Na história do Santander, a ligação com a sustentabilidade começou muito antes do acrônimo ESG existir. O banco espanhol herdou do ABN Real no Brasil a característica do impacto, algo que vem sendo aprimorado nos últimos anos.
Na noite de quinta-feira, 18 de julho, o Santander Brasil recebeu no Reino Unido o prêmio de “Best Bank for ESG”, da revista britânica Euromoney, como a instituição financeira que mais evidencia temas de sustentabilidade, sociais e de governança corporativa (a sigla ESG em português) em seus negócios locais.
A premiação considerou a evolução dos negócios sustentáveis em carteira – que fechou 2023 em R$ 23,1 bilhões – além da liderança local na subscrição de créditos de descarbonização do setor de transportes (CBIOs).
Além do primeiro lugar em ESG, o Santander Brasil repetiu o ano passado e foi escolhido novamente como “Best International Bank” no País - e também no Reino Unido, Portugal e Uruguai.
“Isso é um resultado de 25 anos que cristalizou um trabalho que vem da origem tanto do banco Santander como, principalmente, de Banco Real e ABN”, diz Maitê Leite, vice-presidente executiva institucional do Santander Brasil, ao NeoFeed.
Com uma sólida carreira em bancos estrangeiros no Brasil, na América Latina e na Europa, Maitê Leite se juntou ao Santander em outubro de 2021. Antes, ela era a presidente e chefe de corporate do Deutsche Bank no País.
Há 40 anos no mercado financeiro, Maitê Leite tem uma formação forte em produtos, risco, gestão de processos e tesouraria. A executiva preza a combinação de gestão de pessoas, processos e transformação. Mas como essas características se encaixam nessa função institucional?
“Não sou uma pessoa nem de marketing nem de comunicação nem de macroeconomia nem de nada do que eu gerencio”, diz a vice-presidente do Santander Brasil. “Mas trago esse elo do negócio. Sei como é que funciona dentro da operação e trago esse olhar de evolução, de transformação.”
A área liderada por Maitê Leite é ampla e complexa, mas que tem um fator comum: sempre há um ponto de contato, seja externo, como os quase 60 milhões de clientes, seja interno, com os 55 mil funcionários.
Nesta entrevista, Maitê Leite falou sobre os impactos promovidos pelas emissões zero carbono ao programa de microcrédito Prospera, além dos seus desafios como gestora de montar todas as suas caixinhas com sustentabilidade.
Acompanhe, a seguir, os principais trechos:
ESG é diferencial no setor financeiro?
Sim, porque o sistema financeiro é o agente. Discutimos muito com os reguladores, porque o regulador é inteligente e sabe que chega em todos os setores forçando a regulação através do sistema financeiro. No net zero, por exemplo, poderia ser direcionado a cada um dos setores: óleo e gás, aviação, etc. Obviamente são, mas, na medida em que também são direcionadas para os agentes financeiros, que são aqueles que financiam esses múltiplos setores, ele tem um efeito multiplicador enorme. Com isso, a gente tem uma responsabilidade ainda maior e uma atuação ainda maior.
Por que é maior?
Porque também somos regulados nesse sentido. E preciso garantir que isso alcance as minhas carteiras. O net zero eu tenho de garantir que todas as minhas carteiras do agronegócio, do imobiliário, do atacado se enquadrem dentro dos objetivos de descarbonização para cada uma das carteiras.
"Eu tenho de garantir que todas as minhas carteiras do agronegócio, do imobiliário, do atacado se enquadrem dentro dos objetivos de descarbonização"
O microcrédito continua sendo transformador?
Não podemos generalizar porque o Brasil é supercomplicado. O modelo de microcrédito funciona em determinados contextos. Temos uma atuação bem importante no Nordeste, no norte de Minas Gerais e em um pedaço do Norte. Mas precisa ter condições precedentes ali para funcionar. Justamente o conceito da responsabilidade solidária não funciona em grandes centros, por exemplo, mas ele funciona em comunidades em que as pessoas se conhecem e têm uma relação de confiança entre si. Nesse contexto, vejo uma operação muito consistente.
É relevante?
Temos uma carteira relevante, o número de clientes é crescente. Estamos obviamente com o foco muito grande de diversificação da atividade de empreendedorismo que essas pessoas fazem e um foco muito grande de educação financeira, tanto para o nosso agente como para o cliente. Tem todo um elemento de jornada digital, que também é importante, que facilita o processo de concessão e o processo de renegociação e recontratação. É uma operação que eu tenho muito orgulho. Já estive visitando três operações nossas, em diferentes lugares. Começamos lá atrás e fomos calibrando essa operação.
