“Eu tenho que acreditar que sou imortal”, afirmou o empresário Abilio Diniz, dez anos atrás em entrevista à Bloomberg. E, de fato, Abilio Diniz pode ser considerado um imortal. Em sua trajetória, viveu “várias” vidas e foi capaz de se reinventar quando todos acreditavam que estava acabado.

Com mais de 80 anos, muitos poderiam imaginar que deveria desacelerar. Mas manteve a rotina incansável de trabalho e negócios como se fosse um empresário que dava os primeiros passos.

Fora do Pão de Açúcar, a empresa fundada por seu pai, Valentim dos Santos Diniz, depois de uma briga corporativa ruidosa com Jean-Charles Naouri, o controlador do Casino, voltou ao varejo através do Carrefour.

Por meio da Península Participações, o family office que geria os recursos da família, foi pouco a pouco transformando-o em uma gestora que investe em diversos negócios – de ações a private equity e até mesmo venture capital.

Em meio a essa agenda lotada, Abilio encontrava tempo para ser professor da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo, onde ministrava um curso sobre liderança e gestão.

E, não bastasse tudo isso, desde 2022, comandava o programa “Caminhos”, na CNN Brasil, em que entrevistou brasileiras e brasileiros referências em suas áreas de atuação, a exemplo de Camila Farani, Rubens Ometto, Rita Lobo, Nizan Guanaes e Gilberto Gil.

Aos 87 anos, Abilio Diniz morreu por conta de uma pneumonite no domingo, 18 de fevereiro, deixando um legado imenso e imortalizando, definitivamente, o seu nome como o maior empresário brasileiro no varejo global.

Muitos empresários são lendários no varejo brasileiro. Mas só Abilio conseguiu ter uma projeção internacional e jogar a “liga mundial”, em vez de se concentrar exclusivamente no “campeonato brasileiro”, como ele dizia com frequência a interlocutores sobre seu investimento no Carrefour global.

Toda essa vitalidade foi conquistada com muita disciplina por meio de uma vida que privilegiou o esporte e a alimentação saudável.

Sua fórmula incluía seis ações diárias: uma dose de exercício extenuante, queimar mais calorias do que consumir, limitar compromissos, explorar a 'psique interior', rezar para Deus e manter-se apaixonado.

O começo do Pão de Açúcar

Filho mais velho do “Seu Santos”, como era conhecido o seu pai, Abilio foi fundamental para transformar o Pão de Açúcar, que começou como uma doceria, em São Paulo, em 1948, na maior rede de supermercados do Brasil nos anos 1970 e 1980.

O primeiro supermercado só foi aberto em abril de 1959. Já de cara inovou ao apostar no modelo de autosserviço, com gôndolas em que você seleciona os produtos que deseja comprar – algo inédito para a época. A segunda loja do Pão de Açúcar foi inaugurada só quatro anos depois, em 1963.

Ao longo de década de 1960, o Pão de Açúcar cresceu com a aquisição de alguns concorrentes, como a Peg-Pag e a Sirva-se. Em 1968, já contava com 40 supermercados e 1.642 funcionários.

A expansão seguiu acelerada na década de 1970, com a inauguração do primeiro hipermercado do Brasil, o Jumbo, e a aquisição da Eletroradiobraz. Nos anos 1980, a empresa viveu seu auge até então. Chegou a 150 lojas e tinha 15 mil empregados.

Afastamento, sequestro e racha na família

Os anos 1980 são também o momento um afastamento de Abilio da empresa, de traumas e de conflitos familiares. De 1979 a 1989, a convite de Mario Henrique Simonsen, foi membro do Conselho Monetário Nacional. Abilio considerava que esta foi a sua década perdida por não ter conseguido fazer muito pelo País e por ter se afastado excessivamente da sua empresa.

Apesar de longe dos holofotes políticos, Diniz sempre se manteve perto da maioria dos presidentes e se dizia um otimista que acreditava no Brasil.

“Sigo uma linha de que muito faz quem não atrapalha. Eu falo e sempre me dei bem com todos os presidentes. Até porque aprendi, quando estive no Conselho Monetário Nacional, que, se você quer ajudar o País e tem capacidade, é melhor não ficar longe do governo”, afirmou Diniz, em entrevista ao NeoFeed, em maio de 2021.

