A entrada é extremamente austera, quase espartana. Não há nenhuma recepcionista e você precisa tocar a campainha e esperar que ela se abra automaticamente.
Você se senta em uma cadeira simples, enquanto espera alguém vir buscá-lo. Tudo é claro, com os tons de branco se destacando. Não há nenhuma marca à vista.
Soube depois que essa é a intenção. Desde o momento em que você coloca os pés naquele espaço, até a hora que vai embora, o objetivo é que nada chame a sua atenção – em especial marcas de produtos. Tudo precisa ter um viés neutro.
Bem-vindo ao laboratório de neurociência da Nielsen, localizado em uma rua próxima a avenida Paulista, uma das mais famosas de São Paulo.
Criado em 2014, o laboratório é um dos 16 que a Nielsen tem no mundo e tem sido usado de forma intensiva por empresas para ajustar campanhas publicitárias, reformular embalagens de produtos e tornar mais assertivas mensagens de comerciais.
O objetivo de um laboratório de neurociência é simples: entender as mensagens do cérebro para criar campanhas capazes de atingir o coração e a mente dos consumidores.
“A emoção é a grande variável do processo de decisão, mas é uma parte que não é declarada, que as pessoas não conseguem verbalizar”, afirma Agatha Lopes, neurocientista do laboratório da Nielsen. “Como estimar a emoção? Com a neurociência.”
O interesse pela neurociência no marketing não é exatamente novo. Ele começou a decolar em meados dos anos 2000, quando pesquisadores de escolas de administração começaram a demonstrar que a publicidade, o branding e outras táticas de marketing podem ter impactos mensuráveis no cérebro.
Em 2004, pesquisadores da Universidade Emory, nos Estados Unidos, serviram Coca-Cola e Pepsi a um grupo de pessoas. Quando as bebidas não foram identificadas, os pesquisadores notaram uma resposta neural consistente.
Mas quando as pessoas puderam ver a marca, suas estruturas límbicas (áreas cerebrais associadas a emoções, lembranças e processamento inconsciente) mostraram atividade aumentada, demonstrando que o conhecimento da marca alterava a forma como o cérebro percebia a bebida.
Quatro anos depois, uma equipe liderada pelo pesquisador Hilke Plassmann, da escola de negócios francesa Insead, examinou os cérebros de participantes que degustavam três vinhos com preços diferentes. Seus cérebros registravam os vinhos de maneira diferente, com assinaturas neurais indicando uma preferência pelo vinho mais caro. Na verdade, todos os três vinhos eram os mesmos.
Como é feito o teste
Depois de aguardar na sala de entrada, a pessoa que fará a avaliação será levada para outro espaço tão sóbrio e neutro quanto o primeiro. Nele, não há também nada que possa chamar a atenção.
O laboratório de neurociência da Nielsen analisa a mente dos consumidores através de três técnicas diferentes. Ele avalia as ondas eletromagnéticas do cérebro, o movimento dos olhos e a face do consumidor.
“A emoção é a grande variável do processo de decisão, mas é uma parte que não é declarada, que as pessoas não conseguem verbalizar”, diz Agatha Lopes, neurocientista da Nielsen
O candidato que fará o teste vestirá uma espécie de “capacete” com muitos fios, que será usado para medir sua atividade cerebral. Por fim, será encaminhado para uma sala fechada para dar início ao teste.
Tudo neste ambiente é padronizado. A distância na qual o candidato se senta da tela da tevê é a mesma em todos os laboratórios da Nielsen no mundo. Assim, os testes são equivalentes e podem ser comparáveis.
A sala conta com isolamento acústico e foi construída como uma gaiola de Faraday, que impede a entrada de campo elétrico e magnético. A explicação é muito simples: os dados eletromagnéticos do cérebro são muito sensíveis e o objetivo é evitar qualquer tipo de interferência que possa mascarar as informações.
O teste avalia três quesitos. O primeiro deles são as ondas eletromagnéticas do cérebro. Depois, uma câmera filma para onde o globo ocular se movimenta quando as imagens são mostradas na tela. Por fim, o reconhecimento facial analisa a musculatura da bochecha e da testa, analisando reações positivas, neutras e negativas.
