Se, de um lado, os fundos de venture capital estão tirando o pé do acelerador. De outro, o venture debt, até então uma modalidade que estava fora do radar das startups, está passando por um momento diferente no Brasil.
O mais novo competidor nesse espaço é o Voiter, instituição financeira tinha como objetivo se tornar um banco de negócios voltado à oferta de crédito para empresas. No radar, além de companhias de médio e grande porte, estavam também as startups.
Nesta semana, o Voiter avançou nesse plano. O banco comandado por Fernando Fegyveres, ex-Itaú BBA, vai destinar até R$ 150 milhões ao financiamento de startups através de venture debt.
“Ainda que existam outros players operando com venture debt, há um mercado para ser explorado”, diz Fegyveres, CEO do Voiter, ao NeoFeed. De acordo com o executivo, os valores envolvidos em venture debt no Brasil representam apenas 1% do valor captado por startups.
Oficialmente, não há dados sobre o tamanho do mercado de venture debt no País. Nos Estados Unidos, as operações dessa modalidade somaram US$ 30 bilhões em 2021, contra US$ 300 bilhões de investimentos feitos por fundos de venture capital no mesmo período, segundo o Pitchbook.
O dinheiro para as operações vem do próprio banco e de assets e family offices. O valor deverá ser utilizado para operações envolvendo até 20 startups, com cheques que giram entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões.
Fegyveres diz que o Voiter é “agnóstico setorialmente” e olha para empresas de diferentes segmentos. O executivo ressalta, porém, que há uma atenção especial para as agtechs, as startups que operam no agronegócio. Inicialmente, também estão no radar edtechs e startups que atuam no modelo SaaS (Software as a Service).
No filtro para a escolha de quem irá tomar esse crédito, há preferência para empresas que estágios prévios a um aporte Série A, mas com produtos consolidados. “Queremos mais do que uma apresentação de PowerPoint. A empresa precisa ter contratos efetivamente conquistados”, diz Fegyveres.
Dentro dessa tese, para evitar a inadimplência, o Voiter dá preferência para startups que operem com vendas B2B. O banco analisa os contratos e cria uma conta em que coleta automaticamente uma parte do valor dos recebíveis para quitar a dívida, de acordo com as condições da operação firmada com cada empresa.
“A gente sabe que vai passar por uma ou outra situação mais difícil”, diz Fegyveres, que estima uma perda entre 10% e 15% com as operações. “Por isso, gostamos de trabalhar com empresas que já tenham passado por rodadas de captação de recursos, que já tenham contratos conquistados e modelos que tragam fluxo de caixa.”
Do lado do Voiter, o ganho na operação está dividido entre a taxa de juros e um prêmio caso o valuation da companhia que tomou o crédito aumente ao longo do contrato de dívida. De acordo com o Voiter, a expectativa é obter um retorno mínimo de 30% nas operações.
Levando em conta esses aspectos, a primeira operação do Voiter envolveu a Smartbreeder, startup do agronegócio que desenvolve sistemas de gestão e automatização para melhorar a produtividade no campo através de tecnologias como inteligência artificial e big data. O valor da operação não foi revelado.
Fundada por Éder Gigliotti em 2009, a Smartbreeder pretende utilizar o dinheiro para aumentar de 2,7 milhões para 15 milhões o número de hectares monitorados pela companhia num prazo de cinco anos. Antes do empréstimo, a startup já havia captado, em 2018, R$ 5 milhões em um aporte liderado pela gestora de venture capital KPTL.
O crescimento deve ser impulsionado com a captação de mais um investimento ou uma parceria estratégica com outra empresa, mas os acordos ainda estão em fase de negociação. A ideia é ampliar o escopo de trabalho, hoje focado em cana-de-açúcar, para plantões de soja, milho e algodão.
Além da Smartbreeder, o Voiter tem conversas avançadas com mais uma startup, de marketing digital. "Temos na esteira uns 15 casos sendo estudados e até o fim do ano devemos fazer pelo menos mais seis operações", diz Lucas Magalhães, responsável pela área de Negócios Tech da Voiter e que será um dos encarregados da vertente de venture debt.
Setor aquecido
Entre os bancos, o Itaú Unibanco e o BTG Pactual já criaram linhas de crédito para startups por meio do instrumento de dívida. No primeiro, as operações variam entre R$ 5 milhões e R$ 30 milhões, enquanto no segundo, os empréstimos giram entre R$ 200 mil e R$ 4 milhões.
Outras iniciativas envolvem, por exemplo, o Brasil Venture Debt. A gestora que ajudou a desbravar essa vertente no País quando captou R$ 140 milhões em seu primeiro fundo, em 2018, anunciou no começo deste ano um novo fundo no qual pretende captar R$ 300 milhões para aportar startups.
Há ainda mais nomes de olho nesse mercado, como a Galapagos Capital, de Carlos Fonseca, ex-sócio do C6 Bank e do BTG Pactual; o Silicon Valley Bank, que tem um fundo de US$ 30 milhões para startups latino-americanas; e a Naia Capital, gestora que em maio lançou recentemente um fundo de R$ 150 milhões dentro desse modelo.
Vale citar ainda a chegada do fundo americano Partners for Growth ao Brasil. Trata-se de uma gestora com US$ 750 milhões em ativos sob gestão e que vai criar uma equipe para investir em dívida para startups na América Latina.