O empreendedor Rony Meisler, cofundador e CEO da Reserva, uma empresa com cinco marcas e faturamento de R$ 400 milhões no ano passado, recorreu à meditação nas últimas três semanas.

“Está me ajudando muito. Todos estão vivendo um momento de ansiedade e angústia maiores. Agora, estou cuidando da minha alma e meu corpo, correndo 30 minutos e fazendo a meditação diária”, diz Meisler ao NeoFeed.

Com uma rede de 113 lojas, das quais 50 franqueadas, e distribuição em 1,5 mil lojas multimarcas, ele viu seu faturamento cair 70% de uma hora para outra, depois que vários Estados decretaram o lockdown.

Depois de passar as últimas semanas reorganizando a operação e, como ele mesmo diz, “protegendo o caixa diariamente”, Meisler não se deixa abater e prepara um plano de ataque para fazer sua área digital crescer exponencialmente.

Desde o início da crise, a operação online cresceu 200%. Mas a grande tacada virá na sexta-feira, 10 de abril. É quando a Reserva lançará uma plataforma de vendedores afiliados, que poderão comercializar os produtos da marca e receberão uma comissão por isso.

A ideia é montar um exército de vendedores nos moldes de empresas como natura. “Cinco mil pessoas se cadastraram para venderem os nossos produtos”, afirma Meisler com exclusividade ao NeoFeed.

Na entrevista que segue, ele detalha esse plano da Reserva, conta como pretende digitalizar a operação dos franqueados e lojas multimarcas para as quais vende e reflete sobre as mudanças que virão no pós-pandemia no varejo e no comportamento das pessoas. Acompanhe:

Da noite para o dia, todas as suas 113 lojas foram fechadas. O que isso significou para o seu faturamento?
Perdi, pelo menos, 70% do faturamento. Mas esse não é um problema só dos shopping centers, onde estão as lojas. A gente também revende para 1,5 mil lojas multimarcas em todo o País e elas também fecharam. A solução não envolve só dois pontos. No varejo, você tem o revendedor, o shopping, a marca, a franquia, os fornecedores, os colaboradores. Essas últimas três semanas foram desafiadoras e também cujas determinações são estratégicas para o futuro da companhia e de outros negócios no curto, no médio e no longo prazos.

Ficou muitas noites sem dormir nas últimas semanas? Pessoalmente, como tem sido?
Eu sou judeu, não sou religioso, mas acredito muito que existe uma força que regra tudo o que é vivo no mundo em que a gente vive. É impossível você olhar para essa situação e não entender que, nesse momento, tem um porquê de tudo isso estar acontecendo. Acho que vamos entender esse porquê daqui a muitos e muitos anos, mas olharemos para trás e esse momento será um marco. No contexto de mundo que a gente vivia, você tem um vírus tão fatal e maléfico por um lado. Por outro lado, gera consequências claríssimas.

Quais consequências você tem enxergado?
O homem vinha matando o mundo loucamente, a desigualdade social só aumentava. Nesse sentido, a gente é obrigado a parar tudo e a natureza começa a se recompor. E a gente começa a entender que, independente de raça, gênero, credo e quantidade de dinheiro no banco, todo mundo respira o mesmo ar. A doença pega todo mundo, igualzinho. A gente tinha um mundo polarizado, em que estávamos brigando por qualquer coisa, aí vem esse vírus e a gente entende que brigamos com nosso tio, primo ou irmão, destro, canhoto, isento, por motivos tão pequenos perto desse problema todo.

“É impossível você olhar para essa situação e não entender que, nesse momento, tem um porquê de tudo isso estar acontecendo”

Quais outras reflexões esse problema trouxe para você?
Um movimento de digitalização exacerbada da nossa vida pessoal. Por muito tempo, até esse problema, a gente se esquecia do amigo que estava do nosso lado, dos nossos filhos, da nossa família, para ficar ligado no celular. E hoje a gente é obrigado a ficar preso dentro de casa com aquelas pessoas pelas quais a gente nunca deveria ter largado pelo celular. A gente passou a vida inteira tendo medo de sentir saudade nossos pais e avós, que estão no grupo de risco, quando eles se forem. Essa doença faz com que a gente sinta saudade deles em vida e faz com que a gente os valorize mais. Então, para mim, tem um lado que tem sido muito importante. E acho que para todo mundo. Por conta disso, o mundo pós-corona será completamente diferente nas nossas escolhas, decisões pessoais e profissionais.

Falando em escolhas, muita gente defende a volta ao trabalho, o fim do lockdown horizontal e o início do lockdown vertical. Qual é a sua opinião?
A gente vive a maior crise sanitária que já vimos, seremos expectadores impotentes de uma realidade trágica no Brasil. Teremos de contar mortos todo dia numa proporção muito alta. Esse negócio é muito sério. Tenho muitas questões com esse lockdown vertical. Nenhum dinheiro no mundo vale uma vida. A gente tem de sair para trabalhar quando tivermos certeza absoluta, ancorados pela ciência, de que podemos sair. E com a calma necessária.

