Na mira do presidente americano Donald Trump desde a posse, em janeiro, o setor de energia renovável dos Estados Unidos recebeu na madrugada de quarta-feira, 2 de julho, o golpe final com a aprovação da lei orçamentária do Partido Republicano pelo Senado, que mexe em pontos-chave da política fiscal americana.
Na prática, a versão final do projeto aprovado desmantelou a Lei de Redução da Inflação de 2022, sancionada pelo governo do ex-presidente Joe Biden, que previa US$ 375 bilhões em incentivos e subsídios para estimular a economia verde, visando reduzir as emissões de carbono dos EUA em cerca de dois quintos até 2030 e as emissões de eletricidade em até 80%.
O projeto aprovado agora volta para a Câmara, mas as chances de reversão dos estragos no setor de energia limpa são consideradas nulas.
Os artigos de energia são apenas parte do pacote, que cumpre muitas das promessas de campanha de Trump: aumenta os gastos militares, financia uma campanha de deportação de imigrantes e mobiliza US$ 4,5 trilhões para estender seu alívio fiscal no primeiro mandato. Mas adiciona US$ 3,3 trilhões de dívida ao déficit do país.
Especialistas do setor verde afirmam que a nova lei acabará com o investimento em energia renovável e colocará em risco centenas de gigawatts de novo fornecimento de energia que, de outra forma, ajudaria os EUA a atender à crescente demanda por eletricidade, já que data centers, inteligência artificial e outros usos crescentes sobrecarregam a rede elétrica.
O impacto previsto pelo Centro de Soluções Climáticas e Energéticas, ONG que atua no setor, é assustador: a lei aprovada deve eliminar 1,6 milhão de empregos, impor perdas de US$ 290 bilhões, além de aumentar custo de energia em 4% por megawatt.
Startups americanas que vinham recrutando investidores já começaram a mirar o mercado europeu, pois a medida coloca em risco centenas de projetos de energia renovável bancados por benefícios.
Entre os incentivos revogados estão os que forneciam créditos fiscais para veículos elétricos que permitiram que os proprietários reduzissem o preço de compra de veículos elétricos em US$ 7.500.
O projeto aprovado também bloqueia por 10 anos uma taxa inédita sobre o excesso de emissões de metano da produção de petróleo e gás - grupos da indústria se opuseram à taxa de metano, que foi autorizada pelos democratas na lei climática de 2022, mas nunca implementada.
Por fim, “a grande e bela lei orçamentária” - assim chamada por Trump - aumenta os arrendamentos de petróleo e gás em terras públicas e reativa o arrendamento de carvão no Wyoming e em outros estados.
“Este projeto de lei mata as indústrias do futuro enquanto subsidia as indústrias do século XIX. É uma loucura”, resumiu Jesse Jenkins, professor da Universidade de Princeton, que disse ter ficado surpreso com a velocidade do projeto de lei do Senado em acabar com os incentivos à energia eólica e solar e chocado com o crédito fiscal proposto para o carvão metalúrgico.
A ironia é que a versão final do projeto de lei conseguiu evitar um desastre maior. Por meio de um acordo, para obter apoio à votação de senadores republicanos hesitantes, foi retirado um artigo que previa a cobrança de um imposto especial de consumo sobre projetos de geração solar e eólica, que havia sido adicionado ao projeto de lei no fim de semana.
Outra concessão permite que projetos eólicos e solares que iniciem a construção dentro de um ano da promulgação da lei obtenham um crédito tributário integral sem um prazo para que os projetos sejam "colocados em serviço" ou conectados à rede. Projetos eólicos e solares que comecem posteriormente devem ser colocados em serviço até o final de 2027 para obter o crédito.
O projeto de lei também manteve incentivos para tecnologias como energia nuclear avançada, geotérmica e hidrelétrica até 2032.
Abigail Ross Hopper, presidente da Associação das Indústrias de Energia Solar, disse que os americanos, literalmente, pagarão o preço pela nova lei: “As contas de luz aumentarão, os empregos nas fábricas desaparecerão, tudo isso enquanto nos tornamos mais dependentes de energia estrangeira e mais vulneráveis a apagões.”
O clima de polarização política nos EUA em torno do tema foi reforçado por Tom Pyle, presidente da conservadora American Energy Alliance.
“Se, como reclamam os defensores da Lei de Redução da Inflação, revogar esses subsídios vai 'matar' sua indústria, então talvez ela nem devesse existir”, disse Pyle, referindo-se à lei climática de 2022.
Ações em baixa
Antes da votação do atual projeto de lei, as ações de tecnologia limpa já haviam despencado em maio, após a aprovação de um projeto de lei que cortava os créditos fiscais para incentivos à energia limpa na Câmara dos Representantes, controlada pelos republicanos - o que levou empresários e empreendedores do setor a começar a rever sua estratégia.
Spencer Gore, fundador e CEO da Bedrock Materials, uma startup de baterias de íons de sódio, fez nessa época um anúncio incomum no LinkedIn: a startup devolveria a maior parte dos US$ 9 milhões arrecadados aos investidores e encerraria as operações.
“A empresa tinha bastante caixa operacional, mas foi a tecnoeconomia que nos levou a desistir", disse Gore, acrescentando que as condições de mercado para startups de tecnologia climática nos EUA foram prejudicadas pelo declínio da política industrial.
Um subproduto da nova lei tributária — e da crescente reação política contra incentivos ESG — é que a Europa está se tornando mais atraente para startups de tecnologia climática.
“A Europa, em particular, fez progressos significativos no alinhamento das estruturas regulatórias com as metas climáticas, o que reduz os riscos da tecnologia em estágio inicial”, afirma Todd Khozein, CEO da startup SecondMuse, que atua no setor eólico.
Segundo ele, Reino Unido, a França e a Noruega promulgaram políticas de apoio que tiveram o efeito sobre os investidores nesses ecossistemas, incentivando investidores de private equity, infraestrutura e capital de risco a apoiar projetos eólicos.
Para startups e empreendedores do setor de energia limpa que pretendem permanecer nos EUA, porém, o futuro é sombrio a partir de agora.
"Haverá um cemitério de empresas", disse Matthew Nordan, sócio-geral do fundo de tecnologia limpa Azolla Ventures. "E muitas startups hibernarão para tentar resistir à tempestade."