Em setembro do ano passado, o médico e empresário turco radicado na Alemanha Ugur Sahin voou para Nova York. Ele estava no meio de um road show para convencer investidores a apostar na BioNTech, empresa de biotecnologia fundada por ele e sua mulher Özlem Türeci, em 2008, para produzir medicamentos para tratamentos contra o câncer.

Nas conversas, Sahin queria levantar aproximadamente US$ 300 milhões em uma abertura de capital na Nasdaq. Mas os investidores não se convenceram. Olhando o histórico da empresa, eles concluíram que a BioNTech tinha pouco a mostrar. Naquela época, apenas 250 pacientes haviam sido tratados com os medicamentos da empresa.

Depois de debater se descartariam a oferta, Sahin e a BioNTech cortaram o preço e o tamanho do negócio, levantando US$ 150 milhões, pouco mais da metade do que esperavam. Mesmo assim, as ações da companhia de biotecnologia caíram 5% no primeiro dia de negociação na bolsa, em 10 de outubro de 2019, e fecharam cotadas a US$ 14,24.

Mais de um ano depois, os papéis da BioNTech estão cotadas a US$ 119,79, uma valorização de mais de oito vezes ao seu primeiro dia de negociação na Nasdaq. E a companhia alemã que foi desprezada pelos investidores foi a primeira, ao lado de sua parceria Pfizer, a ter uma vacina aprovada contra o coronavírus por uma autoridade sanitária no mundo. No caso, pelo MHRA, o órgão regulador britânico.

Foi uma corrida que incluiu desde empresas novatas como a americana Moderna, cujos testes mostraram eficácia parecida com a vacina da BioNTech, a alemã CureVax, a americana Novavax, a gigante Johnson & Johnson e a chinesa Sinovac Biotech, que tem parceria com o governo do Estado de São Paulo, cujos testes da fase 3 devem ser conhecidos em breve.

Neste mês de dezembro, o Food and Drug Administration (FDA) vai analisar os testes da BioNTech/Pfizer para aprovar ou não a vacina para os americanos.  Até agora, os testes de fase 3 da vacina das duas empresas demonstraram que ela tem uma eficácia de 95%.

Nesta semana, Sahin, que já estava no ranking dos bilionários desde julho, entrou também para a lista dos 500 pessoas mais ricas do mundo, com uma fortuna estimada em US$ 5,2 bilhões, por conta de sua fatia de 18% na empresa, segundo a Bloomberg. A BioNTech atualmente vale US$ 28,8 bilhões.

“Não há muitas empresas no planeta com capacidade e competência para fazer isso tão rápido quanto nós”, disse Sahin, em uma entrevista no mês passado. “Portanto, não parecia uma oportunidade, mas um dever de fazê-lo, porque percebi que poderíamos estar entre os primeiros a surgir com uma vacina.”

Quando a crise da Covid-19 ganhou proporções dramáticas no começo deste ano, a BioNTech ainda não tinha nenhum medicamento aprovado. Mas contava com mais de 500 cientistas focados em imunologia.

Após ler notícias sobre um novo vírus na China, Sahin resolveu mudar o foco das pesquisas. No começo de janeiro, ele criou o projeto Lightspeed (velocidade da luz). A meta era nada menos que desenvolver uma vacina contra o coronavírus em tempo recorde.

Fundamental para criar a vacina na “velocidade da luz” foi a parceria com a Pfizer, anunciada em março deste ano. O acordo entre as duas empresas foi viabilizado por conta de uma conexão pessoal de Sahin com outra alemã, a chefe de pesquisas e desenvolvimento de vacinas da Pfizer, Kathrin Jansen.

Os dois se conheciam desde 2017, quando tiveram uma reunião em Nova York. Naquela época, Sahin estava à procura de parceiros para trabalhar em potenciais tratamentos de doenças infecciosas que a BioNTech estava desenvolvendo.

Jansen, que é considerada uma das principais autoridades em vacinas dos EUA, estava cética sobre a plataforma da BioNTech. Mas depois da conversa, ela se tornou mais receptiva as ideias de Sahin. Em agosto de 2018, as duas empresas concordaram em desenvolver uma vacina contra a gripe.

“Como acontece com qualquer nova tecnologia, o mRNA precisava ser comprovado cientificamente e, naquela época, havia poucas evidências de que as tecnologias de RNA poderiam ser eficazes na prevenção de doenças infecciosas”, disse Jansen, em uma entrevista ao The Wall Street Journal (WSJ).

Até aquele momento, a BioNTech ainda não tinha nenhum tratamento ou vacina aprovada. Mas Sahin vinha trabalhando na tecnologia de mRNA com sua esposa há mais de 25 anos. A vacina contra influenza da BioNTech e da Pfizer deveria entrar em testes em humanos em 2020. Mas o coronavírus mudou tudo. Em março, Sahin ligou para Jansen para sugerir uma nova parceria para testar as vacinas Covid-19 nos EUA.

“Claro que eu estaria interessada. É provavelmente a coisa mais importante que faremos ”, disse Jansen para Sahin, segundo o relato do WSJ. Sahin se ofereceu ainda para dividir os custos de desenvolvimento restantes, bem como os lucros ao meio. O resto agora é história.

Mas é uma história de superação. Sahin, de 55 anos, nasceu em Iskenderun, na Turquia. Quando tinha 4 anos, sua família se mudou para Colônia, na Alemanha, onde seus pais trabalhavam em uma fábrica da Ford.

Ele cresceu querendo ser médico e se formou na Universidade de Colônia. Em 1993, Sahin obteve o doutorado da universidade por seu trabalho com imunoterapia em células tumorais.

No início de sua carreira, ele conheceu a Dra. Türeci, hoje sua mulher e médica-chefe da BioNTech. Ela nasceu na Alemanha, mas é filha de um médico turco que imigrou de Istambul. No dia em que se casaram, Sahin e Türeci voltaram ao laboratório após a cerimônia.

A dupla sempre esteve focada em pesquisa e ensino. Mas, em 2001, fundaram a Ganymed Pharmaceuticals, que desenvolveu medicamentos para tratar o câncer usando anticorpos monoclonais.

Depois de vários anos, eles fundaram a BioNTech também, procurando usar uma gama mais ampla de tecnologias, incluindo RNA mensageiro, para tratar o câncer.

“Queremos construir uma grande empresa farmacêutica europeia”, disse Sahin, em uma entrevista ao Wiesbaden Kurier, um jornal local alemão. Ao que tudo indica, o casal está conseguindo.

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