Hidratação virou tendência. Mas não qualquer hidratação. Conforme avançam os conhecimentos sobre a fisiologia do esporte, cresce a tese de que a boa e velha água não é capaz de, sozinha, repor os minerais perdidos constantemente pelo organismo. Aliás, beber água demais pode até ter o efeito contrário e nos desidratar — muitas vezes, sem que percebamos.

A verdadeira hidratação só seria possível com a reposição de eletrólitos, substâncias que, como um caminhão-pipa, levam água para dentro de nossas células. Sucesso nas redes sociais, vendidos sob a forma de pó, os produtos eletrolíticos já movimentam uma indústria bilionária — que, nas projeções dos analistas de mercado, está prevista para crescer ainda mais.

Globalmente, os chamados repositores de eletrólitos movimentaram US$ 38,3 bilhões em 2024, nos cálculos da Global Market Insights. Até 2034, devem atingir US$ 66,6 bilhões, avançando a uma taxa de crescimento anual composta de 5,6% no período.

“O setor é impulsionado pela crescente conscientização do consumidor sobre o papel da hidratação na saúde e no bem-estar, pelo maior engajamento à prática de atividade física e pela demanda cada vez maior por bebidas funcionais”, lê-se em relatório da consultoria.

Quando foi proposta pela primeira vez nos anos 1960, a reposição eletrolítica destinava-se apenas a atletas. A primeira delas, o Gatorade, foi criada pelo médico Robert Cade e uma equipe de cientistas da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, para ajudar jogadores de futebol americano a se recuperarem depois de treinos mais longos e pesados.

Com os progressos da ciência e a produção de bebidas de baixas calorias, os eletrólitos estão agora sob o guarda-chuva do poderoso setor de wellness e são agora usados mesmo por quem não pratica exercícios físicos de alta intensidade. Há quem, por exemplo, não goste de água pura, encontrando nesses produtos uma forma de hidratação mais saborosa.

Nos Estados Unidos, onde o “consumo eletrolítico” está consolidado há pelo menos uma década, eles cresceram 20% apenas em 2024 — movimentando hoje US$ 1,5 bilhão.

"Power brand"

O boom fez com que marcas como a Liquid I.V., fundada em 2012, recebessem a chancela de gigantes como a Unilever, que adquiriu a empresa em 2020 e a levou para diversos países, inclusive o Brasil. No último balanço financeiro da companhia, a Liquid se mostrou próxima a bater US$ 1 bilhão em valor de mercado, virando uma 'power brand' para a gigante de bens de consumo.

Por aqui, esse movimento foi mais lento. Apenas em 2023 começaram a surgir empresas dedicadas à reposição eletrolítica. Uma delas é a Liquidz, lançada em 2024, por Octavio Domit, Victório Braccialli Neto e Arthur Larsen Machado.

Octavio Domit tem 41 anos, é triatleta e cofundador da Liquidz

Os sachês da marca são encontrados em quatro sabores e custam R$ 7,50 por unidade

Nos Estados Unidos, a líder de mercado é a Liquid I.V., comprada pela Unilever em 2020

Apesar de, no Brasil, apenas 8% da população praticar esportes, o primeiro ano de vida da companhia foi auspicioso. Após passar oito meses desenvolvendo o produto, o trio recebeu uma rodada de investimentos de familiares e amigos que contou com a presença do técnico da seleção brasileira de vôlei e duas vezes campeão olímpico, Bernardo Rezende.

Os hidratantes em pó da Liquidz são comercializados em 600 pontos de venda físicos, além do e-commerce. A R$ 7,50, cada sachê conta com 600 miligramas de eletrólitos — o equivalente à quantidade perdida por um adulto no suor em uma hora de exercícios. Sem adição de açúcar ou corantes, os ingredientes são todos orgânicos, anuncia o fabricante.

A ideia do negócio nasceu de um mal-estar do triatleta Octávio. Por volta de 2016, depois de aumentar a prática de esportes, ele passou a conviver com cansaço extremo, ansiedade, insônia… Ao consultar o médico, o diagnóstico assustou: desidratação. Como assim? Na época, o empresário consumia em torno de quatro litros de água por dia.

“Para quem já foi vegano, vegetariano, cetogênico e nunca teve nenhum problema de saúde, aquilo se tornou uma grande preocupação”, conta ao NeoFeed. “Ao saber que era falta de hidratação, fiquei ainda mais surpreso.”

Ele, que havia se especializado em nutrição pela Universidade Stanford, nos Estados Unidos, achava que a água daria conta de mantê-lo hidratado. Mas não. Octávio precisava de uma hidratação mais poderosa.

Ao procurar no mercado, uma nova decepção. Os isotônicos disponíveis no mercado brasileiro tinham muitos conservantes e uma grande quantidade de carboidratos — cerca de 30 gramas a cada 500 mililitros, o que para ele era muita coisa. Assim nasceu a Liquidz.

Desidratação, apesar da água

A hidratação é uma questão para grande parte da população. Isso porque, mesmo sem gastar muitas calorias ou suar demais, nosso organismo perde minerais constantemente.

“Nosso corpo é composto por 70% de água e tem aproximadamente 600 músculos, que, ao serem ativados, da maneira que for, gastam essa água e podem ficar desidratados”, explica ao NeoFeed Isaias Rodrigues, educador físico, nutricionista e fisioterapeuta. “Junto com essa água, os principais eletrólitos do corpo, potássio, sódio e magnésio, também vão embora, reduzindo a potência muscular e o desempenho daquela pessoa.”

Por isso, Isaías acredita que é necessário, sim, fazer o uso de hidratantes à base desses componentes. Porém, é preciso ter cuidado com a quantidade consumida e o momento em que eles são ingeridos.

“Caso seja administrada uma quantidade grande, eles podem causar estufamento gástrico”, explica o especialista. “Não é necessária uma reposição tão grande quanto as pessoas imaginam durante os treinos, mas ela não pode ser esquecida.”

Ele reforça também que é preciso ficar atento à quantidade de calorias presentes nesses produtos. Em alguns casos, é possível ingerir mais de 100 calorias por bebida, o que pode causar até ganho de peso. Para ele, o resumo é: consuma com moderação.

Para entender o impacto dos eletrólitos no organismo, é preciso lembrar das aulas de biologia da escola.

Minerais como sódio, potássio e magnésio, entre outros, os eletrólitos são imprescindíveis ao bom funcionamento do organismo.

Eles mantêm o equilíbrio hídrico, gerenciam a pressão arterial, permitem a contração muscular e a regeneração de tecidos lesionados, além de participar da transmissão de impulsos elétricos, entre tantas outras funções.

Essas substâncias levam água para dentro das células quando estão diluídas no sangue e outros fluidos corporais. Se a ingestão de água for muito grande, os eletrólitos ficam ainda mais “aguados” e eles perdem a função. Por isso, é possível desidratar mesmo bebendo água.