Por que é importante como negócio?
Porque nos dá um termômetro da ponta, dessa parcela social mais vulnerável: de como a economia se comporta neste subsegmento. É um termômetro importante para entender para que lado essas pessoas estão indo, o que é importante, o que dá certo. Quando estive lá [em uma das operações], vi empreendedores que são pessoas que fazem artesanato, que vendem produtos industrializados, tipo cosméticos, roupas, lingerie. Vi pessoas que produzem alimentos e que tinham pequenos comércios. Vi uma diversidade de atuações interessante. Em outras regiões é mais específico. Mas buscamos também fomentar novas atuações para garantir a ampliação e amplificação das atividades econômicas para que elas não fiquem muito dependentes de um segmento só.
O impacto continua sendo visível?
É claro o impacto nas famílias, no entorno, sem dúvida. E uma das métricas também é como você mensura o impacto de uma forma independente. Estou conseguindo impactar aqui a condição social, a renda dessas famílias, a melhoria da educação. Enfim, tem outros elementos para garantirmos que está sendo correta a atuação. Mas em um país como o nosso não tem como não atuarmos nisso.
"Em um país como o nosso não tem como não atuarmos nisso [no microcrédito]"
Há porta de saída financeira para esse tomador de microcrédito?
Dentro do Prospera, temos três subsegmentos, do mais vulnerável àquele que já está mais estruturado. Vimos, por exemplo, uma produção de cerâmica super madura, grande. Esse cliente é um que a gente quer que siga na nossa esteira, progredindo na escada de complexidade, de oferta de produtos e que aumente a principalidade. Claro que quero apoiar esse cliente, mas quero que ele também seja um consumidor ampliado - foi o Santander que o apoiou. Tem também um esforço grande de vinculação, como é que garanto que o recurso desse cliente fique conosco. Vamos tentando compor na medida em que o cliente vai se sofisticando. E as ferramentas de educação financeira ajudam muito, porque esses clientes conseguem entender o que é importante fazer.
Como passar confiança para o mercado de crédito de carbono?
Enxergo que é um objetivo de longo prazo, mas que temos que começar, de fato, agora. E a gente já começou há alguns anos. Estamos fazendo um trabalho muito grande na formulação da legislação e, obviamente, temos de entender a complexidade do nosso País para entender e saber respeitar também a maturidade e os momentos. Isso para nós está claro. Estamos evoluindo nessa discussão e a legislação está garantindo alguns elementos importantes de evolução do mercado, tanto voluntário quanto o não [voluntário]. Ao mesmo tempo, sempre fazendo esse paralelo, gastamos de ter o pé na operação.
De que maneira?
O fato de termos empresas que estão envolvidas diretamente em projetos florestais nos dá clareza dos desafios operacionais de execução desses projetos, tanto de restauração quanto de preservação. Toda a discussão dos processos tecnológicos e de mensuração que também estão evoluindo. Será que a metodologia de cálculo de emissões, de cálculo de resgate está correta? É um laboratório. O meu olhar é: com certeza, acredito na tese e a casa também, mas é um laboratório que estamos tendo de aprender a fazer.
Qual foi o seu olhar quando chegou ao Santander?
Um dos primeiros desafios foi organizar esse combo de sustentabilidade. Porque tínhamos de fato coisas muito relevantes, consolidadas, reconhecidas, mas que não necessariamente estavam integradas. Fizemos um trabalho de orquestração desses vários pilares de sustentabilidade, um olhar claro de direção, que buscávamos não só aqui no Brasil, mas também alinhado com o corporativo, com a globalidade. É uma direção cada vez mais associada ao impacto na sociedade, nos clientes.
"Fizemos um trabalho de orquestração desses vários pilares de sustentabilidade"
Tem um momento mais desafiador?
O principal desafio, que eu entendo que ainda é presente, é como garantir ter uma relevância cada vez maior para os negócios e para os clientes. Como é que eu elevo a nossa capacidade de influência e de valor agregado para os nossos interlocutores que estão na frente dos clientes e para os nossos clientes diretamente.
Isso em cada área de negócio que está sob o seu guarda-chuva?
Se você olhar todas as disciplinas que eu gerencio, elas, num olhar inicial, parecem não correlacionadas. Eu tenho macroeconomia, relações governamentais, sustentabilidade, inovação sustentável, marketing, cultura. Isso aqui são áreas isoladas e cada uma tem uma estratégia. Mas, na verdade, elas têm uma correlação gigante. Todas elas trazem conteúdo e pontos de contato externos. Quais são os elementos comuns e como é que eu consolido, empacoto e ofereço uma oferta combinada? Tive esse olhar e fomos refinando, mas o desafio é fazer esses pacotes.