E prosseguiu: “Dos anos 1980 para cá, tenho me dado bem com todos os presidentes, no que diz respeito à interlocução. De alguma maneira, tem que ser construtivo, tem que colocar aquilo que você pensa.”

O maior choque na vida de Abilio foi o sequestro sofrido em dezembro de 1989, quando passou sete dias em cativeiro em um cubículo subterrâneo. Nesse episódio, Abilio disse que eliminou da sua mente a crença de ser um homem inatingível e indestrutível.

Mas o momento mais crítico, do ponto de vista empresarial, foi um racha familiar que quase levou o Pão de Açúcar à falência, em meio a perda da liderança para o rival Carrefour.

O patriarca “Seu Santos” dividiu o negócio entre seus filhos e criou um conflito familiar. Abilio, o mais velho e mais próximo do negócio, ficou com a maior parte. Alcides e Arnaldo, que tinham funções executivas, não gostaram e deram início a uma briga aberta com o irmão.

A questão só foi resolvida em janeiro de 1994, quando foi assinado um acordo que garantiu o controle da companhia para Abilio. A partir daí, começa uma nova fase do Pão de Açúcar.

Em 1995, o grupo Pão de Açúcar abriu capital na bolsa de valores de São Paulo, levantando US$ 112 milhões. Dois anos depois, realizou seu IPO em Nova York arrecadando mais de US$ 172 milhões.

Com o dinheiro, Abilio foi de novo às compras e adquiriu as redes Mambo e Barateiro.

A chegada e os conflitos com o Casino

Nessa época, Abilio também começou a negociar uma parceria internacional. Falou com Walmart, Carrefour e Casino. E, no fim, fechou um acordo com o Casino, comandado pelo francês Jean-Charles Naouri.

O grupo francês injetou R$ 1,5 bilhão, em 1999, comprando uma fatia de 22% do capital do Pão de Açúcar. O dinheiro foi usado para expansão da rede e foi bem recebido pelo mercado na época.

Seis anos depois, o Casino fez um novo investimento da ordem de R$ 2 bilhões no Pão de Açúcar, o que lhe garantia o direito de assumir o controle da empresa em 2012, comprando apenas uma ação da Wilkes, a holding que controlava a rede varejista brasileira.

Esse acordo foi considerado por Diniz, depois do conflito entre os sócios, o maior erro de sua vida. E não pelo negócio em si, mas por, em sua opinião, ter sido um contrato malfeito.

“Mas eu o faria de novo. E, dessa vez, eu contrataria direito. Meu erro foi ter negligenciado a preparação do contrato. Quando você contrata bem, não tem problemas”, disse, em uma entrevista.

Esse contrato esteve no cerne da disputa que Diniz teve com Naouri, que o acusou de tentar não cumpri-lo, ao propor uma fusão do grupo Pão de Açúcar com o rival francês do Casino, o Carrefour, em 2011.

Long story short: em julho de 2011, Diniz divulgou uma proposta de unir o Pão de Açúcar com o Carrefour Brasil, fazendo com que a matriz francesa se tornasse sócia indireta do Pão de Açúcar.

Naouri considerou o negócio uma traição e uma manobra para que o Casino não assumisse o controle do Pão de Açúcar. E deu início a uma das maiores batalhas corporativas da década de 2010 no Brasil.

Abilio, na época, sempre defendeu que a união faria os dois grupos ficarem mais fortes e que a união era do interesse dos acionistas do Pão de Açúcar.

Nada disso convenceu Naouri, que venceu a queda de braço, impediu o negócio e assumiu o controle do Pão de Açúcar, como previa o contrato, em 2012.

A disputa foi encerrada um ano depois com um acordo simples, que marcou o fim do ciclo de Abilio no Pão de Açúcar.

O acordo tinha duas páginas e apenas sete itens: Abilio trocou suas ações ordinárias por preferenciais, sem direito a voto, e renunciou à presidência do conselho de administração do Pão de Açúcar.

Naouri, por sua vez, abriu mão da cláusula de não competição da parte de Abilio. Os dois encerraram também os procedimentos arbitrais em curso.