Muitos empresários estão defendendo o lockdown vertical...
Empresário que não trabalha com a saúde não está apto a dar qualquer opinião que diz respeito à saúde. Outro dia perguntei para um amigo meu: ‘você vai ao médico, ele te diagnostica com pneumonia nos dois pulmões, só que você não acredita e acha que está com uma gripe simples. Qual é a chance disso acontecer? Qual é a chance de você ir trabalhar depois desse diagnóstico?’ É zero. Sou empreendedor e eu, como empreendedor, quando o meu médico, o doutor Moacir, me fala que sou obrigado a fazer uma coisa, eu sigo.

“Tenho muitas questões com esse lockdown vertical. Nenhum dinheiro no mundo vale uma vida”

E como empreendedor, de que forma está se adaptando a esse cenário?
Esse é o momento mais desafiador da vida de um empreendedor. A coisa foi chegando no Brasil aos poucos. A gente via a coisa comendo solta lá fora, a bolsa aqui explodindo, só se falava no fenômeno dos IPOs. A gente perguntava. ‘E esse negócio lá na China? E esse negócio lá na França?’. Conversávamos com profissionais de mercado e diziam. ‘Ah, isso é uma gripe, estão supervalorizando’. Mas a coisa foi chegando aqui até um nível que tivemos de conversar com os funcionários, que estavam assustados, se deixávamos todos trabalharem em home office ou não. Por mais criativos e digitais que sejamos, nunca havíamos trabalhado inteiramente como home office.

Até então as lojas estavam abertas?
Sim, isso foi no começo de março. Mas a gente resolveu deixar todos em home office. E foi bonito de ver como a digitalização das pessoas aconteceu rápido. Começamos a fazer uma reunião de venda de manhã e outra de caixa a noite, todo dia. Num momento como esse, é venda e caixa, venda e caixa, venda e caixa. Os sócios passaram a fazer reuniões toda quinta-feira. Adotamos protocolos no centro de distribuição, medição de temperatura na entrada, distanciamento entre os funcionários... A reação imediata foi cuidar de gente.

Mas aí veio o lockdown e foi preciso fechar tudo...
Eu digo que, depois de cuidar das pessoas, a primeira preocupação que toda empresa deve ter é com o caixa. O caixa tem de estar na mão do empreendedor, fazemos reuniões diárias para saber como está o caixa. Outro recado é trabalhar o máximo possível para a preservação de emprego e renda. É óbvio que há casos em que isso não é possível. Quando a gente preserva o emprego e a renda, a gente preserva o próprio negócio, porque as pessoas também formam o mercado consumidor.

A crise já está aí, instalada, não tem como voltar. O que fazer daqui para frente?
Quando as lojas foram fechadas, começamos com 30% do faturamento e, em três semanas, já estamos chegando em 40%.

Como chegou nesse crescimento?
Criamos aqui o que chamamos de “a lei das dez vezes”. Só vamos tomar decisão de implementar produto novo, digo tecnologia e serviços, se tiver potencial de fazer o nosso faturamento crescer dez vezes.

Tem um exemplo concreto?
Temos uma plataforma de inteligência artificial chamada Now. Quando nossos vendedores das lojas não estavam em atendimento, eles usavam essa plataforma para fazer ligações e disparar mensagens para os nossos clientes, tudo com base em inteligência artificial. Em dezembro passado, tomamos a decisão de tornar essa plataforma aberta na internet. Deixou de ser exclusiva dos vendedores das lojas e, com isso, poderíamos plugar quem a gente quisesse nela. Outras marcas, afiliados, vendedores virtuais, multimarcas. Ao mesmo tempo, criamos um time de seis pessoas para vender para clientes da internet, que não eram ativados por essa plataforma. No meio de janeiro, a internet já tinha crescido 20% em faturamento só com isso. Quando veio a crise, decidimos plugar todos os 500 vendedores da rede na plataforma.

O que isso significou?
Quando eles saíram da loja, no dia seguinte, eles estavam com uma ferramenta online de venda com a base toda de clientes, determinando réguas. ‘Liga para o fulano porque ele gosta de camisa branca e chegaram três novas camisas. Liga para ele porque hoje é aniversário. Ele comprou na semana passada, liga para saber se o produto agradou’. Hoje, as vendas digitais estão crescendo 200%. Ainda está longe da venda com as lojas abertas, mas estamos nos aproximando desse lugar de mundo que a gente acredita.

Além dessa ferramenta, o que mais está sendo feito para impulsionar as vendas?
Muitos dos nossos colaboradores começaram a nos trazer problemas que estavam passando em suas vidas pessoais. Ou um parente tinha sido demitido ou o parente era autônomo e não tinha o que fazer, não podia trabalhar. Então estamos subindo uma ferramenta de afiliados para que todos os amigos e familiares de todos os funcionários possam ser vendedores de Reserva na internet, ganhando comissão para isso.

Isso aumenta em quanto a sua rede de vendas?
Já temos quase cinco mil pessoas cadastradas.

Vai virar uma Natura da moda?
Pode se dizer que sim.

