Historicamente, o mercado de luxo sempre foi um dos principais alvos de grupos ativistas do meio-ambiente em todo o mundo. Não foram poucas as vezes em que essa relação pouco amistosa esteve personificada, por exemplo, nos impactos causados por grandes grifes e marcas da indústria da moda.
Nos últimos anos, no entanto, boa parte dessas empresas passou a incorporar a sustentabilidade como um fator de peso em seus negócios e deixaram de protagonizar o papel de vilãs do meio-ambiente.
Maior nome global do setor, com um valor de mercado de € 193 bilhões e receita de € 46,8 bilhões, o grupo francês Louis Vuitton Moët Hennessy (LVMH) foi um dos pioneiros desse movimento. Desde a década de 1990, o conglomerado, dono de marcas como Christian Dior, Louis Vuitton, Moët & Chandon e Givenchy, desenvolve iniciativas nessa direção.
Do design à manufatura de seus produtos, e da cadeia de fornecedores às suas mais de 4,5 mil lojas no mundo, o grupo tem uma série de ações voltadas à redução dos impactos ambientais e à consolidação de um cultura sustentável nas 75 operações sob o seu guarda-chuva.
O escopo inclui desde iniciativas internas até o financiamento de pesquisas e as parcerias com organizações do setor. Entre investimentos e despesas, o grupo destinou €38,8 milhões a essas frentes em 2018.
Todos esses projetos são estruturados e capitaneados pelo Departamento de Meio Ambiente da empresa, criado em 1992. À frente da área está Sylvie Bénard, engenheira agrônoma, com doutorado em Agronomia e especialização em Indústrias de Alimentos.
De passagem pelo Brasil nesta semana, a diretora de meio-ambiente da LVMH é uma das palestrantes do Fórum “Os Pensadores do Luxo”, promovido pela consultoria MCF e que será realizado hoje, em São Paulo. Ela conversou com o NeoFeed sobre as iniciativas do grupo no campo da sustentabilidade.
Como o mercado de luxo tem lidado com a questão da sustentabilidade?
Há uma série de esforços conjuntos. Nós fazemos parte de diferentes organizações, com muitos outros players. Tentamos trabalhar juntos para aprimorar as práticas e as cadeias de fornecedores. Temos exemplos como a Textile Exchange, para o melhor uso de tecidos na indústria de moda, o Leather Working Group (LWG), para quem trabalha com couro e também um grupo especial do setor na Business for Social Responsability (BSR).
Quais são os principais desafios nesse contexto?
No caso do grupo LVMH, o desafio é conscientizar cada pessoa dentro da companhia sobre os impactos de suas decisões. Temos trabalhado com as equipes para ajudá-las a entender qual é a melhor solução diante das questões ambientais.
Na prática, como esse trabalho vem sendo desenvolvido no grupo?
Nós temos, por exemplo, uma ferramenta chamada Life Cycle Analysis, que ajuda a entender onde estão os maiores impactos ambientais no ciclo completo de vida de um produto. Precisamos explicar para as pessoas como esses recursos podem ser usados. Nosso objetivo não é tomar as decisões pelas pessoas, mas ajudá-las a entender quais perguntas elas devem fazer e oferecer ferramentas para apoiar essas decisões.
Como surgiu o programa Life 2020?
Nós começamos a trabalhar com as questões ambientais em 1992 e, até 2010, desenvolvemos muitas ações, mas entendemos que precisávamos estruturar um programa para consolidá-las. Começamos a trabalhar com as nossas marcas para identificar os principais pontos nas atividades do grupo. E foi assim que chegamos a nove desafios. Então, em 2016, decidimos estabelecer objetivos a serem atingidos.
"No caso do grupo LVMH, o desafio é conscientizar cada pessoa dentro da companhia sobre os impactos de suas decisões"
Quais são esses objetivos?
São quatro. Melhorar a performance ambiental de todos os nossos produtos, aplicar os mais altos padrões em 100% das cadeias de fornecedores até 2025, reduzir as emissões de CO2 em 25% e aprimorar os principais indicadores de eficiência ambiental em pelo menos 10% em todas unidades industriais e administrativas.
Como essa abordagem se reflete no uso de matérias-primas?
Temos trabalhado com cada marca sobre os principais impactos. Em uvas, por exemplo, estamos incorporando uvas certificadas e orgânicas. Em couro, estamos comprando de fornecedores aprovados pela LWG. Usamos pouco algodão, mas somos membros da Better Cotton Initiative (BCI) e pedimos às nossas marcas que comprem de fornecedores certificados por eles. Em cada caso, estamos tentando identificar as melhores organizações para trabalhar com matérias-primas validadas por elas.
Quais outras mudanças essa visão trouxe para a companhia?
As lojas são um grande foco, pois temos mais de 4 mil pontos em todo o mundo. Estamos trabalhando com designers e arquitetos no que chamamos de Ecodesign Stores. E focando, em especial, a iluminação, pois percebemos que ela é responsável por boa parte do consumo de energia. Então, criamos um sistema para reduzir esses índices.
Diante de tantas ações em curso, quais resultados você destacaria?
Acho que um bom exemplo é o fundo que estabelecemos durante a COP 21 (Confederação das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), em 2015, com um preço interno para as emissões de CO2. Cada vez que uma marca emite uma tonelada de CO2 em suas atividades, deve colocar em prática ações para reduzir essas emissões. Nós levantamos € 12 milhões para esses projetos.
Quais fatores estão impulsionando todas essas iniciativas do grupo e também da indústria?
Temos cada vez mais cenários projetados por cientistas sobre mudança de clima, perda de biodiversidade. Mesmo que esses cenários não estejam 100% corretos, nós temos que colocar esse tema em pautas. Precisamos pensar em como reduzir emissões, em como mudar nossas práticas. Para mim, há muitas evidências de que algo está mudando. E não podemos ignorá-las.
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