Nesse mundo de relações e conexões globais, uso integrado de dados e tantas outras tecnologias, não há nada mais inovador e transformador do que uma cultura empresarial inclusiva e igualitária.
A Getting to Equal, pesquisa feita pela Accenture com profissionais e executivos C-Level espalhados pelo mundo inteiro, incluindo Brasil, confirma que 95% enxergam inovação como vital para sua competitividade e viabilização de negócios. E o mesmo estudo aponta que a inovação não está necessariamente em novas ferramentas tecnológicas e sim na capacidade de proporcionar ambientes que permitam uma mentalidade de inovação.
Mentalidade criativa essa – preparada para contribuir com as novas formas de se fazer negócio – que é encontrada cinco vezes mais em empresas com uma cultura inclusiva e igualitária. Porém, o abismo desigual no nosso universo corporativo mostra o quanto temos de espaço inventivo ainda não ocupado.
O Instituto Ethos, em parceria com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), aponta que entre as 500 maiores empresas do país, apenas 13% das cadeiras da alta liderança são ocupadas por mulheres, apenas 4,7% por profissionais negros e quando pensamos na intersecção entre gênero e raça, este número cai para apenas 0,4% de mulheres negras nestes espaços de decisão.
Sabendo que todos estes grupos representam a maior parte do país de acordo com o IBGE, temos o curioso dado de que mais de 80% destes espaços de poder são ocupados apenas por um único grupo, composto por homens brancos, sendo que eles representam o menor grupo demográfico da nossa sociedade.
Neste jogo de números, a minha reflexão – sendo eu uma profissional de comunicação que navega há quase 18 anos pelas estratégias de grandes marcas e corporações – é sempre sobre como queremos cobrar e esperar mais inventividade das nossas empresas.
Como queremos fontes plurais se ainda temos como ponto de partida as decisões de um único grupo?
Como queremos fontes plurais se ainda temos como ponto de partida as decisões de um único grupo? Como olhar para o novo se temos a premissa equivocada de que a inovação e a criatividade virão apenas do perfil que, em todas as pirâmides sociais, aparece como norma?
Enquanto não ressignificarmos o que é norma no ambiente corporativo, não podemos falar sobre meritocracia que etimologicamente se refere ao mérito enquanto indivíduo. E, se concordarmos com os números atuais, estaremos consequentemente caindo no perigo de achar que talento e competência só existem em um único perfil.
Sempre sugiro nas mesas de reunião que participo, onde geralmente sou a única executiva negra, que a conversa seja menos sobre o grupo de homens brancos que ainda ocupa este lugar e mais sobre as novas possibilidades e soluções de negócio que estamos deixando de construir.
Sim, deixando de construir por não buscar novos olhares e talentos para além deste grupo, identificando assim todo o potencial, criatividade, inventividade, saberes e conhecimento que estão espalhados nos mais variados perfis do Brasil de verdade, o profundo e com características continentais.
Chimamanda Ngozie Nichie, escritora nigeriana, fala em uma de suas palestras sobre o perigo da história única. Já Djamila Ribeiro, filósofa e escritora brasileira, fala sobre a importância de se romper com os silêncios. No Brasil, onde mulheres e negros são maioria, mas seguem sub-representados nos espaços de poder, ouso dizer que se as empresas não romperem hoje com esse ciclo silencioso no qual a liderança é herdada do nosso passado colonial, a transformação tão urgente para os novos tempos que nos esperam, continuará ocorrendo nas ruas do Brasil e do mundo, onde o radar míope e unilateral do mundo corporativo ainda não consegue chegar.
Raphaella Martins Antonio é publicitária, eleita em 2019 pela YouPix como uma das 15 pessoas que mais contribuíram com o mercado de conteúdo e influência no Brasil. Ela também foi uma das idealizadoras e líderes do Programa Thompson 20/20, primeiro programa de equidade racial na indústria brasileira de comunicação.