É da junção desses três experimentos, feitos simultaneamente, que uma empresa terá uma análise neurocientífica sobre o que funciona e o que não está dando certo em uma campanha publicitária. Ou, como é praxe, comparar dois filmes para saber qual deles será mais eficiente para transmitir a mensagem desejada.
A quantidade de dados gerados para ser analisada é estupenda. Cada sensor gera, em média, 500 dados por segundo. Um teste com 24 pessoas, como acontece em média, é capaz de gerar até 40 milhões de dados.
“Não precisamos de um grande número de pessoas para chegar a resultados fidedignos. Tanto faz analisarmos 24 pessoas ou 140 pessoas, pois as conclusões serão as mesmas”, diz Aline Souza, gerente comercial do laboratório da Nielsen.
Todo material é enviado para a Índia, onde a análise dos dados é feita. Depois, eles retornam em estado bruto para que os neurocientistas brasileiros tirem as conclusões e sugiram alterações nas campanhas publicitárias.
Durante a visita ao laboratório da Nielsen, o NeoFeed assistiu a duas campanhas publicitárias que passaram pela análise neurocientífica da Nielsen, mas se comprometeu a não identificar o nome das empresas e as conclusões do trabalho.
“É um mercado que está crescendo muito e não tem volta”, diz Aline. “Desde 2014, crescemos a taxas de dois dígitos todos os anos.”
Estudo de caso
É raro ver uma empresa ou uma agência de propaganda falando sobre o assunto. Na campanha “Vale a pena ter uma Cielo", estrelado pelo apresentador global Luciano Huck, a companhia admitiu que usou técnicas de neurociência na construção da campanha. Procurada, a companhia não quis falar sobre o tema.
O Hospital Pequeno Príncipe, de Curitiba, um dos maiores hospitais pediátricos do Brasil, em que 70% do atendimento é destinado ao SUS (Sistema Único de Saúde), usou os serviços da Nielsen em uma parceria gratuita.
O laboratório de neurociências analisou uma campanha do hospital para arrecadar doações de Imposto de Renda. O objetivo era chamar a atenção das pessoas que declarariam o IR para que doassem recursos ao Pequeno Príncipe.
Um teste com 24 pessoas, como acontece em média, é capaz de gerar até 40 milhões de dados
O filme mostrava um pai e uma mãe conversando com a filha que segurava um leão de pelúcia sobre a doação do Imposto de Renda ao Hospital Pequeno Príncipe.
“Tínhamos o receio de ser uma coisa muito racional e chata, que não fosse gerar nem engajamento, nem retenção de memória”, afirma Fernanda Salgueiro, diretora de marketing do Hospital Pequeno Príncipe.
O filme foi analisado quadro a quadro e vários pontos foram alterados. Entre as mudanças, uma cena de close no rosto da mãe foi aumentada em um segundo, enquanto ela dava explicações sobre as razões de estar fazendo doação ao hospital.
“A ideia, com isso, era de aumentar a efetividade geral das cenas iniciais do filme, já que, ao mostrar melhor o leão nos braços da filha, conseguimos facilitar o entendimento e dar sentido ao humor atrelado ao medo da menina de ter que doar o leão dela”, diz Fernanda. “Tivemos um engajamento emocional altíssimo.”
O fato é que a neurociência parece que veio para ficar no marketing. Mas as técnicas tradicionais não vão morrer. Pelo menos, é o que dizem as pesquisas.
Em 2017, a Advertising Research Foundation publicou um estudo acadêmico de larga escala sobre as ferramentas neurocientíficas. O objetivo era analisa se elas eram melhores opções em relações as técnicas tradicionais, como os tradicionais “focus groups”.
Cientistas da Temple University e da New York University testaram estudos tradicionais de marketing contra uma variedade de métodos neurocientíficos, incluindo rastreamento ocular, frequência cardíaca e escaneamento do cérebro.
A conclusão? As técnicas de neurociência ajudaram a fazer previsões mais assertivas. Mas os métodos tradicionais foram úteis para melhorar a criatividade e a eficácia do anúncio.
Se pudéssemos resumir, a análise do cérebro ajuda a tomar melhores decisões. Mas ainda é preciso do talento natural de bons profissionais para realizar boas campanhas.
É a união de Don Drapper, o magistral publicitário da aclamada série Mad Men, com Sheldon Cooper, da comédia Big Bang Theory. Criatividade e algoritmos vão ter de conviver.