Spotify, Airbnb, AliExpress e Facebook. Diariamente, essas empresas atraem os cliques de muitos latino-americanos. Um nome, em particular, está por trás dessas ofertas na região. Mas, ao contrário dessas marcas de peso, ele é praticamente desconhecido pelos internautas.
Fundada em 2012, a startup curitibana Ebanx responde pelos meios de pagamento que permitem encomendar produtos ou usar e assinar os serviços de cerca de 1,2 mil sites globais no Brasil e na América Latina.
Entre uma casa alugada no Airbnb e uma assinatura do Spotify, a companhia movimentou R$ 6,5 bilhões em 2018. No período, o comércio eletrônico cross boarder, como são conhecidas as compras virtuais além fronteiras, movimentou R$ 8,2 bilhões no País, segundo a Ebit Nielsen.
Depois de construir toda a sua trajetória nos bastidores das compras virtuais, a startup prepara agora um novo roteiro. E o ponto de partida dessa próxima jornada é falar diretamente com os consumidores.
A Ebanx está estruturando a oferta de uma carteira digital. Prevista para ser lançada em até dois meses, a novidade incluirá conta digital, cartão e outros serviços financeiros atrelados à operação principal da empresa.
Um dos recursos da carteira digital será a possibilidade de acompanhar e controlar os gastos com as compras realizadas no comércio eletrônico
Um dos recursos será a possibilidade de acompanhar e controlar os gastos com as compras realizadas no comércio eletrônico. Para dar esse novo passo, a startup negocia com três bancos e com outros parceiros, como a processadora de cartões Conductor.
O projeto é fruto de testes realizados nos últimos dois anos. E a base são os mais de 52 milhões de internautas que já usaram os serviços da Ebanx. A ideia é criar serviços que possam diferenciar a companhia no setor, alvo crescente dos investimentos de diversas empresas.
“Ao longo desses anos, nós entendemos que somos capazes de identificar o comportamento e as necessidades do consumidor”, diz Wagner Ruiz, diretor financeiro e cofundador da Ebanx, em entrevista ao NeoFeed. “Mas, até por essa história, não queremos entrar nessa nova área com mais do mesmo.”
Ele explica que a empresa sempre optou por fazer seu trabalho sem chamar a atenção. “Afinal, nossos clientes é que eram grandes”, afirma Ruiz. “Agora, entendemos que temos tamanho e relevância para tentar novos caminhos.”
O plano não se restringe ao Brasil. A empresa estuda lançar a operação também na Inglaterra, onde mantém um escritório comercial, em Londres. Em 2018, a Ebanx obteve a licença da Autoridade de Conduta Financeira (FCA, na sigla em inglês), órgão regulador financeiro do Reino Unido. A expectativa é que o projeto seja concretizado em 2020.
“A estratégia faz muito sentido, até mesmo porque ficar restrito ao modelo atual pode limitar o crescimento da empresa”, afirma Patricia Osório, cofundadora da rede de investidores GVAngels. “Mas o B2C é um bicho totalmente diferente. Você apanha muito. O ponto positivo é que a Ebanx está bem estruturada para enfrentar esse novo mundo.”
Pagamentos locais
Além da entrada no B2C, a Ebanx está ampliando os tentáculos do seu negócio principal. Em abril, a empresa passou a oferecer serviços de pagamentos para companhias brasileiras dentro do território nacional.
Até agora, o foco da Ebanx foi oferecer o mesmo serviço, mas para empresas estrangeiras. “O cross boarder seguirá sendo a nossa nave-mãe”, afirma Ruiz. “Mas os pagamentos locais trarão mais volume, mesmo com menor rentabilidade.”
A ideia é atender tanto parceiros globais que estão estabelecendo uma estrutura no País, quanto companhias brasileiras que podem usar suas operações locais para receber o pagamento por produtos e serviços exportados para a América Latina.
Em abril, a Ebanx passou a oferecer serviços de pagamentos para companhias brasileiras dentro do território nacional
O plano é estender a oferta local a outros três mercados da América Latina. Além do Brasil, a Ebanx já atua em sete países. No cronograma traçado, Colômbia e México serão os próximos pontos de parada, a partir de 2020. O Chile virá na sequência. Já a Argentina, que vive a perspectiva de um novo governo, ainda está em avaliação nessa estratégia.
Além do olhar local, a startup quer ampliar sua carteira de clientes globais. Para isso, estruturou uma equipe de vendas distribuída nos oito escritórios que mantém no exterior, entre eles, Nova York e São Francisco, nos Estados Unidos, e em Xangai, na China.
Até então, a busca de novos contratos ficava restrita a Ruiz e a Alphonse Voigt e João Del Valle, os outros dois cofundadores da empresa. A abordagem passou a ser vista como um gargalo para o crescimento da companhia.
Primeira lição
Os percalços na história da Ebanx ajudam a explicar o envolvimento do trio em cada mínimo aspecto da operação. Assim como a união entre os empreendedores e o papel de cada um no negócio são, em boa parte, a razão por trás da trajetória bem-sucedida da novata.
Os perfis são complementares. Ruiz é o braço das finanças, do compliance, do jurídico e da expansão. “Quando abrimos um novo mercado, geralmente, eu vou primeiro”, afirma. Já Del Valle, que também atua como diretor de operações, se concentra na tecnologia, no produto e no marketing.
