Em sete décadas de operação, a Rodobens traçou seu percurso a partir do cruzamento de duas vias: a oferta de produtos financeiros, tendo os consórcios de caminhões e veículos como carro-chefe, e a distribuição desse portfólio em uma rede de 2,7 mil concessionárias, sendo 46 delas próprias.
Com o modelo, que inclui lojas próprias da Toyota, Hyundai e Mercedes-Benz, da qual é a maior vendedora de caminhões no País, o grupo elegeu a B3 como destino ao protocolar, em fevereiro deste ano, o registro do seu IPO. O caminho foi adiado, porém, em março, diante do cenário adverso no mercado.
À espera de uma nova janela, a Rodobens não está, no entanto, parada. A empresa começa a criar atalhos para ir além do modelo pelo qual ficou conhecida, com a estruturação de um marketplace e os planos de lançar um cartão de crédito e uma conta digital.
“Temos 1,3 milhão de clientes, sendo 255 mil ativos, dos quais, 60% têm dois produtos conosco”, diz Líbano Barroso, CEO da Rodobens, ao NeoFeed. “Nosso jogo é ampliar o vínculo e trazer mais recorrência para esse ecossistema.”
Com uma carteira que inclui caminhoneiros, concessionárias, transportadoras e oficinas, entre outros atores da cadeia automotiva, a Rodobens gerou R$ 10,2 bilhões em negócios de janeiro a setembro deste ano, alta de 52,8% sobre igual período, em 2020.
Entre outros fatores, essa conta inclui as somas dos prêmios líquidos das apólices de seguros e dos créditos de cotas de consórcio vendidas no período. Nesse último segmento, o grupo registrou o volume de R$ 3,9 bilhões, um salto de 35,5% na comparação anual e alcançou uma carteira total de R$ 10,4 bilhões, um crescimento de 21,7%. Essa última cifra também considera os consórcios ainda vigentes e que foram gerados além do primeiro semestre.
Um dos pontos de partida para estreitar os laços com os clientes foi lançado em janeiro desse ano. Trata-se de um e-commerce de peças, com produtos vendidos pelo grupo, como cabines, chassis, pneus, rodas e óleos e fluídos.
Agora, a Rodobens está testando a inclusão de categorias a partir das ofertas de outras empresas, com produtos como lonas e cordas. Em direção ao seu marketplace, a ideia é encorpar esse mix gradativamente com parceiros.
“Vamos hospedar outros vendedores para que o cliente tenha um leque completo, com um único acesso”, diz Barroso. “O marketplace vai ser a materialização do que já fazemos no mundo físico, com nossas parcerias.”
Hoje, em um dos modelos dessas associações, a empresa é o motor por trás de consórcios e de outros produtos financeiros ofertados por parceiros como Tribanco, Marco Polo, Rupee e Foton, ao fornecer sua infraestrutura por meio de uma plataforma white label.
“Vamos transacionar tudo o que disser respeito ao mundo de transporte, nosso e de terceiros”, diz ao NeoFeed, Waldemar Verdi Junior, o presidente do board da Rodobens e filho de Waldemar Verdi, fundador da empresa, falecido em 2015.
“As concessionárias parceiras poderão vender, por exemplo, seus estoques ociosos na plataforma”, afirma Verdi Junior. “Assim como podemos incluir produtos e serviços que estamos lançando nas adjacências dos nossos negócios.”
Uma das operações no radar é a Digimed, plataforma digital de saúde voltada a caminhoneiros, em parceria com a Vai Bem, empresa de telemedicina. Em testes, ela inclui um plano mensal de R$ 34,90, que dá acesso a consultas virtuais, em 20 especialidades.
A plataforma dá ainda direito ainda a exames e consultas presenciais, com descontos que podem chegar a até 80%. Além de descontos na compra de medicamentos em redes de farmácias como Pague Menos, Drogaria São Paulo, Drogasil e Panvel.
