Em um mundo que se fecha em tarifas – o que deve dificultar a movimentação de mercadorias – há também novas cercas que estão sendo erguidas e podem afetar o desejo de emigrar dos brasileiros donos de grandes fortunas.
Países como Portugal, Reino Unido e Itália têm criado barreiras que dificultam a emigração. Os Estados Unidos, por sua vez, facilitam a entrada de imigrantes em alguns casos e criam imensas dificuldades em outros. Por outro lado, os Emirados Árabes Unidos começam a entrar no radar dos brasileiros pelos seus incentivos.
Segundo estudo da consultoria Henley & Partners, 1.200 brasileiros com patrimônio acima de US$ 1 milhão têm o desejo de sair do Brasil neste ano, 50% a mais que 2024. Mas family offices que trabalham com isso têm alertado que as condições não são como antes.
“A validação do IOF do jeito que foi, a instabilidade política e jurídica, isso tudo deu uma escalada na vontade das famílias irem embora. Se antes as conversas eram mais exploratórias, agora são mais objetivas. Mas muitos benefícios que tinham antes não existem mais”, afirma Pedro Olmo, sócio responsável pela área de gestão patrimonial da Sten Multi Family Office.
Um exemplo é Portugal, um dos países mais buscados pelos brasileiros. No mês passado, o Parlamento aprovou um pacote anti-imigração que endurece as regras para visto de residência e realização do reagrupamento familiar – que permite que parentes de imigrantes regularizados no país possam viver também em Portugal.
O texto aprovado pelo Parlamento português ainda precisa ser sancionado pelo presidente. Mas, se aprovado, os imigrantes regularizados só poderão solicitar trazer a sua família após dois anos de residência em Portugal.
O endurecimento vem depois do grande golpe para os donos de grandes fortunas em 2023, que foi o fim do regime de Residente Não Habitual (RNH). Esse regime dava diversos incentivos fiscais para quem mudasse a residência fiscal para Portugal. Agora, o programa ficou muito mais restrito.
O mesmo aconteceu com o Golden Visa. Se antes apenas um investimento imobiliário ou uma transferência de capital dava o direito ao visto, agora é preciso investir em um negócio de geração de empregos que esteja na lista do governo ou investir em atividades de investigação científica ou artística, que, em geral, não darão retorno financeiro.
“Portugal agora tem cerca de 10% da sua população como imigrante. E questões políticas acenderam a ideia de que não é justo os estrangeiros pagarem menos impostos”, diz Eric Visini, sócio na área de Planejamento Patrimonial e Sucessório de TozziniFreire Advogados.
“Além disso, a compra de casas com esses incentivos gerou uma especulação imobiliária que estava dificultando os próprios portugueses de comprarem. E tudo isso gerou restrições”, complementa.
Essas mudanças têm feito os brasileiros repensarem Portugal como um destino. Mas a terra do fado e do pastel de Belém não está sozinha. O Reino Unido, que tinha um dos programas mais atrativos fiscalmente para atrair grandes fortunas, chamado Non-Don (não domiciliado), foi descontinuado.
O Non-Don, que tinha duração de 15 anos, deu lugar ao FIG, de duração de apenas quatro anos. A mudança colocou o Reino Unido no topo da lista de expectativa de saídas de milionários do mundo em 2025, estimando-se 16,5 mil movimentações, segundo o Henley Private Wealth Migration Report 2025.
“A redução dos incentivos diminuiu muito a procura entre os brasileiros, até porque, em termos de atratividade, o Reino Unido, por ser frio, não estava entre as prioridades”, diz Visini.
Outro caso de cerco fechando é o da Itália. O país da bota vinha sendo a escolha de quem já não via atratividade em Portugal e no Reino Unido por ter um regime de imposto fixo. Mas ele foi ajustado no ano passado. Se antes o pagamento era de € 100 mil anuais, agora é de € 200 mil – o que torna o regime interessante apenas para grandes fortunas, acima de R$ 200 milhões, segundo os especialistas ouvidos pelo NeoFeed.
Além disso, a Itália restringiu a possibilidade de cidadania para até a segunda geração e para os italianos natos. Portugal está também seguindo os italianos. Por lá, está em tramitação um Projeto de Lei para alterar o tempo mínimo para requerer a nacionalidade portuguesa por meio da residência no país: de cinco para sete anos entre os cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e de cinco para 10 anos para os demais estrangeiros.
“Estamos vendo o cerco fechar para conseguir a cidadania, o que dificulta a imigração, assim como a redução dos incentivos. Os países estão sendo mais criteriosos com o perfil que pretendem trazer, priorizando quem gera empregos”, afirma Olmo, do Sten Multi Family Office.
Para Pedro Romeiro, sócio responsável pelo planejamento patrimonial da Carpa Family Office, esses entraves e condições não tão vantajosas têm feito a saída efetiva ser bem menor que a vontade. “Observamos os clientes saturados e se dizendo decididos a sair do País. Mas, ao analisar as opções e o que significam as mudanças, são poucos os que realmente saem.”
Estados Unidos seguem como prediletos, mas...
Os Estados Unidos seguem liderando a lista de desejo de imigração dos brasileiros, apesar de não terem incentivos fiscais para atrair os milionários. Ao contrário. Os impostos na terra do Tio Sam são mais pesados do que no Brasil, variando de acordo com cada estado.