“Quando as lojas foram fechadas, começamos com 30% do faturamento e, em três semanas, já estamos chegando em 40%”

Como isso foi estruturado?
Todos os nossos vendedores de loja já tinham sido plugados na plataforma. Logo depois, os nossos 400 funcionários da sede foram plugados na plataforma que chamamos de “Somos todos vendedores”. Eles podem vender os produtos de todas as marcas do grupo. Mas a dúvida era como esse pessoal teria conteúdo. Uma coisa é o time de vendas que está acostumado, mas e a turma de escritório, como eles venderiam? Além do salário, criamos um comissionamento e, além disso, listas de transmissão no WhatsApp. Duas vezes por dia mandamos conteúdo em texto, foto e vídeo para eles postarem. Eles copiam e colam nas redes sociais e colocam o cupom deles. Identificamos as vendas feitas com os cupons deles e eles recebem a comissão.

Quanto é essa comissão?
Cerca de 10%.

Como você vai definir quem vai ser vendedor?
Indicação dos nossos funcionários.

E como ficam as lojas, as franquias e as multimarcas?
Sentamos com cada um deles e montamos um plano de parcelamento de dívidas. Nessas duas semanas, num esforço enlouquecedor, negociamos com todo mundo, com um cardápio de soluções. Foi um ganha-ganha. Não é maravilhoso para ninguém, mas é bom para todo mundo, que é a melhor solução. Deu um alívio para as 1,5 mil multimarcas e para os 50 franquiados. Resolvido esse problema de caixa, passamos a falar de inovação, de futuro, caminhar para o mundo de integração de estoque.

O que foi feito?
Lançamos alguns produtos para eles. Toda multimarca, toda franquia, pode ter uma loja digital usando 100% a nossa tecnologia. O nosso estoque estará conectado no site deles. Eles terão uma loja integrada na nossa plataforma. A nossa plataforma de inteligência artificial, a Now, também estará à disposição deles. E a terceira iniciativa é a seguinte, temos uma escola de soft skills aqui na Reserva. Ela se chama Escola de Rebeldia. Essa escola era presencial e fechada para funcionários da marca. Nos últimos 15 dias, o time da escola criou bastante conteúdo e abrimos ela, online, para todo o nosso ecossistema. Porque não adianta nada eu dar uma plataforma para o cara ou dar uma loja integrada na internet, se ele não souber usar, não souber vender digitalmente.

Você gosta de usar a expressão fazer do limão uma limonada. É isso o que está fazendo nessa crise, com uma virada digital?
A gente sempre foi uma retail tech e a gente sempre falou que era uma retail tech. Mas o que as pessoas percebiam no dia-a-dia era uma marca iconográfica, irreverente, que fazia coisas legais. Mas agora está ficando claro qual é o nosso modelo de negócios. Estamos usando tecnologia para escalar potencial humano.

No fim do ano passado, a Reserva adquiriu a plataforma Touts, de personalização de camisetas. De que forma ela se encaixa nesse cenário atual?
A Touts era o maior marketplace de lojas de camisetas de designers do Brasil. Designers montavam lojinhas dentro dessa ferramenta, faziam upload das suas artes e vendiam essas camisetas. Só que o processo de produção, venda e entrega era da Touts. O designer ganhava uma comissão. Depois que compramos, criamos a Reserva Ink. Ela não é uma marca, é um serviço. É a mesma coisa da Touts, mas demos uma leve pivotada.

O que foi feito?
A gente vai continuar focando em designers, mas agora focamos também em empreendedores. Somos um provedor de serviços para esse cara que não tem dinheiro e quer começar uma marca de moda. Então, pegamos a tecnologia, plugamos no nosso parque têxtil e, usando o know-how e toda a plataforma logística e operacional da Reserva, qualquer um pode montar a sua loja de camiseta na internet. A gente faz tudo e o empreendedor só precisa fazer o upload das imagens. Quando fizemos a aquisição, havia cinco mil lojas de designers nessa plataforma. Então, quando o empreendedor não tem o design, a gente faz a conexão com um designer. É como se fosse um iTunes para ele. Nas últimas três semanas, 200 empreendedores entraram na plataforma.

Como a Reserva monetiza?
A gente cobra uma mensalidade de R$ 149 por mês e um take rate da venda. Colocamos um preço mínimo na camiseta e a diferença fica com o empreendedor.

No início dessa entrevista, você disse que o mundo nunca mais será o mesmo. O que vai mudar no comportamento do consumidor?
A Reserva é uma B Corporation. Acho que só três marcas de grande porte no Brasil fazem parte do Sistema B: a Reserva, a Natura e a Movida. É uma certificação que garante, através de uma auditoria absurdamente complexa de toda a cadeia, que o consumidor pode comprar com muita tranquilidade dessas marcas que elas respeitam os mais altos padrões de entregas socioambientais. Não tenho a menor dúvida que as pessoas vão se preocupar muito mais em entender como aquelas marcas que elas estão consumindo impactam positivamente ou negativamente a sociedade.

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