“As plataformas são uma grande tendência entre empresas que já têm um ecossistema no entorno dos seus negócios”, diz Marcelo Nakagawa, professor do Insper. “E faz todo sentido a Rodobens testar esse modelo, por sua relevância em diversos elos da cadeia automotiva.”
Há, de fato, diversas empresas seguindo esse conceito em suas respectivas cadeias. No varejo, Magazine Luiza, Via e Mercado Livre, com o Mercado Pago, são alguns dos exemplos.
Outros nomes que estão se orientando por essa tendência são a Sotran, em logística, a Dasa, em saúde, e a Ambev, em bens de consumo.
O cartão de crédito e a conta digital também integram essa estratégia no caso da Rodobens. O grupo avalia para quais clientes da sua base essas ofertas fazem sentido e como elas devem ser formatadas na integração com esse universo.
“Já temos testes com contas de pagamento e cartões pós-venda nas nossas concessionárias, para a compra de peças e serviços”, diz Barroso. Ele afirma que o modelo de negócios será definido até o fim do ano e projeta os lançamentos para o primeiro semestre de 2022.
Algumas grandes empresas da cadeia automotiva estão se movimentando sob a mesma lógica. Uma delas é a gaúcha Randon, fabricante de carrocerias, reboques e semirreboques, e que também conta com um braço de consórcios.
Entre outras iniciativas, a Randon lançou neste ano a R4 Digital, fintech de banking as a service voltada para a cadeia de logística e de transporte. A empresa já oferece infraestrutura para que empresas do setor tenham produtos como carteiras digitais com suas marcas.
Para uma fonte do mercado ouvida pelo NeoFeed, a possibilidade de outras empresas avançarem com ecossistemas digitais reforça a necessidade de a Rodobens aproveitar sua presença na cadeia para largar na frente nessa corrida.
“É sempre um risco perder espaço para outro player, mesmo de fora do setor”, diz. “Os grandes bancos, por exemplo, ainda não despertaram para esse nicho, mas nada impede que eles façam isso, em algum momento, via parcerias.”
AWS da cobrança
A Rodobens também está se inspirando em outras empresas. São os casos da brasileira XP que, por sua vez, bebeu da fonte da corretora americana Charles Schwab. Em linha com o modelo propagado pela dupla, o grupo tem uma rede de 4 mil agentes comissionados distribuída pelo País.
Agora, a empresa está testando a plataforma online Escritório Digital, por meio da qual esse batalhão pode realizar as vendas de produtos do portfólio, além de ter visibilidade de todo o fluxo das suas comissões.
Outro negócio gerado a partir da Rodobens é a GVC. Em um roteiro semelhante ao da AWS, braço de tecnologia da Amazon, a operação nasceu como a área que centralizava as cobranças do grupo. E, a partir da experiência acumulada, ganhou status de empresa em 2020.
A GVC atua da negociação para a recuperação de crédito de financiamentos e consórcios à retomada das garantias e venda dos ativos, no caso, caminhões ou imóveis. “Hoje, temos clientes como Randon, Consórcio Magalu, Safra e Unidas”, diz Thiago Tagliaferro, diretor da GVC.
Se a GVC ganhou vida própria, a Rodobens não descarta investir em aquisições para trazer novos ativos ao seu guarda-chuva. O maior foco está em empresas donas de ferramentas de análises de dados e de relacionamento com os clientes.
Para financiar esses passos, a empresa, que obteve o registro de companhia aberta na CVM, começa a acessar o mercado. Neste mês, a Rodobens captou R$ 300 milhões com a emissão de letras financeiras. E o IPO segue nos planos.
“Não temos pressa. Será no momento em que houver uma boa combinação de menor volatilidade e de um valuation que exprima nosso crescimento”, diz Barroso. “O bom é estar pronto. Estamos contando nossa história.”
O digital é um capítulo essencial nesse script. “Uma das razões de termos recuado é por perceber que os investidores não tinham percepção dos nossos projetos na área”, diz Verdi Junior. “E sabemos a diferença de valuation para uma empresa que não tem esse caminho.”