O frasco de vidro laqueado verde, com tampa vermelho vibrante, guarda “uma obra-prima olfativa com notas quentes e aconchegantes de ylang, o toque limpo e envolvente de musk e os tons cremosos amadeirados de sândalo.” Assim a grife Dolce & Gabbana descreve sua novíssima fragrância. Ficou com vontade de experimentar? Esqueça, não é para nenhum de nós — humanos.
Afixado na embalagem, o berloque no formato de uma pata, banhado a ouro 24 quilates, diz tudo: a “obra-prima olfativa” é para cachorros e pontua a estreia da casa de moda italiana no bilionário mercado de artigos de luxo para pets.
Batizado Fefé, o perfume dá direito a uma coleira, “com a etiqueta” da marca D&G - tudo por € 99 (R$ 600, aproximadamente).
O nome da fragrância é uma homenagem ao mini poodle de Domenico Dolce. O animal foi adotado por Stefano Gabbana há cerca de quatro anos. Mas o gato, que já reinava absoluto na casa de seu dono, não deixou o cãozinho ficar.
Gabbana então repassou Fefé para Dolce. Quando ele e o marido Guilherme Siqueira bateram os olhos no filhote, ficaram imediatamente “enfeitiçados”, como lembra o estilista, ao jornal italiano Corriere della Sera.
Com Fefé, o perfume, a Dolce & Gabbana entra na disputa por um espaço no efervescente universo de mimos de altíssimo padrão para animais de estimação, sobretudo cachorros.
Prada, Valentino, Moschino, Louis Vuitton, Gucci, Hermès, Thom Browne, Versace e até Loro Piana, o suprassumo do quiet luxury — as grifes mais exclusivas do mundo se veem agora às voltas com coleiras, potes de ração, guias, caminhas, bolsas de transporte e todo tipo de acessórios para as Lulus e os Totós de seus clientes.
E não só isso. Levam para o universo dos animais “obras-primas olfativas”, casacos de cashmere, jaquetas de couro, capas de chuva, camisetas... há quem fale até em coleção de streetwear para cães.
A cada lançamento, a grita das entidades de defesa dos animais invade as redes sociais. As maisons alegam trabalhar com veterinários e seguem em frente, enquanto o tilintar dos cofres soa cada vez mais alto.
O mercado global de acessórios de luxo para pets está avaliado hoje em US$ 28,8 bilhões. E deve avançar a uma taxa de crescimento anual composta de 5,7% até 2034, quando está previsto movimentar quase US$ 50 bilhões — um ritmo de evolução muito parecido com o do nicho de produtos de altíssimo padrão para bebês e crianças, dominado, claro, pelas mesmas marcas.
Roupão de banho
Os preços das peças são de cair o queixo. O roupão de banho da Versace, 100% algodão, preto, com detalhes na tradicional estampa barroca da grife, e “cinto ajustável”, custa US$ 275 (cerca de R$ 1,5 mil). Da mesma grife, a guia de coleira, com o porta saquinhos para catar o cocô do cachorro, nos passeios ao ar livre, é oferecido por US$ 300 (R$ 1,6 mil).
E o que dizer da cama da Gucci, por US$ 7,5 mil (R$ 42 mil)? Ou da tigela de cerâmica (pequena) a US$ 460 (R$ 2,5 mil).? A bolsa para transportar cachorro da Louis Vuitton, decorada com o monograma LV e as flores típicas da maison francesa, não sai por menos de € 3,5 mil (quase R$ 21 mil). Pela coleira em cetim, com cristais, e o triângulo que lhe é característico, a Prada cobra R$ 3,5 mil. Já a da sempre discreta Loro Piana, em couro napa trançado e cashmere, a € 350 (R$ 2,1 mil), está esgotada.
Há pelo menos 15 mil anos, os animais entraram na vida dos humanos como depositários de nossa estima. No Antigo Egito, por exemplo, os gatos eram considerados integrantes genuínos da realeza. Em uma tumba de 12 mil anos, em Israel, arqueólogos encontraram o corpo de um homem embalsamado, com uma das mãos sobre a cabeça de seu cachorro, igualmente preservado.
Mas não é disso que se trata agora. A relação com os bichos foi levada a outro patamar. E, com a pandemia, os laços ficaram ainda mais estreitos. Há hoje, no mundo, 900 milhões de pets, segundo levantamento do Zebra, marketplace americano de seguros, a partir de dados da Statisa e PetSecure. Isso significa que, aproximadamente, 33% das casas em todo o planeta têm pelo menos um animal de estimação.
No Brasil, terceiro maior mercado pet do mundo, 30% dos animais foram adquiridos ou adotados em 2020, no auge do isolamento social. No Reino Unido, no mesmo período, para driblar a solidão imposta pelo lockdown, 3,2 milhões de famílias levaram pelo menos um bicho para casa.
Em resumo, o mercado, que já era grande, explodiu e não dá sinais de arrefecimento, mesmo com controle da covid-19. O fenômeno, apontam os analistas da ONG global Health for Animals, em grande parte, é justificado pela adoção por muitas empresas da jornada de trabalho híbrida.
Quem não tem pelo menos um conhecido que, vira e mexe, posta a foto ou o vídeo de seu animal enquanto cumpre o home office? É a moça que se enternece com o gato ronronando sobre o teclado do laptop e o rapaz que se gaba do fiel escudeiro, deitado a seus pés, enquanto participa de uma reunião virtual.
"Pais de pet"
À frente do movimento, estão eles, os millenials e os representantes mais velhos da geração Z. Essa turma, entre 27 e 42 anos, está revolucionando também o consumo de artigos para pets, já que, para muitos, um cachorro ou um gato não é apenas um bicho de companhia — e, sim, o substituto para o filho humano que alguns não querem ter. Não à toa o termo “pais de pets” é uma invenção contemporânea.
Um estudo da Consumer Affairs, realizado nos Estados Unidos com mil donos de pets, é revelador do amor dos millenials por seus animais. Dos proprietários de gatos e cachorros, 83% e 85%, respectivamente, garantiram gostar mais dos bichos do que muitos de seus parentes. No topo da rejeição estão os irmãos, seguidos pelas mães e depois pelos pais. Dos comprometidos, cerca de 30% preferem os pets a seus parceiros e parceiras.
“A família mudou de característica e o pet faz parte dessa nova construção e novo estilo de vida, o que favorece o mercado”, diz Martin Gutierrez, sócio da MCF Consultoria, em conversa com o NeoFeed. “As marcas estão cada vez mais interessadas em fazer parte do lifestyle de seus consumidores como um todo e nós vemos isso em diversos segmentos, desde o setor imobiliário até o varejo e não tinha como os pets ficarem de fora.”
Para o especialista em mercado de luxo, apesar da iniciativa pet não ser focada no aumento de vendas, ela deve representar uma vertical importante para as companhias que estiverem bem posicionadas no setor.
“O Brasil é responsável por 3% do comércio de luxo mundial, o que significa que essas vendas não devem ter representatividade financeira para as marcas por aqui”, explica Gutierrez. “Porém, nós sabemos que os brasileiros gostam de seguir tendências, então certamente vão replicar o movimento visto em outros países.
Quem tem dinheiro e considera seu pet um “filho de quatro patas” não vai mesmo economizar nos mimos. E dá-lhe Dolce & Gabbana, Prada, Louis Vuitton, Gucci, Versace...