Acostumado a entregar resultados que turbinam seu valor de mercado na Nasdaq, o Mercado Livre viu suas ações desabarem mais de 8% no pre-market de quinta-feira, 7 de novembro, na Nasdaq. A queda se acentuou ainda mais com a abertura do mercado, quando o papel registrou um recuo de mais de 15%.

O pacote por trás desse roteiro pouco comum na trajetória recente da companhia mais valiosa da América Latina veio embalado no balanço do terceiro trimestre, divulgado na noite da quarta-feira, 6 de novembro.

Um dos pontos centrais na prateleira que desagradou os investidores foi a expansão agressiva da carteira de crédito da empresa, que cresceu 77%, em base anual, para US$ 6 bilhões. Isso trouxe um aumento nas provisões, que evoluíram de US$ 277 milhões, há um ano, para US$ 507 milhões.

O crescimento nessa linha, por sua vez, impactou negativamente o lucro líquido, que teve alta de 11% sobre igual período, um ano antes, para US$ 397 milhões. Mas que veio bem abaixo das estimativas de analistas, que apontavam para a faixa de US$ 513 milhões.

“Sabemos que o crescimento mais rápido no nosso portfólio de crédito, combinado a uma mudança em direção a mais cartões de crédito, colocou alguma pressão de curto prazo nos spreads da margem líquida de juros”, disse Martin de los Santos, CFO do Mercado Livre, em vídeo sobre o balanço.

O executivo ressaltou, porém, que a inadimplência está relativamente estável, que as safras anteriores de cartões de crédito já estão se tornando lucrativas, o que dá confiança à empresa em seus investimentos estratégicos.

“Continuamos a ver oportunidades de crescimento à nossa frente, tanto em e-commerce quanto em fintech, e agora também em publicidade”, afirmou. “Temos uma visão clara do futuro e no nosso foco no crescimento de longo prazo, lucratividade e geração de fluxo de caixa dos nossos negócios.”

Discurso à parte, o balanço teve uma recepção mista por parte de analistas. Em relatório, o Goldman Sachs destacou que os investidores estão digerindo o “déficit notável” no nível do Ebit e, provavelmente, recalculando o lucro trimestral futuro para baixo.

Ao apontar o crescimento acelerado como principal motor nesse cenário, o banco ressaltou que o Ebit ajustado de US$ 600 milhões veio bem abaixo das estimativas entre US$ 738 milhões e US$ 749 milhões, com uma margem Ebit ajustada de 11,3%, versus a projeção de 13,9% a 14,3%.

O Goldman acrescentou a esse pacote questões como maiores despesas gerais e administrativas, como um reflexo de fatores como o câmbio mais fraco no Brasil e no México. A pressão dos investimentos feitos no período em logística, porém, veio em linha com o esperado pelo banco.

Parte dos investimentos estratégicos citados pela companhia no período, o Mercado Livre inaugurou seis novos centros de distribuição, sendo cinco no Brasil e um no México.

Nesse contexto, os analistas do banco americano observaram que as razões por trás da margem aquém das expectativas são, em última análise, consistentes com a perspectiva otimista da empresa para o crescimento do comércio eletrônico e do segmento de crédito.

“À medida em que o momento do GMV permanece sólido e os cohorts de crédito amadurecem em um ritmo cada vez mais rápido, essas pressões devem ser amplamente temporárias”, escreveu o time liderado por Irma Sgarz, que tem recomendação de compra e preço-alvo de US$ 2.620,00 para a ação.

O volume bruto de mercadorias (GMV) da empresa no trimestre foi de US$ 12,9 bilhões, contra US$ 11,3 bilhões, um ano antes. Em outro ponto destacado, a base total de usuários de e-commerce cresceu 21%, para 61 milhões de pessoas. O banco fez, porém, uma ressalva.

“No entanto, esperamos que as ações do Mercado Livre permaneçam sob pressão à medida que os investidores ajustam suas expectativas de margem de curto prazo e podem se afastar taticamente até ganharem mais visibilidade sobre o próximo catalisador”, acrescentaram os analistas.

Apesar de destacar uma provável revisão para baixo das expectativas no curto prazo, diante dessas incertezas, o banco acredita que, a maturação do portfólio deve compensar gradualmente essas pressões ao longo do tempo.

“Essas pressões — embora causem uma incompatibilidade de expectativas de curto prazo — refletem o comprometimento incansável da gestão em investir nas oportunidades em fintech e e-commerce. Enquanto os retornos desses investimentos permanecerem intactos, isso deve dar suporte ao caso”, escreveu o banco.

O BTG Pactual foi mais um a reforçar esse voto de confiança na empresa, ao ressaltar a lucratividade sob pressão, mas ainda saudável, e a forte expansão do GMV em todas as geografias, especialmente no Brasil e no México.

“Embora o resultado tenha decepcionado, o que deve significar uma pressão de curto prazo sobre as ações, sinalizamos que a maior parte da pressão de margem veio de investimentos estratégicos que a empresa fez para impulsionar o seu ecossistema”, escreveu o BTG.

Com recomendação de compra e preço-alvo de US$ 2.122,00 para a ação, o banco citou ainda questões como o espaço para o crescimento do crédito, especialmente via cartões, e a perspectiva de uma competição “suave” no comércio eletrônico como fatores promissores no horizonte da operação.

As ações do Mercado Livre registravam queda de 15,5% por volta das 11h35 (horário local) na Nasdaq, cotadas a US$ 1.789,84. Dados da consultoria Elos Ayta mostram que, após a divulgação do balanço, a empresa perdeu US$ 15,48 bilhões em valor de mercado, o equivalente a uma Eletrobras.

Com o final do pregão da quinta-feira, os papéis do Mercado Livre encerraram em queda de 16,21%, cotados a US$ 1.774,05. No ano, as ações registram, porém, uma valorização de 12,88%, dando à empresa um valor de mercado de US$ 89,9 bilhões.

Apesar dessa queda expressiva, o Mercado Livre segue como a companhia mais valiosa da América Latina. Na segunda colocação desse ranking está a Petrobras, com US$ 82,76 bilhões.

* matéria atualizada às 18h10 com os dados de fechamento das negociações da Nasdaq