Não mais do que cinco anos atrás, com raras exceções, diversidade era um assunto menor nas empresas, normalmente cercado de desinteresse explícito e controvérsias de vários tipos. De um lado, havia os que achavam bobagem discutir vieses inconscientes por se verem como pessoas racionais, instruídas, civilizadas e não preconceituosas. De outro, os que se chateavam abertamente com argumentos tidos como ofensivos à ideologia da meritocracia, como a proposição de cotas para minorias.
O mau humor, transformado em bem disfarçada rejeição, encobria, na verdade, uma dificuldade de lidar com os próprios preconceitos, especialmente os de gênero, raça (num país em que mulheres e negros são a maioria) e orientação sexual, algo que pude conferir in loco uma dezena de vezes.
Hoje diversidade é, entre os temas abrigados sob o guarda-chuva da sustentabilidade, um dos mais estratégicos. Senão o mais estratégico. Ou pelo menos o mais atrativo. Em alta nas empresas, tem sido objeto crescente de políticas, treinamentos, estratégias e posicionamentos públicos específicos.
Tem sido também conteúdo central de advocacy, base para manifestos corporativos e em mensagem-chave em discursos de líderes que, nesses tempos de employer branding, escolheram estrategicamente ser percebidos como porta-vozes de um tema tão contemporâneo.
O que aconteceu nas empresas para justificar, em tão curto espaço de tempo, a valorização de um tema que não estava na gestão e na cultura? As muitas razões talvez possam caber numa única, mais geral: a percepção cada vez mais concreta de que diversidade faz bem para os negócios. Ou, como gosto de dizer, a constatação de que, hoje mais do que em outros tempos, valores como a diversidade, mas também ética, transparência, respeito pelo outro e cuidado com o meio ambiente, geram valor econômico.
São cinco os benefícios da diversidade mais claramente percebidos. O primeiro diz respeito ao fato de que, nas empresas mais diversas, os colaboradores tendem a ser mais colaborativos e engajados, fetiche número um dos contratantes desde que existe empresa.
Nas corporações com práticas de diversidade, os colaboradores estão 17% mais dispostos a cumprir mais tarefas do que as exigidas por suas funções
A Harvard Business Review (2016) encontrou um número para essa tendência. Nas corporações com práticas de diversidade, os colaboradores estão 17% mais dispostos a cumprir mais tarefas do que as exigidas por suas funções. Nelas, os conflitos caem pela metade em grande medida porque, num ambiente que valoriza as diferenças, os indivíduos se sentem mais à vontade para dialogar, aprender e compartilhar. Há mais espaço para a cooperação. Apenas para se ter uma ideia: funcionários LGBTI+ não assumidos estão 73% mais propensos a deixar seus postos de trabalho em relação aos assumidos.
Segundo o estudo Brazil 2017 Report/ Out Now Global LGBT 2030, apenas 36% dos colaboradores LGBTI+ assumem sua orientação sexual para colegas de trabalho, temendo atos de homofobia no local de trabalho presenciados por 73% deles. Na prática, a empresa só tem a perder. Para 27% dos LGBTI+ não assumidos no ambiente profissional ocultar sua identidade os inibe, por exemplo, de compartilhar ideias com os pares.
O segundo benefício está diretamente relacionado ao primeiro: maior senso de pertencimento. Corporações mais diversas estimulam trocas de conhecimento, encorajam o desenvolvimento de habilidades, valorizam a criatividade e abrem espaço para a experiência, tornando-se ambientes mais leves, saudáveis e acolhedores.
Como consequência, o clima organizacional melhora, os relacionamentos se tornam mais saudáveis, há menos rotatividade, maior flexibilidade entre as equipes e menor resistência às mudanças. Os colaboradores se sentem parte de uma comunidade com valores.
Segundo estudo da Hay Group (2015), 76% dos colaboradores de empresas preocupadas com diversidade admitem ter espaço para expor ideias e inovar no trabalho. Nas não orientadas pelo tema, são 55%.
76% dos colaboradores de empresas preocupadas com diversidade admitem ter espaço para expor ideias e inovar no trabalho
A primeira vez que ouvi sobre o terceiro benefício foi em 2016, durante evento da Plataforma Liderança Com Valores. Paula Bellizia, então CEO da Microsoft Brasil, e Fabio Coelho, CEO do Google Brasil, relacionaram diversidade com inovação. De tão óbvia a associação, supreende-me que as empresas tenham demorado tanto tempo a perceber: a reunião de diferentes culturas, origens sociais e visões de mundo aumenta a probabilidade de soluções melhores para desafios complexos da empresa.
Tomadas normalmente de modo mais rápido e seguro, essas soluções resultam da soma de pessoas com experiências e vivências muito distintas e, por tabela, do confronto de opiniões divergentes que não ocorrem em ambientes menos diversos, mais hierárquicos, mais baseados no binômio comando-controle.
Segundo estudo publicado, em 2018, na revista norte-americana Financial Management, empresas mais diversas registram duas vezes mais patentes que as menos diversas. Diversidade é, portanto, um fator estratégico. Estimulada, pode se transformar em diferencial de mercado.
O quarto benefício se refere à atração e retenção de talentos. Companhias que investem em diversidade projetam uma imagem pública de maior compromisso com valores, responsabilidade social e igualdade de oportunidades, aspectos muito valorizados pelos jovens talentos. A boa imagem atrai, no processo de recrutamento, gente talentosa que deseja conjugar carreira com propósito. Um estudo de 2015 da Randstad, multinacional holandesa de Recursos Humanos, mostrou que 87% dos profissionais do mundo valorizam o tema. No Brasil, são 91% das pessoas.
As companhias que investem em diversidade étnica têm 35% mais chances de obter resultados superiores aos de empresas sem a mesma orientação
O quinto benefício é a justa consequência dos quatro anteriores. De acordo com a McKinsey (2018), as companhias que investem em diversidade étnica têm 35% mais chances de obter resultados superiores aos de empresas sem a mesma orientação. As mais diversas em gênero chegam a ser 21% mais lucrativas.
Números tão eloquentes emprestam materialidade a um tema que antes pertencia ao território dos intangíveis, excessivamente pantanoso para os gestores de planilha. E, claro, sob uma ótica mais pragmática, ajudam a explicar o maior interesse por diversidade. Mas não são suficientes.
Se ela está sendo crescentemente valorizada nas empresas, isso tem muito a ver com a pressão das novas gerações de profissionais. Para elas, diversidade é uma questão de natureza ética. Diz respeito à inclusão, singularidade, equidade e liberdade. Representa uma bandeira de direitos humanos. Uma defesa bem-vinda do nosso mais que humano direito à diferença.
*Ricardo Voltolini foi um dos primeiros consultores de sustentabilidade empresarial no Brasil e especialista em liderança com valores. Autor de nove livros, entre os quais se destaca “Conversas com Líderes Sustentáveis – O que aprender com quem fez ou está fazendo a mudança para a sustentabilidade”, publicado pela Editora Senac São Paulo. É professor de Sustentabilidade convidado da Fundação Dom Cabral e do ISAE/FGV (Curitiba).