Só falta apertar o botão para a B3 entrar em um mercado que movimentou R$ 2,65 trilhões no ano passado e deverá girar R$ 3,2 trilhões em 2022, segundo estimativa da Abecs, entidade que representa o setor de cartões no país.
Em março deste ano, a B3 lança sua registradora de recebíveis de cartões, após uma força-tarefa que contou com aproximadamente 40 profissionais das equipes de produtos, tecnologia e operações, envolvidos diretamente com recebíveis de cartões nos últimos meses.
Com isso, a B3 vai se juntar a três empresas que estão à frente de um processo deflagrado pelo Banco Central (BC), em meados de 2021, com o objetivo de multiplicar a oferta de crédito com a redução de custos para o varejo
Esse mercado trilionário corresponde ao estoque de operações com cartões de crédito e débito que geram faturas de pagamento que podem ser utilizadas como garantia para tomada de recursos em bancos tradicionais, digitais ou fintechs por milhares de lojistas.
Atento ao potencial dessas garantias, o BC aprovou, em junho de 2021, novas regras para a negociação dos recebíveis ou faturas de cartões. A principal mudança foi a obrigatoriedade de registro dessas faturas e o possível compartilhamento dessas informações pelos lojistas junto a qualquer instituição financeira interessada em fornecer crédito.
Até então, os lojistas poderiam utilizar os recebíveis basicamente com o banco no qual tinham conta corrente. O BC quebrou essa espécie de monopólio. Hoje, o universo das registradoras, que abrigará, em breve, a B3 conta com a CERC Central de Recebíveis, a Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP) e TAG.
A implantação das registradoras de recebíveis exigiu, e ainda exige, pesados investimentos em tecnologia. Nem as empresas já operantes e a B3 revelam os valores envolvidos, mas destacam a complexidade da implantação de sistemas que envolvem alta segurança e interconexão entre elas para viabilizar o acesso de lojistas, credenciadoras, subcredenciadoras e bancos convencionais e digitais.
“Estamos concluindo neste mês os testes de interoperabilidade com as três registradoras – CIP, CERC e TAG – percorrendo a última milha para dar início às operações”, afirma Fernando Bianchini, que chegou à B3 há sete meses para comandar a Superintendência de Produtos de Recebíveis, unidade exclusiva que abriga a registradora.
O executivo informa que a B3 enfrentou dois desafios no processo de testes para homologação da registradora. O primeiro, de conectividade com o sistema, uma vez que a régua de segurança imposta nos processos da bolsa é bastante elevada.
O segundo desafio a superar foi a necessidade de correção de procedimentos também para ampliar a segurança das operações. “A B3 optou por fazer ajustes em tempo de testes, evitando lançar o sistema e voltar atrás para as correções”, diz Bianchini.
Quanto à estratégia de atuação, o superintendente da B3 diz que o primeiro esforço é atuar junto a fintechs de crédito e bancos pequenos e médios. Na prática, portanto, a bolsa tem foco em potenciais financiadores de recebíveis de cartões – nas instituições que possam oferecer crédito aos lojistas. Paralelamente, a B3 decidiu acelerar o registro de duplicatas, serviço já disponível entre seus produtos.
A chegada da B3 traz mais um concorrente em mercado praticamente dominado pela CERC Central de Recebíveis, criada em 2015, com uma fatia de fatia de 80% dos registros de recebíveis de cartões. Mas, ao contrário da bolsa brasileira, a empresa está voltada especialmente aos lojistas.
A CERC, que detém hoje cadastro de 30 milhões de estabelecimentos que operam pelo menos uma maquininha de cartão, processa diariamente de 1,5 bilhão a 2 bilhões de documentos, informa Marcelo Maziero, cofundador e presidente do conselho da CERC.
Segundo o empresário, a taxa de sucesso das operações cursadas pelas registradoras é da ordem de 99%. “Esse nível de assertividade é importante, considerando a complexidade de implantação do sistema de registro e consulta de operações que envolvem mais de 300 participantes e 3 registradoras interoperando. São 20 credenciadoras de cartões e mais de 200 subcredenciadoras”, afirma Maziero.
