O bilhete premiado lhe dá direito a conhecer os segredos da fábrica de chocolate de Willy Wonka, fechada há anos para o público.

7 – Houve uma Vez um Verão (Summer of '42)
O amor entre um menino e uma jovem senhora ganhou contornos inesquecíveis com a trilha sonora do compositor Michel Legrand. Do diretor Robert Mulligan, esse filme delicado e poético narra a história de um adolescente e seus amigos que vão passar as férias de verão em uma ilha com seus pais. A principal preocupação de um deles é perder a virgindade, enquanto o outro se apaixona seriamente por uma mulher mais velha casada, cujo marido está indo para a guerra. Com Jennifer O'Neill em uma de suas melhores performances.

8 – Encurralado (Duel)
Em sua estreia como diretor de filmes, feito para televisão, Steven Spielberg conseguiu fazer um dos longas mais brilhantes de perseguição, com poucos recursos. Impossível ficar quieto na cadeira nesse suspense hipnotizante, com uma história de poucos diálogos e que potencializa ao extremo a violência nas estradas.

Tudo começa quando o pacato corretor de seguros David Mann viaja em seu carro pelas rodovias da Califórnia e começa a ser importunado por um gigantesco caminhão, que parece querer brincar com ele perigosamente na estrada. Mas David logo descobre que tem que lutar por sua vida para escapar do lunático no volante.

9 – Ensina-me a viver (Harold and Maude)
Como o título brasileiro sugere, é um daqueles filmes carregados de emoção e que pode fazer muita gente chorar. O diretor Hal Ashby construiu um daqueles personagens inesquecíveis, um jovem de 20 anos de idade que é obcecado pela morte e frequentador assíduo de funerais.

Até que encontra um novo sentido para sua vida ao conhecer uma senhora de 79 anos, cheia de vida, e decide se casar com ela. Pode parecer meio sem pé nem cabeça, mas só assistindo para entender por que é tão cultuado. A começar pela excelente atuação de Ruth Gordon. De qualquer modo, é uma deliciosa comédia de humor-negro com uma trilha sonora inesquecível de Cat Stevens.

10 – Perseguidor Implacável (Dirty Harry)
Dirigido por Don Siegel, um dos mestres dos filmes de ação dos anos de 1960 e 1970, esse policial fora do comum com o durão Clint Eastwood mostra-o como um tira inteligente, experiente e imbatível em pancadarias, tiroteios e perseguições.

Ele não medirá esforços para prender um franco atirador que aterroriza a cidade, ao matar aleatoriamente pessoas inocentes e exige resgate para parar. Um cinema de ação que está entre os melhores já realizados e que não perdeu o vigor depois de tanto tempo.