Em meio à redução do volume de financiamentos concedidos pelos bancos para o desenvolvimento de empreendimentos imobiliários, gestoras de investimentos têm olhado o segmento de incorporação com atenção, vendo a oportunidade de preencher o buraco que está sendo deixado pelas grandes instituições.
Uma das casas que está trabalhando neste sentido é a Kinea, braço de investimentos alternativos do Itaú Unibanco. Com uma breve experiência no financiamento de empreendimentos residenciais, concedendo R$ 1,25 bilhão em crédito para 70 projetos nos últimos dois anos, a gestora está pronta para ampliar sua atuação.
Com um total de R$ 72,5 bilhões em ativos sob gestão, sendo R$ 20 bilhões provenientes da parte imobiliária, a Kinea quer ir para além da região Centro Sul, prospectando novos mercados em busca de oportunidades, vendo uma demanda e um mercado em uma situação favorável, capaz de dobrar o volume de concessões nos próximos dois anos.
“Os bancos sempre foram os maiores provedores de funding para incorporação, mas com o desenvolvimento do mercado de capitais, parte do financiamento migrou dos bancos para os investidores, abrindo oportunidades”, diz Flávio Cagno, gestor de fundos imobiliários de recebíveis da Kinea, ao NeoFeed. “A nossa intenção é expandir para o Brasil todo.”
Por meio de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), a Kinea quer atender a demanda por créditos em duas frentes em que já atua. A primeira é o financiamento à construção de imóveis, fornecendo recursos para obras que estejam em estágio inicial ou avançado. Nesta parte, ela concedeu nos últimos dois anos um total de R$ 300 milhões.
A segunda frente de atuação é na chamada permuta financeira, em que a Kinea financia a aquisição de terrenos, participando de todo o processo de aprovação, de estudo de viabilidade e premissas comerciais. Nesta modalidade, os aportes já somam em torno de R$ 950 milhões.
Segundo Cagno, existe uma série de oportunidades de empreendimentos de média e alta renda sendo desenvolvidos pelo País por nomes familiares e de porte médio e que ainda estão muito dependentes dos bancos para conseguirem tocar projetos.
“A gente nunca teve restrição a outras regiões, embora naturalmente exista uma concentração maior em locais com PIBs maiores”, afirma Cagno. “O Brasil tem uma diversidade enorme de regiões, muitas delas bastante pujantes, não é só no Centro-Sul que você tem oportunidades.”
Nos últimos anos, os CRIs vêm ganhando força como alternativa de financiamento, no momento em que os bancos sentem uma queda na captação de recursos das cadernetas de poupança, principal fonte de recursos para empréstimos ao setor imobiliário.
Dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) mostram que os financiamentos para aquisição e construção de imóveis no País somaram R$ 165,2 bilhões entre janeiro e novembro de 2022, uma redução de 12,5% em relação ao igual período de 2021.
Já o volume captado via CRIs cresceu 48,5% entre 2021 e 2022, para R$ 50,3 bilhões, o maior montante desde 2016, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
O avanço dos CRIs está relacionado a alguns fatores. Segundo Juliana Mello, sócia da Fortesec Securitizadora, especializada em operações com CRI, com os investidores buscando alternativas em meio a um cenário de juro alto, o título oferece uma remuneração fixa e ele é isento de imposto de renda.
No caso das construtoras, Mello diz que o CRI é um meio mais rápido de levantar recursos do que recorrer a um banco, que exige fatores como uma alta porcentagem de apartamentos vendidos e ter as obras já em fase de execução. Além de ter custos mais baixos. “Como o CRI possui isenção fiscal, as empresas conseguem negociar os recursos a taxas menores”, diz Mello.
A Kinea ganhou experiência na concessão de crédito via CRIs nos últimos dois anos. A gestora fica responsável por estruturar o título e subscrevê-los através de seus fundos, mantendo os papéis até o vencimento. A Kinea conta com dez fundos imobiliários (FIIs) listados, com cinco deles específicos para CRIs.
A primeira iniciativa do plano de expansão da Kinea não foi com um nome de porte médio, mas que atua fora do eixo Rio-São Paulo. Em setembro do ano passado, ela fechou a concessão de R$ 250 milhões para a Moura Dubeux, para a incorporadora financiar a construção de quatro projetos imobiliários em Fortaleza (CE), Maceió (AL), Salvador (BA) e Natal (RN).
Além dela, outras gestoras também estão buscando atender a demanda de incorporadores por recursos. A RBR Asset é uma delas. Dos mais de R$ 3 bilhões que possui em crédito imobiliário, de um total de R$ 7,5 bilhões em ativos sob gestão, cerca de R$ 900 milhões são investidos em operações de CRI para empreendimentos residenciais.
Mesmo que a desaceleração da economia, os juros em alta e os vários lançamentos feitos durante a pandemia possam prejudicar um pouco o setor, Cagno entende que as perspectivas são positivas para os planos da Kinea.
“As pessoas continuam querendo morar bem e têm o desejo de ter sua residência. E é nos ciclos mais difíceis que os incorporadores conseguem bons terrenos, por bons preços”, diz. “Apesar da maior imprevisibilidade, você tem a formação de projetos muito bons, e é raro ver um projeto bom que deu errado.”