Maziero garante que a abertura das informações, em função das novas regras lançadas em meados de 2021, ampliou de fato o leque de participantes oferecendo crédito ao varejo. “A competição foi ampliada. E, no atual estágio, avança a criação de novos produtos financeiros”, diz o empresário.
Segundo ele, uma espécie de mercado secundário de recebíveis de cartões já é utilizado por grandes distribuidores de combustíveis e produtores de bens de consumo como ‘moeda’ junto a clientes menores. Pagamentos são realizados em recebíveis.
“Assistimos também a um processo de tokenização dos recebíveis. Ainda engatinha, mas também será uma realidade no curto prazo, permitindo transformar as receitas a receber pelos lojistas em ativos acessíveis através das redes globais de blockchain.”
A Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP), por sua vez, dispõe de fatia de 80% a 85% do volume de recebíveis das credenciadoras Cielo, Rede, Getnet e SafraPay, além de 90% de financiadores. “Além dos grandes bancos, os FIDCs têm assumido posições relevantes neste mercado de recebíveis de cartões”, afirma Rafael Dal Mas, diretor de produtos da registradora.
De acordo com ele, não há ainda o barateamento do custo do crédito pela adoção das novas regras do BC para recebíveis de cartões”. Mas, em sua visão, a redução de custos vai acontecer, inclusive, em função da entrada de novos players no sistema. “Participantes com estruturas mais leves [como as fintechs] e mais focadas em determinados nichos ajudarão nesse processo”, diz Dal Mas.
Provedora de soluções e serviços para instituições financeiras, fundada em 2001 e controlada pelos grandes bancos, a CIP pretende lançar novos produtos de recebíveis de cartões. Porém, neste momento, mantém seu foco na estabilização do ecossistema que tem poucos meses de funcionamento sob as novas regras determinadas pelo BC. “Tem muita coisa para fazer, muito valor a ser agregado às operações. A CIP detém grande volume de informações”, afirma Dal Mas.
Criada pelo grupo Stone, em 2015, a TAG informa que o ecossistema das registradoras se encontra estável operacionalmente. “Contudo, algumas dificuldades ainda precisam ser superadas na interoperabilidade, como a padronização entre as registradoras e a consequente inconsistência informacional de agendas de recebíveis entre as mesmas”, diz Carol Cypriano, diretora da TAG.
A exemplo de seus pares, Cypriano vê a concessão de crédito com garantia em recebíveis de cartões em expansão, como evidenciam dados divulgados pelas três registradoras autorizadas. “De julho de 2021 a novembro de 2021, o total de contratos trocados entre elas saltou de 100 mil a 1,8 milhão”, diz a executiva.
Em 2022, a TAG pretende trabalhar na evolução do sistema de recebíveis de cartão, com expansão de seus produtos com enfoque em dados e, em seguida, o eventual registro de outros ativos, como a duplicata escritural – ainda a ser regulamentada pelo BC.
“Esperamos crescimento de demanda em 2022. Associações de credores têm indicado que aguardam apenas a estabilização completa dos sistemas de registro, que acreditamos acontecerá no final do primeiro semestre, para que possam operar no volume inicialmente previsto”, afirma Cypriano.
Exemplo de diversificação no mercado de recebíveis é a fintech Monkey Exchange. Fundada em 2016 por Gustavo Muller e os sócios Bruno Oliveira e Felipe Adorno, a Monkey nasceu como plataforma para antecipação de recebíveis e lançou, em setembro passado, a Spike – também marketplace de recebíveis de cartões voltada aos pequenos e médios varejistas.
Em 2021, a Monkey movimentou R$ 40 bilhões, resultado da interação de 22 mil usuários e 72 instituições financeiras. Leonardo Lanna, diretor de produtos da Monkey e da Spike, informa que a meta da Spike para este ano ronda R$ 30 bilhões transacionados na plataforma.
“Neste começo de ano, acreditamos que já temos uma solução sólida o suficiente para começarmos a expandir o produto [recebíveis de cartões] em diversos canais de distribuição, o que permitirá um crescimento importante dessa frente na Monkey”, afirma Lanna.
Para os próximos meses, a Spike tem meta agressiva de contratação focada principalmente em desenvolvedores e força comercial com o objetivo de entregar novas funcionalidades para o produto e expandir canais de atendimento.