A Petros, segundo maior fundo de pensão do País com cerca de R$ 134 bilhões sob gestão, convive com um déficit bilionário há mais de 10 anos. Uma situação que traz desconforto aos 132 mil participantes, entre ativos e assistidos.

O economista Henrique Jäger assumiu a presidência da Petros em julho do ano passado. É a segunda vez que ele está à frente da fundação que tem a Petrobras como principal patrocinadora e que cuida de 26 planos patrocinados, com 34 patrocinadores.

Na sua primeira passagem, em 2015 e 2016, Jäger compareceu à CPI dos Fundos de Pensão para explicar o déficit da fundação. O problema começou no ano anterior à gestão dele, quando a Petros teve déficit de R$ 6,2 bilhões. De lá até 2023, o “buraco” acumulado é de R$ 30 bilhões.

“Consolidamos o processo de imunização dos planos mais maduros (em que se paga muito mais do que se recebe), garantido que o déficit se estabilize”, diz Jäger, em entrevista ao NeoFeed. “Essa política começou antes da minha entrada. Cerca de 80% desses planos estão imunizados, com títulos públicos e CDI, acima da meta atuarial.”

É importante frisar que esse déficit bilionário vem dos planos de Benefício Definido (BD), um modelo de reserva coletiva no qual o participante tem garantido o recebimento de um valor no futuro. Mas ele está em vias de extinção no sistema para ser substituído por modelos de poupança individuais.

Jäger tem como foco de sua gestão a melhoria de três frentes: governança corporativa e gestão de riscos; reaproximação com os participantes e patrocinadoras trazendo mais transparência; e a chamada imunização da carteira (que sejam imunes às variações das taxas) dos planos com déficit.

“Uma coisa importante que já foi implementada é o planejamento estratégico da fundação com metas anuais. Não havia. Não se tinha o direcionamento de onde a Petros quer estar nos próximos anos”, diz Jäger.

Em paralelo à estratégia, Jäger precisa definir um novo CIO para a Petros. Paulo Werneck, que era o diretor de investimentos da fundação desde dezembro de 2021, renunciou ao cargo em junho deste ano para ser o diretor de investimentos da Vivest. Alexandre Dias Miguel está na posição interinamente desde então.

Nesta entrevista, Jäger, que anteriormente integrava a equipe de assessores da presidência da Petrobras, que estava sob o comando de Jean Paul Prates, fala dos desafios para o equacionamento dos planos deficitários e para a gestão de portfólio com a regulação de marcação a mercado, avalia os principais avanços na transparência e opina sobre as propostas de taxação dos fundos de pensão.

Quando você assumiu a presidência da Petros, em julho do ano passado, houve um questionamento do mercado financeiro e dos participantes sobre a sua indicação ser política. Agora, 15 meses depois, essa desconfiança ficou no passado?
Primeiro eu gostaria de fazer uma correção. Não houve desconfiança por parte do mercado financeiro, que já conhecia o meu trabalho pelo meu outro mandato em 2015 e me apoiou nesse processo. O que houve foi um pequeno grupo de participantes, cerca de 4 mil do universo de 132 mil, que se manifestou e fez muito barulho por estar apreensivo com a mudança. O que é normal, ninguém gosta de mudança. Mas ao ser indicado pelo patrocinador, passar no processo seletivo e ser aprovado pelo conselho, saíram diversas notícias na mídia completamente fora da realidade para atrapalhar. Disseram que o processo foi longo porque eu entrei na metade. Não é verdade, eu estava desde o início. Foi longo porque a consultoria fez uma prospecção longa no mercado.

E como foi assumir a fundação pela segunda vez?
Pós-eleição, assumi em um momento muito específico porque só tinha o diretor de investimentos e eu, como diretor presidente. O diretor administrativo de tecnologia, que estava acumulando a presidência, saiu. Nós dois começamos a pautar as prioridades do mandato em três pontos. Primeiro, fortalecer a governança corporativa e a gestão de risco. Segundo, fazer uma aproximação com o participante e as patrocinadoras. E investir com foco na imunização das carteiras.

"Uma coisa importante que já foi implementada é o planejamento estratégico da fundação, com metas anuais. Não havia"

O que vocês implementaram de mais importante?
Uma coisa importante que já foi implementada é o planejamento estratégico da fundação, com metas anuais. Não havia. Não se tinha o direcionamento de onde a Petros quer estar nos próximos anos. E o que queremos é estar mais perto da vida dos participantes. Hoje, nós só nos relacionamos com o participante no contracheque. Queremos mudar.