A “reinvenção” de Abilio

Definitivamente fora do Pão de Açúcar, muitos acharam que Abilio estava acabado e que seria a hora de se aposentar. Com mais de 70 anos, e derrotado na batalha com o Casino, era de se esperar que a maioria das pessoas seguisse esse caminho. Mas não Abilio.

Antes mesmo de assinar o acordo que encerrava sua passagem pelo Pão de Açúcar, Abilio se envolveria com a BRF, fusão da Sadia e Perdigão, assumindo, com o apoio da gestora Tarpon, a presidência do conselho de administração.

Não foi, hoje é possível dizer, uma experiência bem-sucedida. No fim de 2012 e começo de 2013, Diniz montou uma posição de aproximadamente R$ 1 bilhão, quando a ação estava em R$ 40.

Mas uma série de problemas financeiros e de gestão não fizeram a BRF decolar e, nove anos depois, em 2021, saiu da empresa, vendendo os 3,8% que ainda mantinha para o Marfrig por R$ 898,9 milhões.

O lance mais surpreendente de Diniz depois que saiu do Pão de Açúcar, no entanto, não foi a empreitada na BRF, mas conseguir, enfim, entrar no Carrefour.

Em dezembro de 2014, adquiriu 10% da operação brasileira do Carrefour por R$ 1,8 bilhão e voltou ao varejo, conseguindo, mais de três anos depois da primeira proposta, se associar à varejista francesa – mas, dessa vez, sem o Pão de Açúcar.

Um ano depois, Abilio, enfim, foi disputar o campeonato mundial ao comprar uma fatia do Carrefour global. Hoje, a família Diniz detém uma participação de 8,43% na operação global, inferior apenas a da Galfa, veículo ligado à família Moulin, com 13,73%.

Aqui vale lembrar o destino de Naouri, o desafeto de Abilio que ficou com Pão de Açúcar e o impediu de negociar uma fusão com o Carrefour.

Naouri perdeu o controle do Casino e deixou o seu comando em 2023, com o grupo varejista francês mergulhado em uma grave crise financeira.

No Brasil, o Pão de Açúcar só encolheu. Quando o Casino assumiu o controle, ele era dono da Via, que tinha as marcas Casas Bahia e Ponto Frio, e do atacarejo Assaí. Essas duas operações foram vendidas.

Até mesmo a operação chilena do Casino, o Éxito, não faz mais parte do grupo. Tudo foi vendido para tentar reduzir a dívida do grupo francês. Nessa batalha, quem perdeu dinheiro foi Naouri.

Abilio, por sua vez, transformou a Península Participações, a empresa que geria a fortuna da família em uma gestora que capta recursos com terceiros.

Ela administra aproximadamente R$ 9 bilhões e tem uma série de investimentos. Entre eles, a fatia que Abilio mantém no Carrefour global e no Brasil, além de diversos imóveis.

Em 2021, Diniz criou também a O3 Capital, que atua com um portfólio de investimentos nos mercados líquidos de juros, moedas, commodities e ações.

No ano passado, fez um “spin-off” e criou a Altitude Ventures, uma gestora de venture capital que nasceu herdando ativos da Península, com as healthtechs Sanar e Hilab, as edtechs Descomplica e Letrus, a retailtech Olist e a startup de segurança idwall.

Em meio a todas essas atividades, a família Diniz também se envolveu em ações sociais. Na pandemia, Abilio e seus familiares doaram R$ 50 milhões para o enfrentamento dos efeitos do coronavírus. Além disso, Abilio fez mais de 70 lives para diversos setores, a fim de levar mensagens de serenidade e incentivo.

Qual o legado de Abilio Diniz? Ele mesmo respondeu, em uma de suas últimas entrevistas, em seu próprio programa na CNN Brasil, entrevistado por Elisa Veeck e Marcio Gomes, que foi ao ar no fim de 2023.

“Eu nunca me preocupei com o legado. Eu gosto do aqui e agora. Pensar no que eu vou deixar? Eu não vou ver, nem nada. Eu quero saber o que estou dando agora. A minha preocupação sempre foi a de buscar, em vida, ser uma pessoa feliz, que pratica o bem e que compartilha conhecimento.”