O mercado de wealth managment se transformou nos últimos anos com a ascensão de plataformas de investimentos. Agora começa a aparecer a figura do consultor, que não pretende tirar o cliente de nenhuma instituição, mas aconselhá-lo sobre como navegar na imensidão de opções de alocação de recursos.
Nesse movimento crescente, a TRAAD chama a atenção por ter alcançado R$ 1 bilhão sob consultoria em menos de dois anos.
“Entendo que o mercado, muito focado em bancos e corretoras, está ganhando maturidade e evoluindo. O cliente sempre terá conta em diversas instituições e ele procura alguém para ajudá-lo de forma isenta", diz Gunnar Viana, CEO da TRAAD, em entrevista ao NeoFeed. "Por meio da consultoria, fazemos isso sem que ele precise tirar o seu dinheiro de onde está".
Viana, um executivo com 20 anos de experiência no mercado financeiro, em instituições como banco BBM, Votorantim, Santander e Pátria, criou a consultech em 2019 como um curso de educação financeira.
Dois anos mais tarde, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) concedeu a certificação de consultoria. E ele pôde desenvolver uma tecnologia proprietária para resolver a grande dor do mercado de consultoria: consolidar as informações de investimentos.
“Nosso foco está em reduzir os custos transacionais, obter a melhor eficiência tributária e melhorar o risco-retorno para os investimentos. De fato, cada parte dessa estratégia pode estar em um lugar diferente. E nós fazemos a informação circular para que todos tenham acesso ao que de melhor está sendo oferecido em cada lugar”, diz Viana, que planeja dobrar de tamanho em 2024.
A plataforma proprietária da TRAAD, cujo nome vem de Trusted Advisors, consolida as informações dos clientes tanto de forma automática como manual, por meio de extratos. E oferece ferramentas para os consultores atenderem os investidores de quaisquer bancos e corretoras, de forma presencial ou remota.
Por ter informações de todo o mercado, um time de estratégia de investimentos faz a análise de quais são os produtos mais vantajosos em cada classe de ativo. E, por meio da plataforma, todos os clientes são avisados das melhores ofertas do momento em todas as instituições financeiras.
Um time de alocação (liderado pelo economista-chefe Leonardo Cappa, com duas décadas de carreira, sendo a maior parte trabalhando em family offices) é responsável por elaborar carteiras recomendadas para diferentes perfis de clientes, do conservador ao arrojado. Essas informações ficam disponíveis na plataforma.
Os consultores de investimentos, por sua vez, entrevistam os clientes e, com os portfólios consolidados em mãos, ajudam a aplicar os recursos da melhor forma. O detalhe é que as carteiras recomendadas e as recomendações de produtos realizada pelo time da TRAAD será de acordo com as plataformas que esse cliente tem conta.
Quando o cliente tem conta em corretoras que já possuem plataformas voltadas para consultorias, como a XP e o BTG, o cliente recebe os custos de distribuição (como rebate de fundos) como cashback. Mas com os bancos tradicionais isso ainda não é possível.
Foco na dor do mercado
O alvo da TRAAD são clientes entre R$ 1 milhão e R$ 50 milhões para investir, para os quais não faz sentido ter um fundo exclusivo para gerir seus recursos e, por isso, estão distantes da mira dos grandes Multi Family Offices (MFO). Por esse trabalho, é cobrada uma taxa percentual em relação ao montante total que está sendo analisado, que varia de acordo com o tamanho da carteira.
Esse modelo conquistou os clientes que já estão cansados de receber “ofertas” de assessores e bankers de três, quatro ou mais instituições que tem relacionamento e não têm tempo para analisar cada uma delas. Ao mesmo tempo, não querem concentrar em um só lugar e ficar refém de uma recomendação - a falta de confiança sobre a melhor escolha é um dos motivos.
“O que mais temos é cliente que recebe uma oferta de produto do lugar A e depois vê que a do B era melhor. E quando confronta o A sobre a oferta do B, recebe uma melhor ainda do A. Eles sentem que podem ser enganados em benefício de outros interesses, caso não estejam por dentro de tudo. Por isso, entendem que o custo da consultoria é um valor agregado”, diz Viana.
Os clientes, que a princípio eram alunos do curso, foram chegando pelo boca a boca. E o modelo também atraiu profissionais de investimento do mercado que atuavam no modelo comissionado e não queriam mais ter de “empurrar” um produto para alcançar as suas metas.