Voigt, por sua vez, é o responsável pela interação com os investidores e pelo lado comercial da Ebanx. É o “cara da pastinha, que encanta o cliente”, diz Ruiz.
Com um histórico anterior de fundação de outras oito empresas, Ruiz foi o primeiro a comprar a ideia de Voigt, no fim de 2011. A proposta era criar uma companhia que conectasse os consumidores latino-americanos ao comércio eletrônico mundial. Del Valle veio na sequência, por indicação de um amigo em comum.
O início da Ebanx foi marcado por uma série de dificuldades. A começar pela procura de parceiros no segmento financeiro
O início foi marcado por uma série de dificuldades. A começar pela procura de parceiros no segmento financeiro. “O que define nossa trajetória é comprometimento e persistência”, afirma. “Recebemos muitos nãos e não conseguíamos nem abrir a conta da empresa.”
A perspectiva de uma virada veio pouco tempo depois, quando a Ebanx foi escolhida para participar do Painel Internacional de Seleção da Endeavor, em Miami, depois de passar por 22 etapas de pré-seleção no Brasil.
“Fomos para Miami com o sentimento de que o jogo estava ganho e tivemos nossa primeira grande lição”, lembra Ruiz. Com a confiança nas alturas, mas totalmente despreparado, o trio foi massacrado no pitch com os conselheiros da Endeavor.
Depois de pensar em desistir, os três decidiram tentar reverter a situação. No último jantar da programação, “perseguiram” e refizeram a apresentação para cada um dos conselheiros. A virada veio no dia seguinte. Literalmente.
De um placar inicial de cinco votos contra e apenas um a favor da empresa, a reunião dos conselheiros foi finalizada com a unanimidade exigida no processo de escolha. O seis a zero deu à empresa o título de Empreendedor Endeavor.
“A partir daquele momento, sempre que temos qualquer adversidade, não importa que cada um tenha 300 áreas para cuidar, sentamos e resolvemos juntos”, diz Ruiz.
Esse envolvimento de Ruiz, Voigt e Del Valle na linha de frente do negócio também foi essencial para outros avanços. Primeiro, na conquista e manutenção de clientes de renome. E, em outra frente, no acréscimo de outras ofertas ao portfólio.
“Não nos consideramos uma empresa de pagamentos, mas sim uma facilitadora do comércio eletrônico”, afirma. A chegada do Alibaba ao Brasil, em 2013, por meio do AliExpress, sua plataforma internacional de e-commerce, ilustra essa proposta.
Diante do desafio natural do grupo chinês em lidar com os consumidores locais, a Ebanx montou uma estrutura própria de marketing, serviços e suporte para apoiar a operação. Essa abordagem se refletiu em uma parceria mais estratégica junto ao Alibaba.
Um exemplo recente foi a abertura da primeira loja física do AliExpress, neste mês, no Shopping Mueller, em Curitiba (PR). A ideia da unidade temporária veio da Ebanx.
Ao permitir que os consumidores possam testar e manusear os itens vendidos na plataforma, o objetivo é quebrar o preconceito em relação aos produtos chineses. E, por consequência, ampliar o volume de vendas.
A loja em questão ficará aberta até 5 de outubro. O projeto poderá envolver ainda outras duas unidades em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Não estão descartadas iniciativas semelhantes com outros parceiros de vendas. Ao mesmo tempo, a Ebanx planeja desenvolver novos serviços para seus clientes. Nesse contexto, o segmento de logística é uma das áreas em avaliação.
Na contramão
A base para todas as iniciativas tocadas pela companhia é uma estrutura financeira sólida. O que também é fruto de uma estratégia pouco comum entre as startups.
“Nesse ponto, talvez nós sejamos a jabuticaba do mercado. Desde o mês dez nós somos break even e lucrativos”, diz Ruiz. “Investimos, mas não queimamos dinheiro. E nunca quisemos depender dos recursos de fundos para crescer.”
As palavras não são, de fato, um mero discurso. Em sete anos, a Ebanx recebeu apenas um aporte. E não por falta de pretendentes.
A Ebanx recebeu US$ 30 milhões da Endeavor Catalyst e da FTV Capital, no início de 2018
A rodada em questão, de US$ 30 milhões, veio no início de 2018. E, segundo o empreendedor, foi fechada muito mais pela qualidade que os investidores poderia trazer ao negócio do que propriamente pelo dinheiro envolvido.
O aporte contou com a participação da Endeavor Catalyst e da gestora americana FTV Capital, conhecida por seu histórico de investimentos em fintechs.
Com a expectativa de fechar o ano com R$ 10 bilhões movimentados nas plataformas de pagamento da Ebanx, Ruiz observa que, mesmo saindo dos bastidores, o trio à frente do negócio não mudará sua postura. “Trabalhamos sempre como se fosse o último dia”, afirma.
E acrescenta que, um ponto específico, incorporado pelos 600 funcionários, seguirá intacto. “Gostamos de empreender, de ganhar por isso, não somos hipócritas”, diz. “Mas também nos sentimos recompensados por dar acesso às pessoas.” Mesmo que muitos desses consumidores ainda não saibam disso.
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