Próximo de completar 100 dias na Casa Branca, o presidente americano Donald Trump adotou como prioridade uma política de tarifas elevadíssimas com efeitos na economia americana, desestabilizando o mercado de ações e a cotação de ativos procurados em tempos de crise, como o dólar e os títulos do Tesouro.
Se antes da posse de Trump, analistas e agentes do mercado financeiro dos EUA apostavam no chamado pouso suave - uma redução do forte ritmo de crescimento da economia americana, sem causar recessão ou desemprego, o que permitiria ao Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, baixar os juros -, os prognósticos mudaram.
As dúvidas agora estão restritas a duas possibilidades. No melhor cenário, uma recessão leve neste ano ou em 2026, que ajude o Fed a baixar os juros.
No cenário mais pessimista, paira no ar a volta de um pesadelo vivido pelo país há 50 anos: a estagflação - termo que resume na mesma palavra estagnação econômica com inflação alta, situação que contempla ainda o desemprego elevado.
A dificuldade de prever o efeito das tarifas na economia interna americana explica a hesitação de analistas em descartar uma ou outra possibilidade - mesmo porque se os mercados de ações estão alertando para uma recessão, os mercados de bonds advertem sobre a inflação.
As dúvidas começam se os EUA vão mesmo entrar em recessão e quão severa ela seria. O Goldman Sachs, cuja equipe econômica tem sido mais precisa do que a maioria de outros bancos nos últimos anos, agora espera um crescimento do PIB de 0,5% neste ano (evita uma recessão, mas por pouco).
Essa previsão, porém, anunciada após o primeiro tarifaço de Trump, no começo de abril, pressupõe que as tarifas sejam adotadas contra todos os países, numa média 15 pontos percentuais – longe da sobretaxa de 150% impostas semanas depois contra as exportações chinesas, terceiro maior importador americano.
A estratégia de anúncios seguidos de recuos - como o da suspensão de tarifas contra aliados por 90 dias e a sobretaxação de exportações chinesas em 150% -, além de causar insegurança entre as empresas, que passaram a adiar investimentos, assustaram os consumidores, receosos dos efeitos inflacionários das tarifas.
Outro estudo, recém-publicado pela Apollo, uma das principais gestoras globais de ativos, coloca em 90% a probabilidade de os EUA entrarem em recessão.
Intitulado "A recessão da redefinição voluntária do comércio" e assinado pelo economista-chefe da gestora, Torsten Slok, o estudo traça uma espécie cronologia da economia dos EUA rumo a recessão tendo como parâmetro a reação do varejo a partir do “Dia da Libertação”, 2 de abril, quando Trump anunciou o tarifaço.
Slok afirma que as empresas americanas estão revisando para baixo suas expectativas de lucro, fazendo menos pedidos e investindo menos dinheiro em novos equipamentos. As vendas de caminhões pesados em março estavam no nível mais baixo desde a pandemia, e a confiança dos CEOs está agora no pior nível desde a crise financeira global de 2009.
De acordo com o estudo, o fluxo de navios porta-contêineres da China para os EUA provavelmente "parará" nas próximas semanas, em meados de maio, graças às tarifas punitivas impostas pelo presidente Trump às importações chinesas.
Até o fim de maio, a demanda por transporte rodoviário com contêineres deverá ser severamente reduzida, com demissões tanto no transporte rodoviário quanto no varejo ocorrendo no final de maio ou início de junho, decretando a entrada da economia na recessão, que deve se consolidar no final do ano.
De acordo com o estudo, a confiança do consumidor está atingindo novas mínimas, junto com o turismo internacional, com aumento de preocupação com desemprego.
“Os americanos agora esperam um desemprego maior, superando até mesmo os níveis da pandemia, e um número recorde espera que as condições econômicas piorem no próximo ano” afirma Slok.
Segundo ele, uma guerra comercial é um choque de estagflação: “Enquanto a guerra comercial estiver em andamento, a estagflação parece altamente provável.”
Estagflação no radar
É nesse contexto que um risco muito maior de estagflação do que de recessão na economia dos EUA passou a ser considerado, conforme outra pesquisa recente, do J.P. Morgan.
Três em cada cinco entrevistados pelo banco acreditam que o crescimento econômico dos EUA irá estagnar e a inflação permanecerá acima da meta de 2% do Federal Reserve, com um em cada cinco entrevistados esperando uma inflação acima de 3,5%.
Também há consenso sobre a fraqueza do dólar americano, com a maioria esperando que o euro fique em US$ 1,11 ou acima dele no final do ano, uma queda de pelo menos 8% para a moeda americana neste ano.
"Nossas reuniões foram notáveis pelas diferenças de opinião entre investidores americanos em comparação com investidores globais sobre as consequências e implicações de mercado da mudança de regime nos EUA”, diz o relatório do J. P. Morgan sobre a pesquisa.
A última recessão branda nos EUA ocorreu em 2001, quando o emprego e o investimento corporativo caíram após a crise das pontocom. Não houve perturbações financeiras de nível de crise como registradas nos EUA em 2008-09 ou na pandemia, em 2020.
A possibilidade de as tarifas de Trump causarem estagflação pela primeira vez em décadas assusta os americanos. A experiência com a estagflação foi traumática - um choque inflacionário causado pela alta dos preços do petróleo, que chegou a 12% em 1974, e uma taxa de desemprego de até 9%.
O problema básico da estagflação é que ela é uma armadilha incrivelmente difícil de escapar. De 1969 a 1982 — apenas 13 anos — os EUA sofreram quatro recessões. Três foram severas. Duas foram severas e prolongadas. As recuperações foram relativamente fracas. Mesmo durante as recessões, os preços continuaram subindo.
O mal-estar desestabilizou a política americana. Carter perdeu a reeleição em 1980; seu antecessor, Gerald Ford, também havia sido destituído em 1976. Os presidentes da década de 70 arriscaram desesperadamente medidas extremas de controle estatal para conter a inflação sem agravar o desemprego.
Richard Nixon impôs congelamentos de salários e preços em 1971 e 73; em 1977, Carter propôs um elaborado esquema de controles, impostos e subsídios para todo o setor energético.
Esses experimentos, por vezes, resultaram em um pequeno aumento nas pesquisas, mas rapidamente apresentaram aos seus autores um dilema: o controle estatal gera distorções econômicas, que exigem mais controle estatal.
A guerra comercial de Trump, portanto, pode muito bem levá-lo, à medida que a economia afunda, a um intervencionismo cada vez maior: subsídios e isenções tarifárias para empresas favorecidas; pagamentos a agricultores e outros eleitores; guerra política contra a independência do Federal Reserve.
Seria uma terrível ironia o slogan de Trump, "Tornar a América grande outra vez", ser o prenúncio do primeiro governo a causar estagflação nos EUA depois de cinco décadas.