A Totvs vale quase R$ 14 bilhões, faturou R$ 2,2 bilhões e lucrou R$ 252,1 milhões em 2019. É a maior empresa de software do Brasil e uma das poucas listadas na B3.
Não bastasse isso, a companhia fundada por Laércio Cosentino, que cresceu de forma acelerada através de uma estratégia agressiva de compras de concorrentes, tem R$ 1 bilhão para gastar em aquisições.
Para uma companhia desse porte, que tem forte penetração em médios e grandes negócios com seu sistema de gestão empresarial, é de se esperar que as ameaças venham de empresas mais estabelecidas, com as quais a empresa está acostumada a brigar há anos, como SAP e Oracle.
Mas a pandemia do coronavírus trouxe uma surpresa para a Totvs. Startups que atuam na área de gestão financeira na nuvem e se que focavam em micro e pequenas empresas, com faturamento de até R$ 10 milhões foram obrigadas a subir alguns degraus e buscar um cliente maior. Em geral, o cliente típico da Totvs.
O principal exemplo de startup que fez esse movimento foi a Omie, uma companhia que tem entre seus investidores a Astella e a Riverwood Capital. Assim que a pandemia começou, a companhia redesenhou sua estratégia e partiu em busca de um cliente com até R$ 70 milhões em faturamento.
A resposta da Totvs não demorou a aparecer. “A Totvs falou: quer brincar no meu parquinho. Tá bom: eu vou brincar no seu também”, diz uma fonte do setor que está acompanhando esse movimentação.
No começo deste ano, a Totvs criou a divisão Eleve, um área que herdou o software Bemacash, voltado a micro negócios, que havia ficado de fora da venda da Bematech para a Elgin, por R$ 25 milhões, em maio de 2019.
A divisão começou a atuar com módulos de vendas para o varejo e para o setor de saúde. Em meados de junho, a Totvs lançou um módulo de gestão, com foco na parte financeira e voltado para contadores, exatamente o público na qual a Omie atua.
Até aí, nada demais. O que chamou a atenção no mercado foi a estratégia comercial da companhia. A Totvs está oferecendo uma comissão de até 50% aos contadores que venderem assinatura de seu sistema aos seus clientes. Algo que, segundo algumas fontes com quem o NeoFeed conversou, pode ser considerado bastante incomum – não a comissão, mas sim o tamanho dela.
“Não é uma resposta”, afirma Juliano Tubino, vice-presidente da Totvs. “O nível de comissionamento é ímpar e não é temporário. Queremos ter o contador como nosso ‘influencer”.
Tubino acrescenta que essa movimentação de startups com foco no pequeno negócio e no contador para atender um cliente maior deixou um canal desassistido e o cliente abandonado. “É uma oportunidade para nós”, diz.
De acordo com o executivo, o objetivo é ter o contador como um canal de vendas, atraindo seus clientes à plataforma da Totvs. É um universo gigante, com mais de 500 mil profissionais, segundo dados do Conselho Federal de Contabilidade. Para atrai-los, além da comissão, a Totvs dá ainda acesso gratuito ao sistema para o contador.
A Eleve já conta com dezenas de milhares de clientes, por conta de parte deles terem sido herdados do antigo Bemacash. Eles pagam um assinatura que varia de R$ 79 a R$ 169 ao mês, segundo Tubino.
A maioria deles é dos módulos de vendas para o varejo e de saúde, que estão há mais tempo no mercado. O de gestão, que acabou de ser lançado, está começando a tracionar agora. “Fizemos um projeto-piloto e o feedback foi positivo”, afirma Tubino.
A entrada da Totvs nesse segmento com mais força comercial tem o potencial de provocar um abalo sísmico nas empresas da área. Em especial, as startups que contam com um sistema na nuvem atuando com clientes de pequeno porte.
A Totvs já detém uma participação de mercado de 48% entre as empresas de pequeno porte, aquelas com até 170 funcionários, segundo a pesquisa “Uso de TI nas Empresas em 2019”, da Fundação Getulio Vargas, de São Paulo. Mas ficava à margem de micro negócios, o público da maioria das startups de computação em nuvem.
Nesse seu movimento mais recente, a companhia mira diversos alvos. Sua estratégia de atrair contadores para o seu lado pode afetar, além da Omie, startups como ContaAzul, que tem investimentos dos fundos de venture capital Monashees e Tiger Global, e Contabilizei, apoiada por Quona Capital, Kaszek Ventures e e.bricks ventures, entre outros.
“Se uma empresa do porte da Totvs começa a educar esse segmento, no fundo, vai me ajudar a andar mais rápido”, diz Marcelo Lombardo, fundador e CEO da Omie.
Em sua visão, há milhões de empresas que ainda não usam nenhum solução digital. “O meu concorrente número um é a Tilibra e o Excel”, diz Lombardo, referindo-se ao fato de as micro e pequenas empresas preferirem usar o papel e a famosa planilha de cálculos da Microsoft para fazer a gestão financeira da empresa.
Sobre o avanço da Totvs para cima dos contadores, o empreendedor diz que, no passado, tentou transformá-los em um canal de vendas. Mas que a estratégia não funcionou. “O contador não é um vendedor de software. Foi um grande erro que cometi”, afirma Lombardo.
Hoje, a estratégia da Omie é ter o contador como parceiro, que indica clientes, mas sem o pagamento de comissão na maioria dos casos. “Os contadores de maior porte e bem estruturados se sentem conflitados. Ele não pode ser visto como um balcão de negócios.”
No começo de abril, a Omie notou que suas vendas iriam desacelerar por conta da paralisação da economia e que os pequenos negócios seriam os mais afetados.
Rapidamente, a startup reformulou sua estratégia e foi buscar um novo cliente que estivesse numa faixa de faturamento maior. Foi assim que a Omie “pivotou” seu modelo, sem deixar de atender aos pequenos negócios.
Ao mesmo tempo, a startup criou uma campanha publicitária em que brincava com as soluções de seus concorrentes, chamando-as de dinossauro. “Antes, eu tinha um percentual de 3% a 5% de clientes maiores. Hoje, eles já estão na faixa de 30%”, afirma Marcelo Lombardo, fundador e CEO da Omie.
De acordo com ele, no mês passado, aproximadamente 100 clientes da Totvs migraram para a sua plataforma online.
Procuradas, a ContaAzul e a Contabilizei não se manifestaram para essa reportagem.