A Lalamove perdeu a primeira na batalha judicial que enfrenta contra a Vuxx por uso indevido de dados. Na ação movida ainda em 2019, a Lalamove é acusada de se apropriar indevidamente de um banco de dados com informações sensíveis e estratégicas do setor logístico, além de dados de clientes potenciais e atuais da startup brasileira.

Proferida no dia 19 de setembro, a sentença do juiz Eduardo Palma Pellegrinelli, da 1ª Vara Empresarial da Capital do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgou procedente todos os pedidos da Vuxx em relação a Lalamove. Ainda cabe recurso.

Obtida pelo NeoFeed, a sentença obriga a Lalamove, uma startup de entregas que atua na última milha, a se abster do uso dos dados e condena a empresa ao pagamento de uma indenização por danos emergentes e lucros cessantes. Os réus também terão que arcar com as custas processuais e os honorários advocatícios.

“A concorrência é bem-vinda, mas a concorrência desleal deve ser duramente reprimida. A sentença segue essa linha”, diz Gabriel Rocco, do escritório Pereira Neto, Macedo e Rocco Advogados, que representa a Vuxx.

Em nota, a Lalamove “reitera sua posição de que não utiliza qualquer tipo de informação confidencial de terceiros em suas operações”. A companhia também afirmou que irá recorrer às instâncias cabíveis” e que “reforça sua responsabilidade com práticas comerciais éticas e respeito à propriedade intelectual”.

Se houver recurso, o caso passará a ser julgado em segunda instância. A expectativa é de que uma decisão nesta fase leve entre um e três anos para ser proferida. Depois, o lado perdedor ainda poderá recorrer a Brasília, onde eventual recurso costuma levar mais um ano para ser julgado.

Enquanto isso acontece, a Vuxx deverá dar início aos trabalhos para que seja calculada as verbas indenizatórias do processo. A expectativa é de que este valor gire entre R$ 10 milhões e R$ 20 milhões, cifra que é calculada com base em quanto os dados melhoraram a posição da Lalamove no mercado e prejudicaram a Vuxx.

Atualmente a Vuxx faz parte da Rappi. Em maio do ano passado, a startup foi vendida para a Box Delivery, empresa que tinha entre seus investidores a Aliasnce Sonae e o grupo Trigo, por R$ 35 milhões. No mês seguinte, a Rappi adquiriu a Box Delivery por valor não divulgado.

A Lalamove, por sua vez, se concentra no processo de abertura de capital da Lalatech, sua holding. A companhia entrou com um pedido de IPO em Hong Kong no fim de março. A expectativa é levantar US$ 1 bilhão com a oferta inicial de ações com um valuation de US$ 10 bilhões, que ainda não tem data para acontecer.

A empresa, que é baseada em Hong Kong, já levantou US$ 2,5 bilhões de investidores como Tiger Fund, Sequoia Capital, D1 Capital Partners e HillHouse Capital Group.

Entenda o caso

Fundada em 2015, a Vuxx é uma logtech que conecta empresas que precisam de frete com motoristas interessados em transportar pequenas e médias encomendas. Em 2018, a ideia chamou a atenção de investidores-anjo como Ariel Lambrecht (ex-99) e Kai Schoppen (da Infracommerce).

O imbróglio com a Lalamove começou no ano seguinte e envolve Adriano Misina, um ex-funcionário da Vuxx e que deixou o emprego para trabalhar na Lalamove. Adriano é acusado de compartilhar um arquivo com dados sensíveis da operação com Daniel Hsu, diretor na Lalamove.

O arquivo foi compartilhado via WhatsApp e a descoberta de que isso aconteceu se deu porque Adriano deixou seu computador utilizado para trabalho ligado no escritório e com o aplicativo aberto, ao qual foi possível observar o histórico de conversação entre ele e Daniel.

“Nesse período de troca de empresas, a Vuxx tomou conhecimento de que havia sido realizada a extração da base de dados do seu sistema”, diz Rocco. “Havia uma troca de mensagens muito rica entre ambos e isso trouxe uma boa impressão a nosso favor.”

O arquivo compartilhado, chamado de “Base de Dados Estratégicos”, foi construído pela Vuxx ao longo de três anos por uma equipe de pelo menos 12 profissionais munidos com ferramentas de inteligência artificial. O documento tem estudos de mercado, nome e formas de contato com clientes, além de dados de motoristas.

O processo relata que a Lalamove “passou a acessar sequencialmente os principais clientes da Vuxx”. Isso deu à companhia informações sobre o volume de contratação de cada cliente, as pessoas-chave de cada negócio, os fatores que pesavam na contratação, a periodicidade na necessidade do serviço e até o preço praticado para cada cliente.

A Lalamove, por sua vez, alega que “não precisava desses dados” por já ter contratado empresas especializadas na consolidação deste tipo de informação e que Adriano, “querendo mostrar serviço a seu novo chefe, acabou por pegar uma lista de nomes de empresas, mantida pela Vuxx sem qualquer sigilo ou proteção, e se vangloriou disso para o Daniel, que entrou ‘na onda’ de Adriano”.

Outro trecho do processo destaca que a Lalamove se defende ao dizer que “os nomes e dados que a autora alega terem sido apropriados pelos réus são ‘obtidos sem qualquer esforço’, em ‘alguns segundos no Google’. A companhia também diz que “embora moralmente reprovável, a conduta de Adriano não causou qualquer prejuízo à autora nem implicou benefício à Lalamove”.

A sentença de primeira instância, contudo, foi em direção contrária da defesa da Lalamove e afirmou que a empresa chinesa “utilizou meios ilícitos” para concorrência e diz que Daniel e Adriano tinham plena consciência de que as informações transmitidas eram estratégicas e sigilosas.