No fim de outubro, o grupo Arezzo&Co chacoalhou o mercado de moda ao anunciar a compra da grife Reserva por um total de R$ 715 milhões. Na manhã de ontem, lançou oficialmente o seu marketplace ZZ Mall. Agora, adiciona mais uma peça nesse quebra-cabeça para se tornar um dos maiores grupos de moda premium do País.
A companhia, com valor de mercado de R$ 6,29 bilhões, está criando um fundo de corporate venture para investir em startups. Batizado de ZZ Ventures, ele nasce com uma administração separada para se aproximar de empresas que resolvam as “dores” da companhia tanto no varejo como na área tecnológica.
O grupo, que está fechando uma parceria com a Endeavor para estar próximo de startups que tenham a ver com o seu negócio, não revela qual é o montante destinado para investir. O NeoFeed, entretanto, apurou com fontes do setor que o fundo estreia com R$ 30 milhões para fazer aquisições até 2021.
“Será um braço para outros negócios do grupo”, diz Alexandre Birman, CEO da Arezzo&Co, com exclusividade ao NeoFeed. E o primeiro negócio da ZZ Ventures, que será comandado pela diretora de Estratégia, M&A e Relações com Investidores da Arezzo & Co, Aline Penna, acaba de sair do papel.
A empresa anuncia hoje a aquisição da Troc, startup que atua no segmento de economia circular, vendendo roupas premium usadas. O grupo vai ficar com 75% da companhia e a fundadora, a curitibana Luanna Toniolo, com os outros 25%. No final de três anos, ela poderá exercer o earn-out. O valor do negócio não foi revelado, mas é uma aquisição que envolve oferta primária e secundária.
Investidores pessoais e fundos de venture capital como o Honey Island Capital estão deixando a operação. O único investidor que permaneceu foi a Reserva, que tinha uma fatia de 8% na Troc. Como a grife de Rony Meisler foi adquirida pela Arezzo&Co, sua participação foi incorporada, totalizando os 75% do grupo na Troc.
O grupo Arezzo vai investir R$ 12 milhões nos primeiros dois anos para aumentar o time de funcionários e encorpar a área de desenvolvimento tecnológico. “A Troc tem fila de espera de pessoas querendo vender na plataforma, mas há um gargalo”, diz Aline Penna, que comandou as negociações. “A empresa tem potencial para crescer a uma média de 150% ao ano nos próximos três anos.”
A Troc, baseada em Curitiba, é fruto de uma virada de carreira de Luanna Toniolo, uma advogada tributarista de 33 anos, que se reinventou ao acompanhar o marido Henrique Domakoski para estudar em Boston.
Em vez de cursar mestrado de tributação internacional, ela acabou cursando marketing em Harvard e, ao olhar a maturidade do mercado de segunda mão nos EUA, percebeu que havia uma grande oportunidade a ser explorada no Brasil. Abandonou a advocacia e entrou na moda.
Dados da empresa americana thredUp, uma das mais famosas do setor, mostram que o mercado de segunda mão na moda deverá saltar de um movimento anual de US$ 24 bilhões, em 2019, para US$ 64 bilhões em 2024. “No Brasil, até 2029, o mercado de segunda mão vai representar 17% dos guarda-roupas”, diz Luanna ao NeoFeed. A marca estima que esse setor deverá movimentar R$ 31 bilhões até lá.
Não é à toa que essas empresas estão chamando a atenção do mercado. A plataforma Enjoei, uma veterana nesse segmento, fundada em 2009, levantou R$ 1,13 bilhão na B3 no início de novembro. Na cotação de ontem, 19 de novembro, era avaliada em R$ 1,59 bilhão.
Diferente da Enjoei, que tem um sistema de peer to peer, no qual a cliente coloca as peças à venda na plataforma, a Troc faz toda a gestão. A companhia busca as peças de roupa na casa das clientes, seleciona, faz as fotos, armazena em seu galpão e comercializa no site.
A coleta é feita, por enquanto, em cidades como São Paulo e Curitiba. No restante do País, a startup envia um código para que a cliente mande as roupas pelo correio. Por comandar todo o processo, fica com uma comissão de, em média, 50% de cada venda.
Uma das grandes vantagens desse negócio é que a startup não necessita de capital de giro para ter os produtos. As clientes só recebem o dinheiro depois que cada peça é vendida. E, se nem todas as peças se encaixarem no perfil da plataforma, a empresa comercializa com outros brechós da região de Curitiba.
O que chamou a atenção da Arezzo&Co foi também o algoritmo de precificação da startup fundada em 2016. Cerca de 60% dos produtos da plataforma são vendidos no mesmo mês em que são expostos. Os outros 40% permanecem no site e, quando ficam mais de 180 dias, têm seus preços alterados.
A compra da Troc faz ainda mais sentido quando se observa as sinergias que o grupo Arezzo vislumbrou. Primeiro, ao ter uma companhia que atua no segmento de economia circular, a empresa comandada por Birman fortalece suas práticas de Environmental, Social and Corporate Governance (ESG).
O segundo ponto é que a Troc será plugada no marketplace ZZ Mall, que conta com mais de 30 marcas. E esse negócio pode se tornar poderosíssimo. O grupo conta com uma base de 10 milhões de clientes cadastradas, das quais 4 milhões são ativas. Se todas migrarem para o ZZ Mall, cria-se uma comunidade muito valiosa. E isso também impulsiona a operação da Troc.