A identificação com a cultura, a pujante economia e o ambiente mais “pró-business” são alguns dos motivos que colocam os Estados Unidos no topo da lista dos brasileiros. Mas as novas políticas de imigração de Donald Trump têm tornado as coisas mais difíceis – pelo menos para alguns públicos.
Apesar de ainda não ter havido nenhuma mudança na legislação, Trump endureceu a fiscalização contra os imigrantes, em especial os de estudante e de trabalho temporário — categorias frequentemente usadas por brasileiros como porta de entrada. Agora, é obrigatório deixar as redes sociais públicas para a imigração estudar o perfil de quem solicita o visto.
“Já temos visto casos de filhos de clientes que foram estudar em universidades americanas top e não estão conseguindo visto para estagiar por lá. Assim, o plano de ter uma experiência profissional e até mesmo conseguir fazer carreira por lá complicou, e muitas famílias estão considerando ir para a Europa fazer esse caminho”, afirma Romeiro, da Carpa Family Office.
Para o advogado Vinicius Bicalho, CEO da Bicalho Consultoria Legal, especializado em ajudar brasileiros com questões de imigração para os EUA, o momento exige mais planejamento e orientação para esse perfil driblar entraves burocráticos. Somente neste primeiro semestre deste ano, o escritório atendeu mais de 4 mil pedidos de consultoria jurídica. E o número deve dobrar até o fim do ano.
“O Trump quer passar a imagem de presidente implacável, diferente do Biden, que tinha uma visão mais humanitária com a imigração. E, com isso, os justos acabam pagando pelos pecadores”, afirma Bicalho.
Segundo ele, quem provar que tem vínculos fortes com o Brasil e só quer extrair conhecimento e voltar tem grandes chances de conseguir o visto. Mas quem demonstra que pretende trabalhar por lá, mesmo sendo altamente qualificado, começa a ter mais dificuldades.
Já para os vistos de grandes fortunas, que não almejam trabalhar, mas apenas gastar nos Estados Unidos, nada mudou. O visto E-B5, que exige um investimento de US$ 800 mil, continua o mesmo e em alta. E Trump está anunciando a criação de um “Golden card”, com exigência de investimento de US$ 5 milhões para ganhar visto de permanência.
Outro visto sem alterações e super em alta entre os brasileiros é o de empreendedor, o EB-2. Neste, é preciso ter uma cidadania de um país que tem tratado de comércio especial com os EUA (o Brasil não tem, mas a União Europeia sim) e investir ao menos US$ 100 mil em um negócio que gere empregos.
“Os EUA estão refinando o perfil de imigrantes que querem, restringindo mais quem vai trabalhar, mas certamente continuam desejando quem vai gerar empregos ou gastar”, diz Bicalho.
Por isso, mesmo diante da retórica hostil, a procura por alternativas legais para morar nos EUA disparou e a concessão continua em alta. Somente em 2024, foram concedidos 2.894 vistos EBs para brasileiros, ante 2.552 em 2023. E 2025 parece que não ficará atrás. “Esse foi o melhor primeiro semestre da história do nosso escritório”, revela Bicalho.
Emirados Árabes entram no radar
Enquanto boa parte dos destinos da alta renda e grandes fortunas passa por restrições, os Emirados Árabes Unidos (EAU) continuam com incentivos que o colocam no topo da lista dos destinos de 2025 da Henley Private Wealth Migration Report 2025, com estimados 9.800 novos milionários em 2025.
O país, incluindo a sua cidade de milionários Dubai, não cobra imposto de renda para pessoa física e garante também a isenção para estruturas patrimoniais de gestão de patrimônio passivas. Mas não é um paraíso fiscal, cobrando um imposto de 9% para empresas fazerem transações.
Os Emirados Árabes Unidos contam ainda com um Golden Visa com validade de 10 anos, que não exige tempo mínimo de estadia no país. Para consegui-lo, é preciso apenas fazer um investimento de cerca de US$ 550 mil dólares, sem restrições, podendo, inclusive, ter um alto potencial de retorno, já que a região está em franco crescimento.
“Os EAU têm sido um polo de atração de milionários da Ásia e mesmo da Europa e estavam fora do radar dos brasileiros, mas começam a entrar. À medida que eles vêm a turismo e ficam impressionados com o funcionamento, segurança e seu luxo”, afirma Kath Zagatti, head de private clientes e family offices da M/HQ (Dubai).
Segundo a advogada especializada em imigração para este país, a demanda por consultas de imigração de brasileiros vem aumentando à medida que os brasileiros vão conhecendo o país a lazer, por ser hoje um dos principais hubs de ‘stop over’ das companhias aéreas. Além disso, o EAU tem, atualmente, uma ampla gama de colégios internacionais e está cada vez mais ocidentalizado.
Essa política de imigração tem atraído desde grandes fortunas até trabalhadores qualificados, o que fez a população saltar de 9,4 milhões em 2015 para 11,6 milhões hoje, com renda per capita nominal de cerca de 45 mil dólares.
“O mundo está mudando e os milionários estão sendo tratados diferente pelo mundo. Enquanto lá, há uma política de país para atrair essas grandes fortunas. É preciso ficar atento a essa tendência”, diz Visini, da TozziniFreire Advogados.