O BNP Paribas passou por uma reorganização no Brasil. O maior banco francês e da Zona do Euro, com cerca de 2,7 trilhões de euros em ativos totais, fortaleceu o seu banco de atacado no ano passado, após o encerramento de toda a sua operação comercial em 2022, que por orientação da matriz ficou restrita apenas ao continente europeu. A decisão global foi focar onde a instituição financeira é mais competitiva.

“A parte de varejo bancário ficou apenas na Europa na nova estratégia global. Mas, no Brasil, o wealth precisa de uma estrutura comercial de varejo para ganhar escala. E eu não conseguia trazer as soluções da Europa para o cliente brasileiro, pelas diferenças regulatórias e culturais”, diz Ricardo Guimarães, CEO do BNP Paribas no Brasil, em entrevista exclusiva ao NeoFeed.

No Brasil, onde tem cerca de R$ 110 bilhões em total de ativos, o banco tinha uma divisão de crédito ao consumo com cerca de 3 milhões de clientes. Assim como em outras partes do mundo, ela foi fechada. E houve um acordo com o Bradesco para incorporar o seu private banking onshore, com clientes, funcionários e cerca de R$ 15 bilhões sob gestão.

“O varejo bancário brasileiro é muito especializado e é dominado pelos players nacionais. Por isso, vários players globais que entraram aqui acabaram se retraindo. Não fazia sentido. Mas nos outros business não há dúvida do nosso destaque e competitividade. Por isso, investimos”, afirma Guimarães.

Quem mais sentiu o fechamento da área de wealth management local foi a BNP Asset Management, que detém cerca de R$ 67 bilhões sob gestão e está entre as 20 maiores gestoras do País. A principal perda foi o mercado cativo dentro de casa, o que tem feito o banco repensar sua estratégia do canal de distribuição.

“Temos uma asset muito relevante e competitiva no Brasil e grande parceria com plataformas e bancos. Mas, obviamente, quando eu tinha um wealth havia menos apetite para distribuir direto para a pessoa física”, diz o  CEO do BNP Paribas.

Mesmo sem a ajuda da distribuição dentro de casa, a BNP Asset Management conseguiu se destacar em um ano difícil para a indústria. A captação líquida estava praticamente zerada no ano enquanto a indústria acumulava resgates de R$ 63 bilhões até novembro, segundo dados da Anbima.

Parte desse resultado da gestora do BNP se deve a uma boa carteira de crédito, que não tinha ligação com os eventos Americanas e Light, que abalaram o mercado privado no primeiro semestre. Essa “distância” atraiu investidores para essa classe de ativos dentro de casa.

“Agora, estamos aumentando o relacionamento com gestores de patrimônio independentes e discutindo se já temos a estrutura ideal de distribuição ou se precisamos de uma distribuidora para alavancar isso”, afirma Guimarães.

O banco de investimentos e a infraestrutura

As áreas que mais receberam investimentos do BNP Paribas foram o banco de investimento e o de atacado. Segundo o banco francês, houve uma redução de cerca de 40 pessoas com o fechamento do wealth, mas o número total de funcionários já foi igualado pela contratação que foi feita principalmente nessas duas áreas.

O banco de atacado atua em três áreas: marketing making e hedge; custódia e administração de fundos; e global banking, concedendo crédito a empresas. E 2023 não foi um ano muito animador para isso.

Os eventos de crédito no começo do ano trouxeram uma redução do apetite por crédito, houve uma redução da indústria de fundos e necessidade de diversificação com o aumento de juros, e por não haver uma grande tendência de mercado, houve pouca demanda por hedge.

O que movimentou o ano foi o investimento em infraestrutura -- que deve continuar como estrela em 2024 com a agenda do PAC e dos governos estaduais em saneamento, rodovias e mobilidade urbana, principalmente para financiar pequenas e médias empresas deste segmento.

“A gente tem atuado muito forte em projetos de infraestrutura e queremos acompanhar todo o processo das empresas, do projeto a gestão da operação”, conta o CEO do BNP Paribas no Brasil.

“O governo quer que os bancos financiem as pequenas e médias empresas, e as grandes acessem o mercado de capitais. Isso nos deixaria próximos ao mercado americano, e por ter grande governança nessa área, traz conforto para o investidor e grande oportunidade para nós”, complementa o executivo.

A proposta do banco de investimentos no Brasil é atender os clientes multinacionais no país e os brasileiros que estão no exterior, atuando tanto com empresas como instituições financeiras. Usando todo o networking global do banco, o primeiro banco de investimento da França.

“O Brasil é um país com 214 milhões de pessoas, grande demanda de infraestrutura e de projetos sustentáveis. Vários grandes clientes mundiais do banco estão aqui, ao mesmo tempo que cada vez mais empresas brasileiras se lançam ao exterior. Isso torna ter um banco de investimento forte aqui fundamental”, diz Guimarães.

A agenda verde

As chamadas emissões de títulos verdes é onde há um grande encontro entre a Europa (onde a agenda ESG é obrigatória) e o Brasil. O BNP tem atuado junto a grandes bancos de desenvolvimento em grandes emissões, como na debênture da empresa de transmissão de energia elétrica ISA CTEEP, de R$ 550 milhões.

“Somos líderes em emissões de sustentabilidade e esse é um dos principais focos de crescimento por aqui, pois esse é um novo ciclo industrial se iniciando que o Brasil não pode perder. Queremos ajudar o País a se desenvolver nessa agenda com a expertise de europeu que temos”, diz Guimarães.

O banco europeu acredita em uma reorganização da cadeia produtiva mundial. Se antes o foco estava em estar perto de mão de obra e da tecnologia produtiva, agora seria a vez do power shoring, em que as cadeias produtivas estariam mais próximas das energias limpas. Neste cenário, o Brasil teria uma enorme vantagem competitiva.

“Temos uma matriz energética limpa, renovável, tecnologia no uso da terra, e geograficamente estamos tanto perto dos Estados Unidos como da Europa. Isso pode trazer uma avenida de crescimento para o Brasil”, afirma o CEO do BNP Paribas.

Até o desenvolvimento dessa nova ordem mundial, o Brasil precisa fazer alguns deveres de casa no curto prazo, como criar a sua taxonomia verde, e se posicionar como líder dessa agenda. O país será sede da COP30, o que pode representar um marco. Participar do desenvolvimento do mercado regulado de carbono também seria estratégico.

No segmento de investimentos financeiros, o BNP também quer ser protagonista na conexão do Brasil com o mundo. Sua atuação local está mais em dar infraestrutura para que grandes bancos, corretoras e gestoras possam fazer diversificação internacional.

Mas do ponto de vista global, o banco quer apresentar o Brasil como investimento para grandes gestores. O que em um ambiente de juros altos não é simples, mas o país continua atraindo a atenção do investidor especializado, o que só tende a aumentar.

“O investidor dedicado a emerging markets continua olhando o Brasil como importante, porque em termos relativos nosso potencial é muito alto. A China está desacelerando, a Índia está cara e a Rússia ficou proibitiva. A queda de juros internacionais deve aumentar a procura”, diz Guimarães.

Fato é que o Brasil ainda está muito fechado para o mundo em termos de negócios e investimentos, mas isso não só precisa, como só pode melhorar daqui para frente. A oportunidade de crescimento é grande, e o banco francês fundado em 1848 e no Brasil desde 1950, acredita que tem o gabarito para conduzir isso.

“Acreditamos muito no Brasil e no seu desenvolvimento no longo prazo, e no seu potencial como economia líder da sustentabilidade. E queremos ser o grande parceiro mundial nesse processo”, afirma Guimarães.