As clientes serão incentivadas a vender suas peças na Troc e poderão receber dinheiro ou crédito com incentivo para trocar por produtos novos no marketplace. O modelo ainda está sendo desenhado, mas em uma venda de, por exemplo, R$ 1 mil a cliente pode pegar o dinheiro ou receber R$ 1,2 mil em crédito para comprar produtos no ZZ Mall.
Mas o pulo do gato mora no Big Data que o grupo terá em mãos. “Há alguns meses, eu estava em uma reunião com o Guilherme Benchimol e ele me perguntou se eu sabia o que as minhas clientes tinham em seus closets”, diz Birman, sobre a conversa que teve com o Benchimol, fundador da XP Inc. e amigo do empresário.
Pois com a Troc, Birman poderá saber com precisão. Afinal, ao vender na plataforma, suas clientes revelarão seus gostos e suas marcas preferidas. “Poderemos desenvolver produtos, fazer parcerias com outras grifes e até M&A com marcas que tenham mais sinergia”, diz Aline.
Tudo vai passar pela estratégia digital do grupo. “Estamos criando um ecossistema, uma plataforma robusta, especializada em peer to peer”, diz Birman sobre o marketplace ZZ Mall que, mais para frente, poderá se tornar um superapp.
De acordo com Alberto Serrentino, sócio-fundador da consultoria Varese Retail, “cada vez mais, a competição no varejo deixa de ser entre empresas e marcas para se tornar uma disputa entre plataformas e ecossistemas”. E explica que, mais do que produtos, essas companhias também venderão serviços.
“Vamos comprar empresas de ensino, de conteúdo, teremos meios de pagamento”, afirma Birman. Na área de educação, o grupo está analisando empresas especializadas em cursos de empreendedorismo em moda e varejo. No setor de conteúdo, está em negociação com uma plataforma especializada em lifestyle. “Que cobre viagem, moda e gastronomia”, diz Birman.
Virada digital
O apetite da Arezzo&Co impressiona em meio à pandemia. E impressiona ainda mais pela virada da companhia. Em abril deste ano, em uma entrevista ao NeoFeed, no calor do tsunami causado pela Covid-19, Birman contou o que havia feito para se preparar para o pior.
Na época, com sete marcas como Arezzo, Anacapri e Schutz, uma rede de 752 lojas e fábricas próprias, o grupo, que faturou R$ 2,03 bilhões no ano passado, teve de fechar todas as lojas físicas temporariamente e viu quase 90% de seu faturamento desaparecer.
O empresário desenhou um plano emergencial migrando todos os funcionários para o home office, acessou linhas de crédito de R$ 500 milhões para fortalecer o caixa e preparou a rede para vender digitalmente. Em duas semanas, colocou mais de cinco mil vendedores para vender online, um trabalho que levaria dois meses na questão de infraestrutura.
Os resultados apareceram. Na divulgação dos números do terceiro trimestre, o grupo reportou que a receita bruta atingiu R$ 525,2 milhões. Deste total, R$ 151,4 milhões vieram das vendas digitais, um crescimento desse segmento de 172,2%. Num recorte dos últimos nove meses, o faturamento do grupo na web atingiu R$ 364 milhões, 70% a mais do que no mesmo período do ano passado.
“Nosso call positivo reflete expansão resiliente no mercado local (ajudada pelo comércio eletrônico e crescimento multicanal nos próximos anos), também ajudada no próximo ano por uma potencial recuperação do consumo das classes de alta renda; novas marcas a bordo, como Vans e Reserva, e resultados mais saudáveis na operação nos EUA, com base nos canais de atacado e e-commerce”, escreveram os analistas do BTG Pactual sobre a companhia.
O preço alvo do papel estipulado pelo banco é de R$ 80. Nos últimos 30 dias, de 19 de outubro até 19 de novembro o papel saltou de R$ 54,63 para R$ 69,21, numa valorização de 26,6%. Isso se deve muito às aquisições que foram feitas e ao avanço digital do grupo.
A movimentação da Arezzo&Co é, de certa forma, uma resposta ao grupo Soma, dono de marcas como Animale, Farm, Maria Filó, entre outras. O Soma abriu capital em julho e levantou R$ 1,8 bilhão. Parte desse dinheiro está sendo usada para aquisições.
Também no fim de outubro, o grupo Soma desembolsou cerca de R$ 210 milhões para comprar a NV, marca digital da empresária Nati Vozza. A ação da empresa na B3 saltou de R$ 9,30, no dia 19 de outubro, para R$ 11,51 no dia 19 de novembro, numa valorização de 23,7%. Hoje, a companhia é avaliada em R$ 5,33 bilhões.
“As duas empresas têm grandes ambições, liquidez, liderança e projetos estratégicos fortes”, diz Serrentino, da Varese Retail. “Elas vão se confrontar porque não existem tantos alvos bons de moda premium que valem, de fato, uma aquisição”, afirma.
Um desafio que ambas terão pela frente, pelo menos no curto prazo, é uma segunda onda de contaminação por Covid-19 que pode fazer com que governantes estipulem os fechamentos do comércio em algumas cidades do País.
Indagado sobre isso, Birman diz que desde a segunda-feira, 16 de novembro, junto com Rony Meisler, vem conversando com os executivos do grupo. “Estamos reimplementando todas as medidas de segurança, triplicando os protocolos e reeducando a equipe com as ferramentas digitais”, afirma.
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