A rede de varejo Pernambucanas passou os últimos anos praticamente em banho-maria. Enquanto seus concorrentes surfavam no crescimento da economia, ela ficou estagnada. Quando a crise econômica bateu à porta do País, a empresa sofreu com uma alta dívida financeira.
Isso aconteceu, sobretudo, por conta de uma disputa judicial entre herdeiros de um dos blocos de controle da companhia, o que fez a empresa se movimentar com muita lentidão. Desde o fim de 2016, entretanto, a companhia acelerou o passo.
Os números são claros: a companhia abriu 9 lojas em 2017, 28 unidades em 2018, terminará 2019 com a abertura de mais 37 e outros 90 pontos são esperados até 2021, num investimento total que deve ultrapassar R$ 500 milhões.
A agressiva meta da empresa com essa expansão acelerada faz lembrar o Plano de Metas do presidente Juscelino Kubitschek, o famoso 50 anos em 5, e é apenas a ponta do iceberg de uma mudança de visão liderada pelo CEO Sérgio Borriello.
E, em dezembro deste ano, mais um passo será dado neste sentido. É quando a varejista lançará a sua carteira digital. “A nossa wallet vai nascer com 18 parceiros. Teremos Netflix, Uber, 99, iFood, Habib’s, entre outros”, diz Borriello com exclusividade ao NeoFeed.
“A nossa wallet vai nascer com 18 parceiros", diz Borriello
Além de aumentar a movimentação financeira em sua plataforma, a varejista vai fazer com que os 3 milhões de clientes que têm cartões private label possam gastar em outros serviços fora de suas lojas. “Vai fidelizar os clientes. Vamos criar recorrência”, diz Borriello.
Atualmente, a Pernambucanas conta com 8 milhões de cartões emitidos. Mas apenas 5 milhões estão ativos – os 3 milhões do private label, que até hoje só podem ser usados nas 359 lojas da rede, e outros 2 milhões da bandeira Elo, que são usados em qualquer lugar. “Todos os clientes poderão ter a carteira digital”, diz Borriello.
O ousado passo da Pernambucanas é mais um dentre vários tomados pelo executivo desde que ele assumiu o comando da companhia, em dezembro de 2016, e passou a apostar na estratégia digital. Antes dele, não é exagero dizer, a Pernambucanas vivia praticamente “na idade da pedra”.
Até 2016, a Pernambucanas vivia na "idade da pedra"
A concessão de crédito passou a ser aprovada via tablet – o crédito saltou de R$ 1,6 bilhão em 2016 para R$ 3 bilhões atualmente –, wi-fi gratuito começou a ser oferecido nas lojas e um aplicativo do cartão de crédito foi lançado. Em tempos de Amazon, Alibaba e outros players que dominam o varejo mundial, o e-commerce da Pernambucanas, acredite, só foi inaugurado em 2017.
Diante do pouco tempo de operação, o comércio eletrônico ainda é tímido na operação da Pernambucanas, representa 1% do faturamento de R$ 4,2 bilhões em 2018. Mas Borriello aposta mesmo é no que ele chama de “figital”, a integração do varejo físico com o meio de pagamento digital.
O cliente vai na loja, saca seu telefone celular e, com o aplicativo, vai marcando os produtos que deseja, acumulando na sacola de compras. Ao final, vai até um caixa específico que cobra tudo de uma só vez. Borriello explica que a ideia é sempre levar os clientes até a loja.
Até nisso uma medida aparentemente simples, que envolveu o aplicativo do cartão de crédito, surtiu efeito. Até recentemente, a empresa enviava a fatura pelo correio para os seus milhões de clientes. Mas passou a enviar por email.
A iniciativa fez com que o fluxo de pessoas nas lojas aumentasse em 20%. Se antes a Pernambucanas anotava 18 milhões de visitas em suas lojas, a empresa começou a receber 21,6 milhões de visitas. “As pessoas vão nas lojas imprimir a fatura, tirar dúvidas e muitas acabam comprando”, diz Borriello.
Essa mudança de mentalidade veio a reboque da criação de um laboratório digital inaugurado em 2017 para lançar produtos e melhorar a experiência do cliente. “Não há como ser digital com o cliente se não somos internamente”, afirma o presidente da empresa.