Quais são esses pacotes?
Vou dar alguns exemplos para ilustrar. Na semana retrasada [início de julho], estive visitando a nossa operação de microcrédito no Piauí, que obviamente está dentro do meu guarda-chuva de sustentabilidade. Naquela semana houve um movimento importante no câmbio, que mexeu bastante. Eu fiquei lá pensando: ‘o que significa para o agente do Prospera o movimento do câmbio? O que significa para o cliente do Prospera o movimento do câmbio?’ Isso envolve comunicação, envolve macroeconomia, envolve a conexão do nosso time com o varejo. Como eu empaco um movimento de câmbio para cada subsegmento de clientes. Isso conecta várias coisas. E toda semana ficamos pensando como que eu empacoto as coisas que sejam mais percebidas e mais assimiladas.
É complexo?
Esse é um desafio complexo, sim, porque eu tenho que ir quebrando em pedacinhos para que a gente possa ir entregando esses tijolinhos e no resultado final a percepção da marca e a escolha do cliente pelo Santander seja feita.
Mas de que maneira isso é feito?
Conteúdo e canal é o que eu opero aqui todo dia. E esse talvez seja o desafio principal da minha vice-presidência porque a gente tem ativos físicos. Tenho o Farol Santander, tenho o teatro, tenho os meus eventos, tenho relatórios de macroeconomia, tenho acesso a autoridade pública. Como é que eu junto tudo isso para um repertório de diálogo estratégico com a sociedade, com autoridade pública, com clientes, com jornalistas, com influenciadores das redes sociais de modo que seja bem percebido e que associe ao valor da marca.
Como você mede o sucesso de todas as áreas e do ponto de contato entre todos?
Todos nós somos medidos por métricas comuns. Obviamente tem métricas de total de clientes ativos, totais de clientes gerais, tem métricas de sustentabilidade, temos métricas de vinculação, de principalidade. Essas métricas permeiam todas as áreas do banco e obviamente a nossa. Eu tenho áreas que são diretamente associadas a métricas. Então, a macroeconomia está associada a performance em rankings e como estamos evoluindo. Buscamos garantir metrificações objetivas o máximo possível e tem elementos que são mais sutis, como resultado da marca, como estão sendo percebidos os atributos da marca. Então, tem vários elementos que a gente tenta também associar às minhas caixinhas e aos conjuntos das caixinhas.
"No time de relações governamentais, por exemplo, damos acesso à autoridade pública para cliente institucional. Eu tenho métricas do feedback dos clientes"
Um exemplo?
No time de relações governamentais, por exemplo, damos acesso à autoridade pública para cliente institucional. Eu tenho métricas do feedback dos clientes com relação aos conteúdos, às autoridades que a gente apresenta e o quanto que aumenta as comissões desses clientes na minha corretora por conta do acesso que estou dando à autoridade pública. Tudo isso me ajuda também ver se estou no caminho certo. Precisa ter esse acompanhamento mais técnico para garantir como os resultados estão aparecendo.
Em que ponto o reconhecimento da Euromoney se encaixa nisso tudo?
Isso é um resultado de 25 anos de trabalho aqui. Acho que isso cristalizou um trabalho que vem da origem tanto do Banco Santander como principalmente no Banco Real e ABN. Esses bancos foram pioneiros nesse tema. E tudo que foi sendo construído ao longo desses anos se traduziu em ativos sustentáveis muito relevantes.
Quais são os próximos passos?
Temos três linhas aqui muito importantes que estão permeando a vice-presidência e a organização. Temos uma linha muito importante de como é que avançamos com tecnologia e dados. Eu tenho conteúdo, que se traduzem em milhões de dados. Estamos com um esforço grande aqui na VP de evolução de dados e inteligência artificial. Temos um esforço gigantesco como banco e como VP na experiência do cliente. Como é que eu vou garantir, dentro dos múltiplos canais que eu tenho, que a experiência seja uniforme, harmônica. Isso conecta muito com o elemento de comunicação. Tem um esforço gigantesco de como harmonizo toda a nossa comunicação interna e externa para garantir que a gente tenha uma uma narrativa percebida clara, que seja atribuída a marca.
E qual é o último?
Também estamos fazendo um esforço muito grande de evolução da nossa força de trabalho, para uma força de trabalho cada vez mais horizontalizada, com mais autonomia, com esse olhar de conexão de pontos, esse olhar de lateralidade, esse entendimento dos conteúdos, da profundidade.