Pode dar exemplos de melhorias na transparência?
Houve uma mudança radical aqui. Havia pouca transparência porque as informações eram divulgadas, mas não havia comparabilidade. Era uma tabela com dados daquele mês. Só se via o último período. Agora, não. O participante, ou qualquer pessoa, pode escolher o plano e o período em que quer comparar, vendo todos os ativos que foram investidos. Também divulgamos ao público o balancete analítico, que vai para a Previc (a Superintendência Nacional de Previdência Complementar). Eu garanto que não há nenhuma outra fundação com esse nível de transparência. No mínimo, estamos no top 3, que é onde a gente tem de estar.

"Garanto que não há nenhuma outra fundação com esse nível de transparência. No mínimo, estamos no top 3, que é onde a gente tem de estar"

O que a Petros avançou na aproximação com os participantes e as patrocinadoras, tanto a Petrobras como as outras empresas patrocinadoras?
A Petros se afastou muito deles. Começamos a fazer reuniões com as patrocinadoras, fomos na Vibra, na própria Petrobras, todas, escutar quais eram os problemas. E com os participantes buscamos a presença física mesmo, fomos a diversos estados. Chamamos o programa de “Petros mais perto de você”. Reabrimos o atendimento presencial no Rio de Janeiro para resolver os problemas do participante. E adotamos o atendimento itinerante, vendo algumas bases das empresas. Estamos avaliando retomar o atendimento presencial em outras cidades, estamos vendo se temos orçamento para isso.

Esse comportamento distante da fundação se refletia, de alguma forma, internamente?
No público interno, as mudanças foram da água para o vinho. Quando eu cheguei na Petros, o clima era muito pesado, de perseguição, demissão em massa de trabalhadores, perda de memória de processos com isso. Sem acordo coletivo por dois anos. Chamamos todos os trabalhadores e, desde que entrei, não teve mais demissão em massa. Em 2022, saíram 72 trabalhadores da Petros, metade ou mais a pedido por não aguentarem trabalhar mais nesse clima. Agora, os pedidos de demissão caíram para menos de 10, uma rotatividade normal. Conseguimos uma das metas que é engajar os funcionários a conseguirem dar os melhores resultados para pagarem as aposentadorias dos mais de 70 mil trabalhadores.

A governança corporativa da Petros também avançou?
Pouco antes de eu entrar foi aprovada a fusão da gerência de risco com a de controles internos e compliance. Estamos consolidando esse movimento. O risco ficou segregado do investimento. A carteira teórica é definida pelo risco, e o investimento a operacionaliza. Quando foge, o risco tem que explicar o por quê. Essa segregação é fundamental. E também estamos aperfeiçoando os mecanismos internos para ter a gestão de risco em todas as áreas da Petros.

A preocupação maior é com o risco?
Estamos de fato implementando uma gestão baseada em risco, que vai permear toda a gestão. Estamos até mesmo pensando em agregar a parcela de remuneração variável dos funcionários da Petros a gestão desse risco, para trazer a cultura que o risco é de todos. E agora também estamos discutindo e implementando as práticas ASG dentro desse controle de riscos. Acabamos de criar um modelo e estamos começando a implementar ele. Além disso, aprovamos um modelo de risco sistêmico com inteligência artificial que é inédito e já ganhou prêmios.

"Por conta de problemas históricos do plano, formou-se um grande déficit. O que resulta em aportes extras da patrocinadora e dos participantes"

O déficit da Petros continua sendo um problema?
É a grande queixa dos participantes. Esse é um dos nossos tripés de atuação. Por conta de problemas históricos do plano, formou-se um grande déficit. O que resulta em aportes extras da patrocinadora e dos participantes. O que fizemos? A Petros só administra os recursos, não tem como levantar recursos. A Petrobras, sensibilizada com essa situação, criou um grupo de trabalho para atacar esse problema, e nós participamos organizando e subsidiando com informações. Ainda há discussões acontecendo.

Mas já se chegou à estabilização?
Consolidamos o processo de imunização dos planos mais maduros (em que se paga muito mais do que se recebe), garantido que o déficit se estabilize. Essa política começou antes da minha entrada e agora consolidamos e cerca de 80% desses planos estão imunizados, com títulos públicos e CDI, acima da meta atuarial. Esse excedente de resultado pode fazer a gente reduzir o déficit. Mas, no longo prazo, porque não podemos correr riscos e arriscar aumentar o déficit em alguma janela. Ou seja, com isso vamos gerar resultados que impedem novos déficits, mas que não resolvem o equacionamento. Para isso, é preciso de uma solução com os envolvidos.

Qual é o tamanho do déficit? Ele só pode ser resolvido com os aportes extras ou é possível via rentabilidade extra?
São três planos que, somados, estão na ordem de R$ 30 bilhões. Podemos abater com a rentabilidade, mas será muito pouco porque não podemos tomar risco. Na imunização, conseguimos títulos de NTNB+6%, 6,5%. E nossa meta atuarial é de NTNB quase 5%. O diferencial não é grande. Então, em 10 anos, os trabalhadores vão pagar um pouco menos para o equacionamento, mas não será muito significativo.

