O impacto dos preços dos alimentos na inflação tem levado o governo a buscar alternativas para reduzir o custo de vida da população. Uma das medidas em estudo seria a liberação da venda de medicamentos isentos de prescrição (MIPs) em supermercados.

A proposta, que resgata o projeto de lei nº 1774/2019 atualmente travado na Câmara, parte da premissa de que as redes de supermercados poderiam aumentar sua rentabilidade graças às margens mais altas dos medicamentos, o que supostamente permitiria controlar a alta dos preços dos alimentos.

Analistas do Itaú BBA, no entanto, avaliam a medida como insuficiente para conter a inflação dos alimentos, além de preverem impactos significativos sobre as farmácias, que atualmente detêm a exclusividade na venda desses medicamentos. Os MIPs representam cerca de 15% das receitas das principais redes de farmácia, segundo o banco.

Os medicamentos isentos de prescrição possuem margens brutas médias de 30% a 35%, consideravelmente maiores do que as de produtos alimentícios, que variam entre 16% e 20%. “Para os varejistas de alimentos, isso é claramente positivo”, afirma o Itaú BBA. Ainda assim, o banco ressalta que esse ganho adicional não necessariamente resultaria em preços de alimentos mais baixos.

“Temos muita dificuldade em imaginar como isso ajudaria a controlar a inflação alimentar. É difícil supor que as redes de supermercados repassarão esse adicional de lucro para reduzir os preços dos alimentos – e parece bastante impossível controlar isso”, avaliam os analistas.

O Itaú BBA também destaca que é “praticamente impossível” estimar com precisão as potenciais receitas ou lucros adicionais, considerando que as redes de supermercados enfrentariam custos elevados devido aos requisitos sanitários. Gastos com farmacêuticos, manipulação e armazenamento, por exemplo, poderiam impactar negativamente a rentabilidade do negócio.

“Várias grandes redes de varejo de alimentos já operaram farmácias dentro de suas lojas, mas essas operações não foram vistas como bem-sucedidas em termos de execução e rentabilidade.”

Outro entrave significativo para a aprovação da medida, na visão do Itaú, são as preocupações com a automedicação, uma das principais causas de intoxicação no Brasil. O banco lembra que esse debate ocorre pelo menos desde 2013, sendo essa questão um dos maiores obstáculos ao avanço da proposta.

“Muitas compras de OTCs são feitas por impulso, de modo que uma eventual aprovação dessa medida provavelmente aumentaria o mercado endereçável desses produtos, em vez de apenas tirar participação das farmácias”, afirma o Itaú BBA em seu relatório. "Acreditamos que a probabilidade de a proposta se tornar lei é baixa."

Embora considere improvável a aprovação da medida, o Itaú avalia que o aumento da demanda pelo novo canal de vendas poderia fortalecer as farmacêuticas. Nessa linha, os analistas destacam a Hypera como a principal beneficiada, dada sua sólida relação comercial com as varejistas, com as vendas de produtos como Zero-Cal e Engov After.

"A liberação de medicamentos em redes de supermercados deve ter um efeito positivo nas vendas devido ao maior consumo por impulso, mas consideramos que o impacto potencial para as empresas farmacêuticas seja menos significativo do que para as empresas de varejo alimentar."