Daí surgiu outra ideia que traz recorrência e faturamento para a empresa. Tal qual a Amazon, que tem o seu serviço prime, a rede lançou, em outubro de 2018, o Pernambucanas Prime. Trata-se de um clube que proporciona frete gratuito em qualquer compra digital e oferece descontos que podem chegar a 20%.
A assinatura custa R$ 60 por ano, o cliente recebe descontos em parceiros como redes de cinema e, desde setembro, ele é diferenciado dentro das lojas. “Em setembro lançamos a etiqueta azul, que identifica tudo o que é para o cliente prime”, diz Borriello.
Em menos de um ano de operação, 300 mil pessoas assinaram o serviço e adicionaram, só com a assinatura, um faturamento de R$ 18 milhões à rede. Para trazer mais assinantes, a Pernambucanas estuda criar o Prime Day. “Será uma espécie de Black Friday para os clientes prime”, afirma o executivo.
A conta corrente digital, ancorada na financeira Pefisa, é outro braço que, paralelamente, dever trazer mais receitas à companhia. Lançada em abril deste ano, é uma fintech que já conta com 500 mil clientes. “Esse nosso banco digital permite ao cliente pagar contas, ter conta salário, fazer transferência”, diz Borriello.
A Pernambucanas não é a única a fazer isso. Outras redes de varejo como a Via Varejo, a B2W, Carrefour, e Riachuelo, que deve transformar a sua financeira Midway em um banco digital, também estão explorando esse mercado com alto potencial de crescimento.
Parada no tempo
A quantidade de iniciativas da Pernambucanas chama a atenção devido ao seu histórico. Durante as três últimas décadas, a rede se viu no meio de uma briga que atrapalhou seu crescimento.
“As questões societárias tiraram velocidade da empresa”, diz Alberto Serrentino, da consultoria de varejo Varese Retail. “Ela deixou de crescer quando todo o mercado cresceu.”
As tomadas de decisões sobre o destino da Pernambucanas acontecem em dois blocos de controle, cada um com 50%. Um dos blocos é formado por três holdings familiares e o outro por uma holding.
Por muitos anos, Anita Harley, bisneta do fundador Herman Theodor Lundgren, controlou 50% das ações e deixou de fora do comando os sobrinhos filhos dos seus falecidos irmãos Robert e Anna Christina.
A disputa judicial, que sempre foi envolvida de tensões, acabou em dezembro de 2017, e isso permitiu com que a Pernambucanas voltasse a atuar em praças em que não atuava como o Rio de Janeiro.
“Apesar de as pessoas falarem que os problemas societários causaram o atraso da empresa, a governança protegeu a companhia por 110 anos. Ela não deixou crescer tanto, mas protegeu a empresa”, diz Borriello.
O plano de expansão da rede só foi possível depois de que Borriello, ainda como financeiro da empresa, arrumou a casa. Entre 2014 e 2015, a Pernambucanas investiu na melhoria das lojas e em um novo Centro de Distribuição de 100 mil metros quadrados, em Araçariguama (SP), apostando no crescimento da economia.
Aconteceu o contrário, os juros subiram e a dívida financeira cresceu. Em 2016, a dívida líquida era de R$ 1,3 bilhão. O executivo, então, implementou um amplo plano de reestruturação.
Ele acabou, por exemplo, com a linha de eletrodomésticos pesados e parece ter dado certo. Em 2017, o lucro da companhia foi de R$ 203,2 milhões. “A saída dos eletrodomésticos foi uma decisão acertada. É um setor muito competitivo, com margens baixas e que necessita de capacidade de crédito alta”, diz Serrentino.
Borriello focou em vestuário, cama, mesa e banho, e enxugou o quadro de funcionários. Antes de 2013, a empresa chegou a contar com 16 mil empregados e, no fim de 2016, tinha 9 mil. Agora, com o plano de expansão, voltou a contratar. “Hoje estamos com 12 mil funcionários”, diz Borriello.
Alguns deles começam a trabalhar hoje na nova loja conceito que está sendo aberta em Brasília. É uma das cinco unidades com uma visão mais futurista da Pernambucanas.
Nelas, o cliente encontrará um provador virtual de óculos, espaço de customização para personalizar camisetas, entre outras novidades como a retirada de produtos comprados online. “Já estamos em Porto Alegre, estamos abrindo essa em Brasília e pretendemos ter outras em São Paulo, Minas Gerais e no Rio de Janeiro”, diz Borriello.
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