Esse processo começou na gestão anterior, com o Paulo Werneck como diretor de investimentos, que continuou o trabalho com você até junho deste ano. Ele saiu da fundação e hoje a Petros está com um diretor de investimentos interino. Há previsão para alguém assumir?
Sim, hoje o Alexandre Miguel, que gerenciava os investimentos ilíquidos, está como interino. Eu e o Paulo conversamos e achamos que ele era a pessoa certa para essa transição. Estamos fazendo um processo seletivo externo, conduzido por uma consultoria, para selecionar um novo diretor de investimentos. Esperamos que até o fim do ano tenhamos o nome definido.

Foi noticiado que a saída do Werneck foi motivada por intervenções políticas na Petros. É verdade?
Não houve nada disso. Ele não falou isso. Ele chegou a me ligar na época preocupado e fez questão de mandar uma nota no site da Petros desmentindo. Isso foi um episódio de especulação. Muito parecido com o que aconteceu na reunião com o presidente [Lula]. Em nenhum momento discutimos a alocação em ativos reais. Discutimos uma legislação de interesse para as fundações e sobre a marcação a mercado e a marcação na curva. Queríamos mostrar o quanto era ruim a marcação a mercado para as fundações. Mas o que saiu na mídia foi que o presidente pediu para alocar no PAC.

"Eu com certeza vou ficar até o vencimento dos títulos e ter a rentabilidade esperada. Não sou um fundo de investimento. Eu tenho previsibilidade dos saques"

Por que a Petros colocou a pauta da marcação a mercado em discussão?
Estamos com um grande desafio que é essa nova regulação da época do Paulo Guedes para marcar a mercado os títulos de renda fixa. Isso está impactando muito a rentabilidade dos planos porque os títulos estão com rendimentos negativos. Assim, a cota cai. E isso gera uma transferência de renda de quem está aposentado agora para quem vai se aposentar no futuro, porque um resultado negativo impacta no pedido do benefício hoje, mas lá na frente a rentabilidade será a contratada. Não é justo. E não faz sentido porque eu com certeza vou ficar até o vencimento dos títulos e ter a rentabilidade esperada. Não sou um fundo de investimento. Eu tenho previsibilidade dos saques.

Mas por que recorrer ao governo?
Para mudar a legislação. E o governo também tem sido afetado porque para diminuir a volatilidade as fundações têm comprado títulos mais curtos, encurtando a dívida pública. Estamos discutindo muito junto com a Abrapp (Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar), que está liderando esse processo. É uma tempestade perfeita o que está acontecendo para as fundações que administram planos contribuição definida (CD) e contribuição variável (CV). Já temos um mercado de ações em mau momento e a renda fixa, que está gerando bons retornos ao participante, na marcação a mercado está negativa porque a curva abriu.

Você comentou sobre a alocação no PAC, mas o governo de fato quer a participação das fundações em investimentos em infraestrutura. Por isso, criaram este ano a debênture de infraestrutura. Ela não é atrativa?
Neste momento, nenhuma das debêntures é competitiva em relação ao título público. Com NTNB a 6,5%, acho muito difícil as fundações investirem em debêntures. Mas isso não será para sempre, e as fundações terão que diversificar. Mas garantias são necessárias. A Abrapp está liderando essa discussão com as fundações e estamos pedindo ao BNDES como dar garantias e aprimorar a legislação. Nós vamos analisar de acordo com o risco e as garantias de cada investimento em um momento oportuno para diversificação.

Qual é a sua opinião sobre a proposta de taxação das fundações como os fundos abertos de previdência?
É pior do que igualar. Porque no caso do VGBL estão dando isenção do ITCMD, e no PGBL isenção após 5 anos. No nosso caso, não tem isenção. Não faz o menor sentido. Estamos discutindo e temos a garantia que isso irá se reverter. Mas nos surpreendeu. Isso não veio do governo, veio do relator Mauro Benevides (PDT-CE), mas eles agora entenderam e se comprometeram a reverter isso.

Mas há um projeto de tributação do governo que afeta as fundações, não?
O PL 068, que agora está no Senado, veio do governo. Fizemos uma discussão intensa porque a tributação foi como se a gente vendesse um produto. E nós só administramos o dinheiro. Nem temos fins lucrativos. Estamos atuando fortemente para acabar com esse mal-entendido para a emenda passar no Senado como ficou na Câmara, ou seja, que os nossos fundos de pensão não sejam tributados.

O impacto é grande?
Para você ter uma ideia, pelo estudo que fizemos, se isso fosse aprovado, nós teríamos que dobrar a taxa de administração dos fundos, com um impacto muito significativo sobre a renda do participante. Existem muitos desafios para o setor hoje, mas estamos unidos. E nós, da Petros, estamos mais preparados.