A consultech também construiu um modelo de partnership, em que os consultores podem se tornar sócios após alcançarem metas como volume sob consultoria, satisfação do cliente e tempo de casa.
Assim, o número de consultores cresceu de três para 18 neste ano. E o volume sob consultoria passou de R$ 200 milhões para mais de R$ 1 bilhão, escala que é possível com o uso da plataforma.
Modelo de negócio
A ideia da plataforma digital de consultoria da TRAAD foi inspirada na empresa americana Personal Capital, uma plataforma digital de wealth management que foi adquirida em 2020 pela gestora de patrimônio Empower Retirement, com US$ 1,4 trilhão sob gestão.
A proposta é usar tecnologia para escalar um business que demanda grande quantidade de análise de dados, possibilitando o atendimento a muitos clientes, até mesmo aos menos abastados (com menos de R$ 10 milhões), que não são o foco dos privates bankings.
São muitos os players que têm aparecido na indústria de wealth management propondo uma assessoria independente e isenta, e que tem ganhado relevância. Muitos se autodenominam MFO, gestores de patrimônio, e trabalham no modelo de gestão discricionária, com o fee based. Os clientes maiores têm seus próprios fundos exclusivos e os menores são atendidos por carteiras administradas.
A vantagem desse modelo é que não é necessário ter a aprovação do cliente para decidir sobre a alocação. E, pelos recursos estarem em fundos, é possível diminuir custos de transação e devolver custos de distribuição como rebates ao fundo mesmo comprando produtos de bancos. Dessa forma, a taxa de gestão pode ser abatida ou mesmo superada por esses ganhos.
Já no modelo de consultoria, por estar na plataforma do cliente, não é fácil reverter esses custos. E o cliente acaba pagando pelo serviço e também pela venda do produto à plataforma. Talvez por esse motivo, esse modelo se desenvolveu menos no Brasil - até agora.
Segundo dados da CVM, há 1.652 consultores registrados, tanto pessoas jurídicas como físicas. É um salto em relação a 2019, quando havia cerca de 700. Mas ainda é um número bem menor quando comparado aos agentes autônomos, que são mais de 26 mil.
Pouca concorrência
Como empresas, são pouco mais de 300 consultorias cadastradas. Alguns são grandes players que também atuam como gestor e usam a consultoria de forma complementar, como o UBS, a Troom e a tradicional Turim. E algumas estruturas de agentes autônomos têm apostado em verticais de consultoria, como a Acqua-Vero. Mas são poucas as que usam a consultoria como core business e como única maneira de fazer wealth management.
A Nord Wealth, que faz parte do grupo da casa de análise Nord Research, tem se destacado e atingiu cerca de R$ 3 bilhões sob consultoria. E sem ligação com instituições financeiras está a Vita Investimentos, que detém, aproximadamente, R$ 2 bilhões e tem apostado na consolidação do setor, que possui muitos players pequenos. Recentemente, adquiriu a Horizonte Capital e a FH Advisors – após ter recebido investimentos da empresa de tecnologia financeira Gorila.
Já a TRAAD aposta em continuar independente e no crescimento orgânico. Iniciada com capital próprio, a empresa fez duas rodadas de captação (no fim do ano passado e no primeiro semestre deste ano) levantando R$ 4 milhões com investidores-anjo por 10% da empresa. Os investidores são clientes da plataforma que gostaram do modelo de negócio.
A maior parte dos recursos foi usada para o desenvolvimento e aprimoramento da plataforma, mas também para expansão comercial. Por isso, o principal objetivo da empresa em 2024 é chegar ao break even ao mesmo tempo em que dobra de tamanho
“Nosso maior objetivo é chegar ao break even em junho de 2024, pois não queremos ser uma startup que só cresce captando recursos. E temos ainda muito que queremos avançar na frente tecnológica para ganhar robustez e trazer novas funcionalidades”, conta o CEO da TRAAD.
O espaço para crescer ainda é grande e pode ganhar combustível com a nova legislação para assessores de investimento, que entrará em vigor em abril do ano que vem obrigando as assessorias a mostrarem como elas são remuneradas pela distribuição de produto. Esse é um cenário que as consultorias vão explorar.
“Estamos passando por um momento de transformação, mas tudo ainda é muito novo. É difícil a gente esbarrar com um cliente que já conhece ou é atendido por uma consultoria. E deve ser assim ainda por alguns anos. Queremos estar preparados para sermos relevantes quando não for mais uma novidade”, diz Viana.